terça-feira, 28 de março de 2017

Calendário, uma ferramenta de gestão

Muitas vezes pouco valorizado pelos gestores, o calendário é uma ferramenta importantíssima em qualquer ramo de atividade. Da escolha da data para um lançamento de produto até a definição do período de uma promoção,  o planejamento - que inclui análises extensas sobre o mercado - é peça fundamental para a elaboração de um calendário com cunho estratégico.
Derivando para o cenário esportivo, as datas que compreendem a temporada, os dias de semana e os horários em que acontecerão os jogos têm papel significativo no que tange à sustentabilidade das modalidades.
Nesse contexto, o primeiro ponto a ser avaliado é como a própria modalidade e as concorrentes estão posicionadas em termos de popularidade, espaço e demanda tanto naquele momento como historicamente.
No Brasil, por exemplo, temos que o futebol vem sendo o esporte que desperta maior interesse e, como tal, tem expressivo espaço na mídia não só em termos de transmissões ao vivo como nos demais veículos e programas esportivos.
Ciente dessa característica, as modalidades concorrentes devem procurar espaços onde o conflito com o futebol seja o menor possível. Exemplificando, marcar a final da Superliga Nacional de Voleibol para o mesmo dia e horário de um clássico no futebol seria uma decisão ruim, caso se tenha o objetivo de auferir audiência.
Escrito dessa forma pode até parecer que os gestores do futebol brasileiro não precisariam se preocupar com o calendário, visto a modalidade ser líder incontestável no país. Peço desculpas, se o texto leva para essa conclusão, pois na verdade a preocupação deve ser a mesma que a das demais modalidades, afinal, ainda que outros esportes sejam concorrentes em termos de espaço, verbas de patrocínio, etc., o fortalecimento do ecossistema esportivo tem a capacidade de aumentar a oferta de espaço, de verbas de patrocínio, etc.
Essa correlação pode ser mais bem constatada ao observarmos o crescimento do número de canais de televisão voltados ao esporte, os quais dependem de conteúdo e de público com diferentes perfis para que assim sejam atrativos para um número maior de anunciantes. As ligas profissionais norte-americanas ilustram bem essa premissa, pois as quatro principais planejam seus calendários de forma que os eventuais conflitos de datas sejam minimizados.
Além da importância do fortalecimento da atividade esportiva, não pode ser desprezado que a concorrência com o futebol de outros países também é um fator de ameaça.
Conforme citado anteriormente, a escolha dos dias de semana e horários em que as partidas irão ocorrer também requerem bastante atenção, ressaltando que fatores relacionados ao momento das equipes, preços dos ingressos, segurança, mobilidade urbana e clima influenciam bastante a presença no estádio e a audiência dos jogos.
Mais uma vez, pensando no ecossistema, não podemos cair na tentação de colocar os jogos mais importantes apenas nos finais de semana, pois dessa forma prejudicaríamos os clubes cujas partidas não são tão atrativas, criando assim um círculo vicioso, visto que jogando nessas datas faturariam menos com bilheterias, patrocínios e direitos de transmissão, ficando assim com menor capacidade de investimentos para formação de times mais atrativos, o que se refletiria na demanda de audiência sobre suas partidas.
Em minha opinião, a escolha das datas deve ter como premissa básica a competitividade da competição, aliás, mesmo argumento que uso para justificar uma melhor distribuição das receitas advindas dos direitos de transmissão.
A justificativa de que os números no Brasil mostram que há geralmente um maior público nos estádios nos finais de semana do que no meio, apesar de parecer correta, não pode servir como condição definitiva para a elaboração da tabela, já que uma eventual predileção e/ou maior disponibilidade para lazer pode vir a ser minimizada com um trabalho de precificação e estoque. A propósito, é o que acontece em quase todos os segmentos, entre os quais podemos citar o turismo que diminui os preços na baixa temporada e os aumentam/mantém na alta, e o de varejo que costuma liquidar no período pós-datas comemorativas.
Em suma, a busca por maior demanda e, consequentemente receitas, é o objetivo a ser perseguido, desde que se satisfaçam as necessidades do consumidor, porém, a  atenção ao “todo”, onde se inclui a perenidade da modalidade, deve ser redobrada, o que só se consegue com planejamento. 


terça-feira, 21 de março de 2017

E quando a marca falha?

Na maioria dos textos sobre celebridades que endossam marcas, as menções sobre risco costumam ir na direção do contratado que, sendo humano, é mais suscetível a falhas, as quais vão desde doping a escândalos tanto na vida profissional como na pessoal.
Nesse mesmo blog já escrevi sobre Tiger Woods, Ryan Lochte, Lance Armstrong e alguns outros, narrando os problemas que as marcas que os patrocinavam tiveram quando algumas acusações ganharam as manchetes.
Não me lembro, no entanto, de focar o risco pelo outro lado da relação, isto é, da celebridade que endossa e/ou é patrocinada por marcas flagradas em atitudes pouco recomendáveis.
É fato que a probabilidade de geração de problemas de conduta costuma ser maior em pessoas do que em instituições que, apesar de serem compostas por pessoas, possuem também processos que ajudam a minimizar as possibilidades de erros.
Mas havendo o erro, como fica a parte que endossa ou é patrocinada pela empresa infratora?
Inicialmente deve ficar clara a diferença que existe entre endosso e patrocínio. O primeiro envolve o testemunhal de alguém sobre os produtos da marca, enquanto que no segundo a marca aparece simplesmente nas propriedades disponibilizadas pela parte patrocinada.
Assim, penso que quem endossa uma empresa que se envolve em escândalos corre um sério risco de passar um tempo na “geladeira”, ou seja, de nenhuma outra marca querer usá-lo para evitar qualquer tipo de contaminação.
Já para aquele que é patrocinado pela marca, só resta torcer para que a empresa sobreviva à crise e mantenha os investimentos na iniciativa.
Outro ponto de questionamento diz respeito à possibilidade de prevenção por parte do endossador e do patrocinado.
Mais uma vez, precisamos segmentar a resposta em função do tipo de relação, pois creio que qualquer um que vá endossar alguma marca e/ou empresa deve procurar se informar ao máximo sobre as características desta, já que, como vimos acima, um eventual problema pode trazer prejuízos futuros. Embora deva ficar claro aqui que a maioria dos incidentes que se transformam em escândalos midiáticos são de tal forma “velados” que, muito provavelmente, nem o diretor de marketing - em tese, o responsável pela contratação do endossador - tem ciência prévia do problema. Assim, uma forma de minimizar o risco do endosso seria a inclusão de cláusulas com multas reparatórias.
Em relação ao patrocinado, fica difícil recomendar qualquer ação que possa colocar em risco a assinatura de contrato, principalmente numa conjuntura econômica em que a demanda por patrocínio é maior do que a oferta. A possível exigência de multas reparatórias também não parece muito viável em função da fragilidade assinalada.
Para "dar validade à regra" vale citar uma exceção: o caso do jogador senegalês Cissé que, em 2013 quando jogava pelo Newcastle da Inglaterra, quis rescindir seu contrato pelo fato do clube ser patrocinado por um site de apostas, o que contrariava seus preceitos religiosos muçulmanos. Ao final, as partes se acertaram e o jogador continuou na equipe.
Uma analogia que ilustra bem toda essa ponderação e a traz mais próxima da realidade pode ser feita tomando como base o recebimento de uma oferta de emprego, cuja decisão se dará levando em consideração, o momento profissional, a situação financeira, as expectativas em relação ao mercado e até o grau de idealismo da pessoa.
Portanto, antes de julgar os que aceitam endossar ou ser patrocinados por marcas idôneas - pelo menos até que se tenha indícios do contrário - é importante ter em mente que cada situação tem particularidades distintas.
Havendo, no meu modo de ver, uma única situação em que propostas nesse sentido devam ser descartadas imediatamente: quando a associação de marcas possa vir a trazer desvalorização da imagem, ainda que a proposta apresente cifras aparentemente irrecusáveis.



terça-feira, 14 de março de 2017

Da prisão aos gramados

A contratação do goleiro Bruno, que responde por seus crimes em liberdade, pelo Boa Esporte Clube tem provocado discussões envolvendo as mais variadas áreas, mesmo as que fogem da esfera desportiva.
O Judiciário fez bem em libertá-lo? As leis são justas? Ele está realmente recuperado? É certo permitir que ele volte a jogar futebol? O clube acertou em sua contratação?
Por falta de embasamento jurídico e para não fugir da proposta de discutir gestão, irei me abster de opinar sobre as primeiras questões e usarei o espaço para levantar alguns pontos que podem nos ajudar na reflexão sobre o assunto sob a ótica de marketing.
Devemos, no entanto, ter em mente que qualquer avaliação realmente criteriosa precisa ter no seu escopo o conhecimento acerca dos objetivos que motivaram a iniciativa a ser analisada, os quais, nesse caso, não temos ciência. Dessa forma, direcionaremos nosso exercício para uma esfera mais conceitual, cuja base analítica considerará o que usualmente um clube espera atingir em termos de marketing com a contratação de um jogador: aumento de receitas e valorização da marca.
As receitas recorrentes dos clubes de futebol têm basicamente a bilheteria/sócio torcedor, os patrocínios/licenciamentos e os direitos de transmissão como principais fontes. Em vista disso, podemos concluir que no curto prazo os reflexos relativos à contratação de um jogador costumam ocorrer em relação às duas primeiras fontes, já que o contrato com TV só sofre alguma alteração - mesmo assim sem relação direta com a presença de ídolos - após um considerável período.
Assim, seria razoável esperar que a contratação do goleiro até venha despertar um interesse maior em assistir aos jogos do Boa num primeiro momento, porém, as manifestações populares contra o jogador podem redundar em boicotes que inibiriam o comparecimento de alguns torcedores. A mesma dúvida ocorre em relação aos patrocinadores, que podem não estar dispostos a associar suas marcas ao clube cuja camisa é envergada por um criminoso. 
Pelo aspecto de valorização da marca, não há como negar que a contratação de jogadores de renome ajuda o clube a ficar mais presente na mídia e a divulgá-lo, o que, em tese, contribui no processo de brand equity. Como contra-argumento a essa colocação, há a possibilidade de um eventual mau rendimento técnico, além do fato, aqui, do jogador ser um criminoso.
Sobre o desempenho, penso que clubes vencedores devam ter sempre como prioridade o aspecto técnico, ou seja, contratar esperando aumento de receitas, engajamento de torcida e aumento da base de torcedores simplesmente pelo passado de glórias de algum jogador não me parece razoável para times com perfil competitivo.
Já o segundo contra-argumento me parece mais preocupante, pois mesmo que o passado do jogador não fosse tão “violento”, tenho como convicção que nenhuma marca, seja de clube ou de empresa, deva estar fortemente associada a alguma pessoa, pois seres humanos são falíveis e, dependendo da falha, os estragos para a marca são enormes. Nesse caso, então, o risco é ainda maior, pois a imagem do goleiro já está bem negativamente solidificada e não há nenhuma garantia de que ele esteja realmente recuperado. Por outro lado, existiria, talvez, a possibilidade do clube se posicionar como uma instituição atenta à causa de ressocialização de um ex-detento.
Mas será que, caso esse seja efetivamente o objetivo, foi feito um trabalho de branding que avaliasse a eficácia desse suposto posicionamento, ou ainda, se o goleiro seria a pessoa mais adequada para defender tal causa? 
Não tenho como responder, mas adianto que tal processo não é simples nem rápido, pois envolve estudos e pesquisas bem complexos. Além disso, um trabalho de posicionamento não pode ficar restrito a uma única iniciativa, sendo mandatório haver todo um plano de ações e avaliações periódicas.
Como a intenção do texto é puramente provocar a reflexão sobre os riscos e benefícios de uma contratação polêmica, terminarei por aqui, resistindo à tentação de emitir alguma espécie de opinião que possa contaminar o processo de ponderação do leitor – tarefa difícil quando envolve um crime hediondo.



terça-feira, 7 de março de 2017

Os paradigmas do patrocínio

Mesmo estando cada vez mais presente no universo esportivo, o patrocínio ainda pode ser considerada uma atividade recente.
Recapitulando, não faz muito tempo em que as camisas dos times de futebol traziam apenas os escudos das agremiações e, algumas vezes, a logo do fornecedor de material esportivo. Na NBA, apenas recentemente os times receberam autorização para dedicarem um espaço de suas camisas ao patrocinador.
Sobre o processo evolutivo do patrocínio, podemos constatar que há uma correlação positiva entre o desenvolvimento econômico das nações e o grau de maturidade do marketing, principalmente daquele aplicado ao esporte, já que o relacionado a produtos e serviços se beneficia da globalização das empresas, que permite que as práticas adotadas para os respectivos ramos de atividade sejam copiadas e adaptadas tanto pelas multinacionais – através do alinhamento e do intercâmbio – como pelas nacionais, que costumam seguir as melhores práticas de gestão.
Um forte indício do baixo grau de maturidade da atividade pode ser constatado quando vemos algumas novas oportunidades de patrocínio serem deixadas de lado em função de dogmas e paradigmas, os quais são criados justamente pela falta de questionamentos e discussões a respeito. 
Essa situação nos leva a ver, por exemplo, empresas do segmento automotivo patrocinando prioritariamente eventos de automobilismo, afinal de contas, precisam demonstrar aos potenciais consumidores de seus produtos que esses estão relacionados às atividades onde os veículos, em tese, costumam ser mais exigidos, raciocínio sem dúvida correto. Mas será que enxergar o mercado apenas sob esse prisma é o suficiente para se obter bons resultados?
Até porque, seria razoável supor que todos os concorrentes desse setor, mesmo com iniciativas diferentes, irão buscar a associação com o automobilismo, o que deixaria o P da publicidade - do composto de marketing - dependente de uma ação mais criativa do que a dos demais e/ou de uma verba maior de mídia para se diferenciar. 
Claro que o produto / serviço pode se diferenciar no que tange a sua formulação, preço e distribuição, mas como queremos explorar a atividade do patrocínio, expurgaremos os demais atributos do desenvolvimento desse artigo.
Nessa linha, peguemos o exemplo da Goodyear, fabricante de pneus, presente sob as mais variadas formas em competições de automobilismo e que a partir da temporada 2017-18 da NBA será patrocinador do Cleveland Cavaliers. Isso mesmo. Um fabricante de pneus estará expondo sua marca na camisa de uma das principais equipes de basquetebol. 
Seria essa ação uma forma de atingir o consumidor em função do gênero? Afinal, é razoável supor que mais homens assistam às partidas de basquete e, sendo esses grandes “consumidores” de pneus, a associação fica perfeita.
Pode ser...
Mas que tal atentar também para a localização da sede da Goodyear, situada em Akron, a 64 km de Cleveland, portanto bem perto da sede dos Cavs?
Que tal analisar as iniciativas da empresa junto à comunidade local, tais como doações para projetos voltados às crianças e saúde?
A propósito, parece ser uma tendência das empresas norte-americanas estarem presentes como patrocinadoras de eventos e times, além de implantarem atividades de causas sociais, nas localidades próximas as suas sedes. 
No caso da Goodyear, há ainda outro componente que ajuda bastante a propagação global através do patrocínio: ter no elenco do Cavs, o principal jogador de basquetebol da atualidade: LeBron James.
Como podemos ver, a decisão de patrocinar passa mandatoriamente pelo questionamento de paradigmas e pela busca da maior abrangência de objetivos, não se resumindo ao tradicional atingimento do público-alvo baseado em fatores puramente demográficos.