terça-feira, 27 de outubro de 2015

Qual equipe é a principal?

A criação da Liga Sul-Minas-Rio - que pode ser um grito de libertação para os clubes brasileiros - tem mexido com a estrutura do futebol brasileiro e com a vaidade de alguns dirigentes que, para tentarem marcar suas posições, apelam para ações bem curiosas.
Uma delas, promovida pela Federação do Rio de Janeiro, estabelece que os times que não jogarem o campeonato do estado com suas equipes principais receberão um percentual menor das cotas de transmissão.

Mas o que seria a “equipe principal”? Teria a Federação o poder de escalar o time de um clube sem acompanhar treinamentos, sem conhecer o estado físico dos jogadores, sem saber das condições clínicas, sem ter noção da estratégia comercial do clube quanto à negociação de seus atletas, ou mesmo de problemas disciplinares?
Penso que não! Seria como alguém de fora julgar que os executivos da Federação sejam, ou não, os melhores que transitam no meio esportivo do Rio de Janeiro.
Como podemos ver, a discussão sobre “equipe principal” agrega tal grau de subjetividade que chega às raias do ridículo insistir na discussão, melhor passar para os argumentos que “justificam” essa exigência.

Segundo os “defensores” dessa medida, a audiência dos jogos é influenciada pela presença dos jogadores que estarão em campo. Perfeito!
Apesar de achar que outras variáveis - tais como preço do ingresso, horário do jogo, clima, momento do time, importância da partida e até a credibilidade do organizador – influenciam muito mais a demanda pelo espetáculo, vou encampar a tese e defender que um menor número de estrelas diminui a audiência, e assim aceitar que o clube com menos estrelas receba um percentual mais baixo.
Contudo, não podemos ficar alheios de que, por uma questão de coerência, a recíproca deveria ser verdadeira, isto é, o clube que investe mais na contratação de craques, mesmo que esses não rendam esportivamente, deveria receber mais.
Chego a viajar na hipótese de um clube contratar veteranos, todos com passagens vitoriosas no futebol, só para aumentar o percentual de recebimento das cotas de TV.
E o aspecto técnico? Certamente essa é uma das perguntas que o leitor deve querer fazer. 
Esqueçam, para a Federação o importante é ter jogadores consagrados, cenário que certamente irá prejudicar o processo de renovação do futebol brasileiros e deixará a base dos clubes como um mero celeiro para os times estrangeiros.
As consequencias dessa política chegam na forma de goleadas acachapantes.
Evidentemente que a Federação do Estado do Rio de Janeiro não concederá tal reciprocidade, o que faz muito bem, caso fizesse estaria errando duas vezes, na diminuição e no aumento da cota por motivos fúteis.

Na verdade, tais tipos de deliberações só servem para mostrar que a visão de alguns dirigentes continua a convergir para os interesses individuais, os quais não alcançam que o esporte deve ser gerido com foco na lucratividade e na melhoria do desempenho esportivo, tanto no curto, como, principalmente, no médio e no longo prazo.
Há que se entender que os resultados dos clubes, sejam financeiros como esportivos, são reflexos meramente da gestão.
Portanto, de nada adianta impor medidas para benefícios dos aliados, pois essas, sem uma gestão responsável e eficaz, serão inócuas em relação aos balanços patrimoniais e ao desempenho do clube nos campeonatos fora da alçada “protetora”.









terça-feira, 20 de outubro de 2015

O Storytelling chegou ao esporte

Para os menos afeitos ao glossário de marketing, storytelling é um termo que advém da união das palavras inglesas story e telling para se referir à narrativa de uma história sobre um produto ou serviço, de forma a atrair e reter a atenção do mercado, além de fortalecer o conceito e posicionamento da marca.
Uma técnica que julgo bastante interessante, principalmente nos dias atuais onde o excesso de informação faz com que a “competição por atenção” seja cada vez mais acirrada, submetendo as pessoas a um verdadeiro bombardeio de publicidade.
No esporte, já é possível identificar a força desse movimento nos lançamentos de novos uniformes, cuja comunicação se volta ao fator que inspirou a criação do produto.
O Fluminense, que entre suas inúmeras conquistas ostenta o de campeão mundial de 1952, costuma ter quase todas as suas camisas conceituadas por fatos de sua linda e rica história, que vão de títulos como o capitaenado pelo eterno Assis - recordar é viver - ao próprio bairro onde fica a sede, Laranjeiras, que inspirou a 1ª camisa laranja de um clube brasileiro.
Recentemente o Corinthians também lançou uma camisa alaranjada, que teve como inspiração a cor do solo do terreno onde vários jogadores foram revelados, o chamado Terrão.
Já o Sport Recife, campeão brasileiro de 1987, tem sua atual terceira camisa azul com detalhes em laranja inspirada na monarquia holandesa, que influenciou fortemente a colonização do Recife.

No mercado de bens de consumo, essa prática é ainda mais comum, valendo citar também alguns exemplos bem interessantes e que deixam claro o conceito da iniciativa.
O sorvete Diletto, cuja história de sua criação conta a saga do Nonno Vittorio na Itália, incorpora fatos que agregam tradição e qualidade ao produto. Entretanto, o Nonno Vittorio não passa de um personagem fictício, tendo sido criado para posicionar a marca como produtora de um sorvete brasileiro de origem italiana e sabores exóticos.
A água mineral Fiji Water, vendida nos EUA, é extraída de uma cratera vulcânica em Fiji, o que a posiciona como detentora de propriedades únicas que fazem bem à saúde. Seu preço equivale ao dobro do praticado pela concorrência, valor que é justificado pelos investimentos em melhorias na infraestrutura para a população do local. Ou seja, criaram um posicionamento de qualidade para a água – em tese, uma commodity – e dão ao consumidor uma outra boa razão para comprá-la: a ajuda humanitária.
Voltando ao Brasil, temos o suco Do Bem que, mais caro do que os concorrentes, conta que as laranjas utilizadas para sua produção são colhidas na fazenda do Sr. Francesco num esconderijo secreto no interior de São Paulo. Na verdade, o produto é fornecido pela Brasil Citrus, que supre também outras marcas.
Para terminar, não há como deixar de fora dessa relação a Häagen-Dasz, sorvete americano que, apesar de não contar uma história, teve seu nome criado para posicionar a marca como a que utiliza os melhores ingredientes na fabricação. Para isso, adotou um nome que parecesse dinamarquês - nem isso é - pois esse país era reconhecido pela alta qualidade de seus produtos lácteos, principal ingrediente do sorvete.
No glossário do marketing, o caso desse sorvete está mais para um foreign branding – utilização de nomes de outros idiomas – do que propriamente para o storytelling, mas de qualquer forma, serve para consolidar o quão importante é a percepção do mercado no posicionamento de uma marca.
Como escrevi anteriormente, acho a técnica de "contar uma história" bastante interessante, entretanto há que se ter nesse processo os mais rígidos cuidados para que o consumidor não se sinta enganado, pois nesse caso existe o sério risco de a marca passar a ser rejeitada.






terça-feira, 13 de outubro de 2015

O produto Ironman


No sábado passado foi realizada mais uma edição do Campeonato Mundial de Ironman em Kailua-Kona, um local mágico no Hawaii.
Após um período “meio distante” desse tipo de prova, resolvi acompanhar o evento, pois dele participavam vários triatletas advindos das competições com distância olímpica, as quais costumo ser mais assíduo nos eventos e noticiários.
Mas como acompanhar?
Esperar que alguma emissora brasileira se disponha a dedicar mais de oito horas de sua programação a um evento esportivo está fora de cogitações.
Monitorar somente através das redes sócias também não deixa o programa muito interessante.
Assistir pelo site era uma opção que não me passava muita segurança, pois nas vezes passadas a qualidade não foi das melhores. Mesmo assim, talvez influenciado pela falta de opções esportivas naquele dia, me convenci a dar uma nova chance a essa alternativa e não me arrependi. Fiquei impressionado com a melhoria da transmissão, a qual, apesar de algumas vezes ter “congelado” e de não citar fatos sobre o desempenho de alguns competidores, conseguiu me deixar entretido diante da tela, ou melhor das telas, já que as próprias informações do site através dos chips dos competidores e as redes sociais complementavam o visual de Kona – que visual – e a narração.
Muito provavelmente, o testemunho acima pode soar como bem desinteressante aos olhos de quem não é fã do triathlon. Porém, para quem é amante do esporte e acredita no marketing como ferramenta para auxiliar o desenvolvimento sustentável dessa atividade, o relato pode permitir reflexões valiosas.
A principal delas é que, independentemente de ser uma competição de alta duração e com uma quantidade de “interessados” bem inferior à grande maioria dos eventos “consagrados”, é possível ter transmissão ao vivo.
Corrobora para essa conclusão, a quantidade de ações de ambush marketing – marketing de emboscada – que pode ser vista na transmissão, aliás, uma preocupação que deve estar permeando o pensamento dos organizadores.
O fato de ser um esporte individual, onde não haja o confronto direto, tal como ocorre no tênis, e de ser praticado num local em que não é possível se visualizar todo o percurso, como acontece na natação ou no atletismo, também prejudica a atratividade da competição. Isso sem citar, a ausência de ídolos “globais”, os quais têm a capacidade de engajar torcida, mídia e patrocinadores, entre outros.


Mas então, qual seria a razão do sucesso do Ironman? A resposta é simples!
Eles souberam entender o mercado e se posicionar como um produto de nicho, sem a pretensão de se chegar a uma quantidade de praticantes, patrocinadores e espectadores – mesmo que crescente – como a de um produto de massa, tipo o futebol.
A partir desse entendimento, o produto Ironman vem sendo aprimorado de forma que suas limitações sejam superadas com iniciativas criativas e as oportunidades que surgem sejam aproveitadas dentro de um planejamento de médio e longo prazo.
Entre os melhores exemplos dessas iniciativas estão: 
  • A crescente quantidade de eventos, o que implica em expansão geográfica e consequentemente de praticantes e patrocinadores;
  • A criação de um novo produto, o 70.3, que mesmo sendo a metade da distância do Ironman recebe status similar. 
Outro ponto que não passou despercebido no evento de sábado, e minimiza alguns problemas do “produto” como o de não haver “disputas” e/ou ultrapassagens eletrizantes em grande parte da prova, foi a integração entre as mídias, no caso site, redes sociais e a própria transmissão. Através desse recurso foi possível fazer simulações de tempos, de ordem de classificação e até interagir com amigos sobre a competição, ou seja, conseguiram entreter os espectadores.
Sem dúvida, uma excelente lição aos gestores do esporte que, por falta de visão estratégica, não ousam sair do lugar comum.



terça-feira, 6 de outubro de 2015

Retorno de marketing?



A passagem do Ronaldinho Gaúcho pelo Fluminense tem provocado inúmeras discussões sobre o retorno da iniciativa em termos financeiros e mercadológicos.
De antemão, aviso que não vejo sentido em falar de retorno sem que seja estabelecido um objetivo, ou seja, saber que foi investido R$ 1 milhão, por exemplo, e houve como retorno R$ 5 milhões, não significa que o resultado foi bom, visto que, se a meta era de R$ 10 milhões a iniciativa ficou abaixo do esperado, mesmo com essa ótima taxa de retorno.
Isso porque não podemos esquecer que existem, ou deveriam existir, outras opções de investimento, razão pela qual deve ser escolhida a mais apropriada em relação aos objetivos e características da organização.
Por outro lado, tentar avaliar o investimento apenas sob esse prisma não me parece correto, já que certos dividendos só aparecerão e poderão ser mensurados a médio e longo prazos, além do que, outros apresentam pouca tangibilidade - aqui me refiro ao recall que a marca Fluminense pode ter obtido com o R10.
Contudo, o que mais me incomoda nessa “história” é a busca desenfreada do clube em querer chegar a números e justificativas para o investimento com argumentos absurdamente inconsistentes.
Peguemos a nota oficial do clube: “Cabe ressaltar que a contratação correspondeu às expectativas em relação ao retorno de marketing, aumentando arrecadação com bilheteria, venda de camisas e número de sócios." 
Ora, é inadmissível conceitualmente que se considere como retorno de marketing uma ação que “enganou” os torcedores que acreditaram que o contrato do jogador seria cumprido na totalidade ou, pelo menos, que durasse até o fim do atual campeonato.
Seria como, guardadas as devidas proporções, comprar um produto acreditando na sua “durabilidade” e esse se quebrasse logo após os primeiros usos.
Ressalto que o clube não pode ser considerado culpado pela rescisão, porém quando utiliza a nota oficial citada acima deixa claro um desconhecimento assustador do que realmente seja marketing e mostra um profundo desprezo em relação aos direitos do consumidor.

Já alguns números que foram considerados para a afirmação de que a contratação se bancou também não ficam atrás em termos de despreparo gerencial.
Não cabe entrar no mérito do aumento das receitas líquidas com bilheteria e sócio torcedor, pois esses sofrem a influência de diversos fatores, além da própria contratação do R10. Portanto, é mais fácil aceitá-los, já que são interligados e qualquer tentativa de isolá-los não seria suficientemente conclusiva.

Entretanto, o percentual divulgado como incremento na quantidade de camisas vendidas é bem inconsistente, visto que:
  • Não faz sentido falar em aumento da quantidade vendida ao consumidor final, posto que a pulverização de pontos de vendas não permite essa apuração e, mesmo se estiverem considerando apenas uma amostra, essa para permitir a comparação precisaria incluir o preço médio e a cobertura de estoque. 
  • Já se o cálculo considerar as vendas feitas para os varejistas, estaremos inferindo que a Adidas estava com elevado estoque de produtos, o que, se é bom pelo lado de haver disponibilidade, é péssimo também por saber que até o advento da contratação as vendas estavam baixas, fato que, evidentemente, faz com que qualquer incremento seja expressivo percentualmente.
  • Não pode ser esquecido que a camisa # 1 (home) está em vias de ser substituída, o que nos leva a crer que o estoque não deva estar tão alto a ponto de permitir um aumento de consumo tão significativo quanto o anunciado.
  • A referência "aumento de 30%", resultado divulgado pelo clube, por si só também não é suficiente para traduzir o impacto da contratação. Seriam 30% sobre o mesmo período em 2014? Seriam sobre 2004? Seriam sobre o mes anterior? Consideraram quantidade ou receita? Essas e outras dúvidas deixam o anúncio do incremento vazio aos olhos mais criteriosos.
  • Por fim, sem entrar em valores por questão de respeito às cláusulas de confidencialidade, não podemos achar que a receita com vendas incrementais de camisas - aquelas que superam a garantia mínima estabelecida em contrato - seja algo relevante na composição de receitas do clube.
Não quero com esse texto reprovar a contratação do R10. Seria covarde fazê-lo após o resultado, mas justamente por não tolerar covardia que escrevi esse artigo condenando a utilização de subterfúgios para minimizar eventuais críticas sofridas.
São condições fundamentais para um gestor de qualquer ramo de atividade: ser honesto na divulgação de seus números, ter conhecimento no preparo de suas declarações e ter hombridade para assumir seus atos.