terça-feira, 14 de março de 2017

Da prisão aos gramados

A contratação do goleiro Bruno, que responde por seus crimes em liberdade, pelo Boa Esporte Clube tem provocado discussões envolvendo as mais variadas áreas, mesmo as que fogem da esfera desportiva.
O Judiciário fez bem em libertá-lo? As leis são justas? Ele está realmente recuperado? É certo permitir que ele volte a jogar futebol? O clube acertou em sua contratação?
Por falta de embasamento jurídico e para não fugir da proposta de discutir gestão, irei me abster de opinar sobre as primeiras questões e usarei o espaço para levantar alguns pontos que podem nos ajudar na reflexão sobre o assunto sob a ótica de marketing.
Devemos, no entanto, ter em mente que qualquer avaliação realmente criteriosa precisa ter no seu escopo o conhecimento acerca dos objetivos que motivaram a iniciativa a ser analisada, os quais, nesse caso, não temos ciência. Dessa forma, direcionaremos nosso exercício para uma esfera mais conceitual, cuja base analítica considerará o que usualmente um clube espera atingir em termos de marketing com a contratação de um jogador: aumento de receitas e valorização da marca.
As receitas recorrentes dos clubes de futebol têm basicamente a bilheteria/sócio torcedor, os patrocínios/licenciamentos e os direitos de transmissão como principais fontes. Em vista disso, podemos concluir que no curto prazo os reflexos relativos à contratação de um jogador costumam ocorrer em relação às duas primeiras fontes, já que o contrato com TV só sofre alguma alteração - mesmo assim sem relação direta com a presença de ídolos - após um considerável período.
Assim, seria razoável esperar que a contratação do goleiro até venha despertar um interesse maior em assistir aos jogos do Boa num primeiro momento, porém, as manifestações populares contra o jogador podem redundar em boicotes que inibiriam o comparecimento de alguns torcedores. A mesma dúvida ocorre em relação aos patrocinadores, que podem não estar dispostos a associar suas marcas ao clube cuja camisa é envergada por um criminoso. 
Pelo aspecto de valorização da marca, não há como negar que a contratação de jogadores de renome ajuda o clube a ficar mais presente na mídia e a divulgá-lo, o que, em tese, contribui no processo de brand equity. Como contra-argumento a essa colocação, há a possibilidade de um eventual mau rendimento técnico, além do fato, aqui, do jogador ser um criminoso.
Sobre o desempenho, penso que clubes vencedores devam ter sempre como prioridade o aspecto técnico, ou seja, contratar esperando aumento de receitas, engajamento de torcida e aumento da base de torcedores simplesmente pelo passado de glórias de algum jogador não me parece razoável para times com perfil competitivo.
Já o segundo contra-argumento me parece mais preocupante, pois mesmo que o passado do jogador não fosse tão “violento”, tenho como convicção que nenhuma marca, seja de clube ou de empresa, deva estar fortemente associada a alguma pessoa, pois seres humanos são falíveis e, dependendo da falha, os estragos para a marca são enormes. Nesse caso, então, o risco é ainda maior, pois a imagem do goleiro já está bem negativamente solidificada e não há nenhuma garantia de que ele esteja realmente recuperado. Por outro lado, existiria, talvez, a possibilidade do clube se posicionar como uma instituição atenta à causa de ressocialização de um ex-detento.
Mas será que, caso esse seja efetivamente o objetivo, foi feito um trabalho de branding que avaliasse a eficácia desse suposto posicionamento, ou ainda, se o goleiro seria a pessoa mais adequada para defender tal causa? 
Não tenho como responder, mas adianto que tal processo não é simples nem rápido, pois envolve estudos e pesquisas bem complexos. Além disso, um trabalho de posicionamento não pode ficar restrito a uma única iniciativa, sendo mandatório haver todo um plano de ações e avaliações periódicas.
Como a intenção do texto é puramente provocar a reflexão sobre os riscos e benefícios de uma contratação polêmica, terminarei por aqui, resistindo à tentação de emitir alguma espécie de opinião que possa contaminar o processo de ponderação do leitor – tarefa difícil quando envolve um crime hediondo.



4 comentários:

  1. Neste caso específico, o clube conseguiu, em um primeiro momento, uma boa visibilidade na mídia, mas acabou perdendo importantes contratos de patrocínio, No final do dia acabou, em princípio, no prejuízo. Ao meu ver, acho que o clube se precipitou na decisão de contratar, sem antes consultar seus patrocinadores.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Pedro, obrigado pelo comentário!
      Tenho como convicção que nenhum patrocinador deva ter ingerência na contratação de jogadores, porém, acho legítimo ter poder de veto.
      A sugerida consulta aos patrocinadores, que concordo, precisaria vir municiada com algum estudo que embasasse a operação, o qual deveria trazer, entre outros, uma avaliação do índice de rejeição.
      Abraço

      Excluir
  2. Idel, realmente interessante. Os pontos colocados têm peso na decisão e serão debatidos por algum tempo. Acho que o comportamento do Bruno será fundamental para alcançar uma redenção com o público, qualidade como goleiro sabemos que ele tem.
    Talvez sua contratação ajude a acelerar o julgamento na 2a instância, que chega a ser irônico.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pelo comentário, Lula!
      Realmente irônico.
      Quanto ao comportamento, a barra será pesada, pois provocações e provações não irão faltar.
      Situação complicada!
      Abraço

      Excluir