terça-feira, 6 de novembro de 2018

As verbas de mídia



O artigo dessa semana se aproveita de uma declaração do presidente da república recém-eleito para discorrer acerca de um tema que, alimentado pela paixão e pelo desconhecimento, acaba sendo desvirtuado por uma infinidade de "palpites". Refiro-me à fala relativa à destinação das verbas federais dedicadas à compra de mídia, as quais, segundo ele, não seriam aplicadas em veículos que não se comportem de maneira digna.
Com o residual do clima pré-eleitoral ainda bastante exacerbado, encontramos a população bastante dividida, vemos os pró-Bolsonaro defendendo sua fala enquanto seus opositores - com o apoio da imprensa - se manifestam contra. As discussões, no entanto, são na maior parte das vezes desprovidas de conhecimento técnico sobre planejamento, decisão e compra de mídia.
Nesse cenário as menções à liberdade de imprensa  fundamental para qualquer regime democrático – acabam povoando o espaço que, nesse caso, deveria ser ocupado pelos fatores técnicos que norteiam a elaboração de um plano de mídia, sobre os quais discorreremos a seguir de forma bem superficial.  
No que tange aos aspectos quantitativos, o binômio "cobertura-frequência" é um dos principais  balizadores para a escolha, sendo cobertura a quantidade de pessoas que serão atingidas com aquela inserção e frequência o número de vezes que tais pessoas serão submetidas a ela. Ainda no tocante a números, o preço da inserção é outro fator de parametrização em relação à cobertura. 
Já pelo aspecto qualitativo deve ser observado o perfil do público que se quer alcançar, pois nada adianta falar com muitos, se esses não fizerem parte do público-alvo.
Levar em consideração todas essas variáveis já concederia ao plano de mídia um bom nível de retorno, contudo, esse pode ser ainda maior se a mensagem for veiculada de forma clara e crível.  O que quero dizer com isso é que deve se ter bastante cuidado para não haver “conflito de mensagens”, ou seja, é importante estar atento para que a linha editorial do veículo "escolhido" não seja tão divergente do que será "anunciado".
Isso não significa que não se deva anunciar nos veículos que criticam e/ou publicam notícias negativas, até porque essas, quando desprovidas de viés político, são importantes para se aferir a credibilidade e isenção do veículo, no entanto, o anunciante também precisa refletir se é proveitoso estar num espaço que possa de alguma forma "poluir" sua mensagem.
Como podemos ver a elaboração de um plano de mídia é um trabalho extremamente complexo e que não deve ser definido sob uma visão superficial, tampouco emocional. 
Dito isto, as críticas à declaração do presidente Bolsonaro fazem sentido, pois é mandatório que a linha de comunicação das estatais seja decidida dentro dos mais rígidos conceitos de marketing, e não pelo chefe da nação, ainda que esse possa dar sua opinião, desde que embasado de conhecimentos mercadológicos sobre cada ramo de atividade envolvido.
Por outro lado, deve ser salientado o seu acerto em desejar que as verbas publicitárias sejam direcionadas para veículos dignos. Aqui, mesmo que de forma intuitiva, o novo presidente utiliza o conceito do co-branding, que consiste no processo da associação entre marcas, de forma que se consiga conjugar os melhores atributos das mesmas e assim valorizar e gerar negócios.
A propósito, é lamentável que patrocinadores e patrocinados no esporte e na cultura não tenham na maioria das vezes essa visão.
Mas voltando à declaração do presidente, penso que a  subjetividade contida na  palavra  “dignidade” dá margem para que os menos afeitos ao marketing a enxerguem puramente como uma espécie de coerção editorial, o que é péssimo pelo ponto de vista da democracia. 
Melhor seria ficar em silêncio ou simplesmente falar que todos os custos e investimentos serão decididos tendo como base premissas eminentemente técnicas, o que, aliás, é o que se espera de qualquer instituição, seja ela pública ou privada.


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