terça-feira, 31 de março de 2020

Tokyo 2020 + 19 = 2021

Enfim foi anunciado que os Jogos Olímpicos de Tokyo serão adiados. As razões para a decisão todos conhecem: a pandemia causada pelo covid-19, a qual coloca em risco a saúde de atletas, espectadores, organizadores e membros da imprensa.
Entre os que defendiam o adiamento – a maioria, que se registre – os argumentos principais se baseavam na segurança, na preocupação com a saúde e na falta de isonomia em termos de treinamentos, já que as condições de restrição podem variar de país para país. Em relação a esse último ponto, vale lembrar que, apesar de justo, é algo utópico, visto que a própria disponibilidade de recursos e a cultura esportiva das nações diferem entre si.
Embora não tenha havido unanimidade quanto ao adiamento, a decisão foi acertada. 
O impasse criado gerou inúmeras críticas ao COI e ao Comitê Organizador, críticas que diminuíram, mas não cessaram, pois, segundo alguns, se levou muito tempo para anunciar o cancelamento.
Não há dúvida de que o tempo é fator fundamental para uma boa gestão. O cumprimento de prazos, na verdade, transcende a etiqueta corporativa, sendo mais uma questão de caráter e educação.
Porém, no caso dos Jogos Olímpicos, não havia nenhum compromisso formal em se comunicar o adiamento. Aliás, nem poderia haver, visto ser algo inimaginável, ainda mais pelo motivo que foi.
A demora, se é que o tempo que se levou pode ser assim chamado, é, no meu modo de ver, totalmente justificada, afinal há uma série de fatores envolvidos e todos precisam ser muito bem avaliados para que as respostas e soluções sejam elaboradas antes do efetivo anúncio.
Decidir sem avaliar o maior número de cenários possíveis seria, aí sim, uma irresponsabilidade singular. Isso não significa que a realização do evento era uma hipótese plausível, afinal, estava claro que não havia mais condições para ele acontecer dentro dos padrões idealizados e consagrados. O que se discutia, presumo, era como equacionar os problemas que surgiriam.
Os que reclamam da “demora” esquecem que, em função dos Jogos, muitos planejamentos ocorreram, são patrocinadores que em suas estratégias estabeleceram ações e objetivos de longo prazo, são pessoas que compraram os imóveis, onde hoje é a vila olímpica, para morarem. Isso sem citar os atletas, as viagens dos espectadores, as grades de mídia e os calendários das demais competições, entre outros. 
Deixá-los sem respostas razoáveis pelo simples intuito de parecer rápido seria incorrer em um erro que, infelizmente, é abundante no mercado: decidir e depois ver como fica, sendo que esse “como fica” pode ser extremamente oneroso.
Nada contra as reações rápidas, muitas vezes elas são fundamentais, mas nem sempre...a propósito, o próprio esporte nos mostra que uma boa estratégia rende melhores resultados do que as atuações induzidas pela ansiedade. 

terça-feira, 24 de março de 2020

Pandemia de projeções

A pandemia que está assombrando o mundo tem nos levado a buscar notícias nos mais diversos veículos de comunicação, sejam esses nacionais ou internacionais. Além destes, as redes sociais repercutem esses mesmos veículos, aumentando suas coberturas e frequências, isso sem contar a disseminação de notícias falsas que chegam de fontes não checadas.
Nessa sequencia surgem também os “especialistas” discorrendo sobre epidemia, estatísticas e fazendo projeções acerca da evolução do Covid-19.
Para chegar às conclusões que propagam, partem dos números de casos e de vítimas letais em alguns países que sofrem há mais tempo com o problema e daí elaboram “curvas” para projetar o comportamento da evolução em outras nações. Aqui no Brasil, por exemplo, as previsões não são nada boas, fato que por um lado é até bom, pois consegue fazer com que a população respeite as orientações preconizadas pelo estado, porém, por outro, causa um pânico generalizado que acaba afetando negativamente o grau de confiança das pessoas.
Não quero dizer com isso que os números estimados não irão se realizar, pode até ser que sim, contudo, as razões do acerto estarão muito mais ligadas à sorte do que aos aspectos estatísticos.
É bom que se ressalte que o exercício de parametrização em relação a outros países é um método interessante para projeções, desde que seja  alimentado por dados fidedignos.
No mercado corporativo, a busca por informações precisas é uma meta constante, já que qualquer erro é capaz de afetar áreas nevrálgicas de uma corporação, tais como compras, produção e comercial, entre outras.
Voltando à pandemia, é factível supor que os registros dos casos não estão muito corretos, outrossim, para se parametrizar corretamente haveria a necessidade de uniformização dos critérios adotados nos demais países, o que não vem ocorrendo.
Todos esses problemas já distorceriam o cenário traçado, mas ainda que relevássemos tais falhas teríamos o problema da fragilidade dos modelos que, ao contemplarem poucas variáveis ficam ainda mais sensíveis aos erros. Fora isso desconsideraram dados que seriam de fundamental importância, tais como densidade demográfica das regiões, o percentual de pessoas infectadas assintomáticas e outras que deixariam as projeções mais assertivas e, também dispendiosas obviamente.
Diante do que temos visto, não resta dúvida de que as projeções  carecem de embasamento, fato que parece pouco importar para os que buscam “espaço” nas redes.
E assim a ciranda não para: as “projeções” sobre as vítimas levam a projeções sobre cenários econômicos, evidentemente sombrios, que levam a projeções sobre o tempo de recuperação e por aí vai.
Não conseguem entender que uma premissa e/ou um número mal coletado/analisado tem o poder de contaminar toda uma sociedade, tal qual um vírus.

Vamos superar! Vai passar!





terça-feira, 17 de março de 2020

Os "profetas" e seus seguidores

Entender o mercado e dele extrair informações que permitam a antecipação de iniciativas faz parte do cotidiano de qualquer executivo, o qual, por sua vez, deve construir cenários que contemplem as variadas hipóteses que pareçam factíveis.
Nesse contexto, os exercícios de futurologia são bem-vindos, pois permitem considerar situações que fogem da normalidade daquele momento e da própria atividade econômica, contudo, há que se tomar o máximo de cuidado para não ser seduzido pelos profetas que lançam previsões que, na maioria das vezes serve substancialmente para ganhar audiência em palestras ou likes e compartilhamento em redes sociais.
Podemos ilustrar esse tema com algumas profecias polêmicas:
"Não existem motivos para que alguém queira ter um computador em casa" - Ken Olson, presidente e fundador da DEC, uma empresa de mainframe – aqueles computadores enormes -  no final da década de 70. Tal frase foi proferida ao comentar o aparecimento dos computadores da Apple.
"O potencial de mercado para máquinas copiadoras é de, no máximo, 5.000", assim reagiu a IBM à Xerox.
Viagens interplanetárias como formas de turismo convencional, 150 anos de expectativa de vida  e carros voadores estavam entre algumas das pérolas enunciadas como bem prováveis de já serem realidade nos dias atuais.
Hoje se fala no fim irrefutável da publicidade off-line, das entregas via drone, do fim do varejo físico e da extinção de um infindável número de profissões.
A razão dos meus questionamentos à utilização de previsões para um espaço de tempo muito longo advém do elevado número de variáveis que influenciam o futuro, sendo que muitas das quais nem são cogitadas no momento da previsão.
Além disso, muitos dos “futurólogos” se arriscam nas afirmações sem conhecerem suficientemente o universo que será impactado, tampouco utilizam os recursos de inteligência artificial e econométricos disponíveis - vide agora, por exemplo, as infindáveis previsões sobre as consequências do coronavírus (Covid-19). 
É importante reforçar que toda essa argumentação não tem como intuito pregar o banimento dos exercícios de futurologia, mas sim alertar para suas fragilidades, de forma que sua propagação seja sempre feita com os devidos adendos. Tal alerta se faz ainda mais importante em um mundo onde as redes sociais extirpam a responsabilidade de se checar fontes e, mesmo assim, permitem a proliferação das “verdades sobre o amanhã".
Problema que se agrava em função do compartilhamento seletivo de quem o faz, ou seja, se há concordância com dada notícia/informação, ou mesmo se traz algum benefício para o "disseminador", ela será “multiplicada” sem que se tenha feito alguma verificação a respeito. Ao contrário, um desmentido ou ainda um fato que fragilize a “sua verdade” é ignorado.
E assim se popularizam as profecias, a ponto de serem utilizadas até em apresentações de executivos que, por falta de melhor conteúdo e/ou discernimento para refletir, contribuem para a difusão dos conteúdos "bombásticos" e carentes de embasamentos adequados.



terça-feira, 10 de março de 2020

A liderança nunca é total


Costuma ser bastante comum nos referirmos a alguma marca como líder de mercado, condição que pode ser atestada por auditorias e institutos de pesquisa, no entanto, isso não significa que tal marca lidere em todos os canais, faixa etárias, classes sociais, regiões ou em qualquer outro tipo de segmentação que se queira adotar.
No que tange à classe social é fácil entender, visto que nas mais baixas o preço é um atributo de forte influência na decisão. Em relação aos canais, podemos aplicar raciocínio similar, pois em alguns a variável preço também é decisiva.
Em se tratando de segmentação por faixa etária, a existência de líderes diferentes também ocorre com relativa frequência, e pode ser bastante perigoso quando a perda da liderança acontece nas idades menores, fato que pode indicar um futuro pouco promissor para a marca.
Contudo, a circunstância que, no meu modo de ver, parece ser uma das mais interessantes de ser analisada é aquela em que a liderança varia em função da região. No Brasil é possível ver marcas que, mesmo tendo uma supremacia nacional absoluta, perdem essa posição em algumas localidades, o que pode ser função das próprias segmentações citadas acima, mas em grande parte das vezes acontece por bairrismos ou hábitos enraizados na região.
Tais situações não ficam restritas a produtos, vide o que acontece, por exemplo, com a cadeia de cafeterias Starbucks no Vietnan, onde as redes locais têm supremacia sobre as redes globais, fato que culminou na saída da rede australiana Gloria Jean’s Coffee do país.
Não há como negar que o preço das bebidas das redes "globais" servida nas lojas vietnamitas contribui para o quadro atual, mas também não podem ser desconsiderados os hábitos locais. Lá a população gosta do café mais pesado e adoçado com leite condensado, sendo que para se obter as características que dão à bebida um sabor mais amargo e com maior teor de cafeína, eles se utilizam de um tipo de grão chamado "robusta", diferente dos grãos "arábica", com os quais são feitos os  cafés servidos nas lojas “internacionais”.
Para se ter uma ideia da baixa presença da rede norte-americana no Vietnan, comparemos o número de lojas per capita em alguns países próximos: Malásia uma loja para cada 104.982 habitantes, Thailandia - 1 / 175.040, Camboja - 1 / 913.862 enquanto que no Vietnan é de 1 para 1.673.109.
Diante do que foi narrado, as iniciativas de marketing da Starbucks para melhorar seus resultados poderiam passar por uma adequação dos preços, todavia, essa medida talvez não seja prioritária, tampouco a mais eficaz, já que a classe média está em ascensão no país.
Assim, parece ser mais efetivo o desenvolvimento de produtos que atendam aos gostos dos habitantes, salientando que esse processo exigirá investimentos em pesquisas e comunicação, pois, ainda que a bebida agrade plenamente, ela precisa encontrar um posicionamento que alcance primeiramente a liderança na mente do potencial cliente, para daí buscar a do mercado.





terça-feira, 3 de março de 2020

Marca quase própria

Como já foi explorado em outros artigos, a marca própria em uniformes vem ganhando um espaço bastante expressivo no futebol brasileiro. Por estar mais familiarizado com esse conceito em empresas do segmento varejista, tendo a estranhar um pouco essa “solução” para uniformes ainda que, aparentemente, esteja propiciando aos clubes que a adotaram resultados melhores do que os que obtinham quando eram supridos por marcas já estabelecidas no setor.
Para ficar mais claro o que aqui se pretende explorar, vale fazer um breve resumo de como foi a evolução do conceito de marca própria no Brasil, onde podemos colocar os anos 70 como o início desse conceito.
Na verdade, o que chamam de 1ª geração de marcas próprias abrigava produtos sem marca, que usavam o nome da categoria como forma de identificação, não primavam pela qualidade e se diferenciavam em função do preço mais baixo praticado.
A 2ª geração aconteceu nos idos de 80 e trouxe como evolução a aplicação da marca do varejista/atacadista nas embalagens, até que nos anos 90 com a entrada de varejistas internacionais, a categoria recebeu mais investimentos que melhoraram a qualidade dos itens, porém, mantendo o preço como o principal atributo de posicionamento.
A 3ª geração teve como marco o final da década de 90 e se destacou pelo significativo crescimento da categoria tanto em termos de variedade de produtos, como em qualidade e valor agregado.
Já a 4ª geração se diferencia por agregar conceitos de sustentabilidade e vida saudável aos produtos, de forma que o preço deixa de ser o atributo principal de diferenciação. Data dos meados dos anos 2000 essa fase, a qual perdura até os dias atuais e passa a incorporar ao varejo, detentor das marcas, os conceitos associados a esses "novos" produtos.
Esse breve racional nos mostra que o segmento varejista tem hoje nas "marcas próprias" uma ferramenta estratégica tanto no que diz respeito aos resultados operacionais como no próprio posicionamento. Tais ganhos ficam facilitados graças ao controle que as redes possuem sobre os pontos de vendas onde os produtos são ofertados, fato que não acontece no caso dos uniformes dos times, o que é um ponto de questionamento acerca da plena aplicação do conceito por parte dos clubes.
Corrobora ainda para esse questionamento a parceria que foi desenvolvida entre o Esporte Clube Bahia -  que veste uniformes da sua marca própria, a Esquadrão – e o Vitória da Conquista (não confundir com o Vitória, principal rival), que passará a ser suprido pela mesma marca, ou seja, um adversário será o seu fornecedor de material esportivo.
O mais perto que encontramos disso no mercado corporativo é a parceria entre os varejistas Kroger e Walgreens, onde o primeiro, uma rede mais voltada às categorias de alimentos, tem alguns produtos de uma de suas marcas próprias - a Home Chef - comercializados na segunda, mais voltada ao varejo farma. Nesse caso a Walgreens melhora seu sortimento sem canibalizar nenhum de seus produtos e a Kroger se beneficia por ter mais pontos de vendas.
Apesar de alguma similaridade, o exemplo citado acima não se compara com o case "Esquadrão", o qual, na verdade, deixa bem descaracterizado o  conceito de marca própria.
Isso sem falar nos riscos da própria operação. Será utilizada a mesma equipe de vendas? Como fica a programação de produção? E a política comercial?
Muitos avaliam a iniciativa como ótima para o Bahia, pois através da iniciativa de sua “marca própria” consegue outra fonte de receita: o fornecimento de material esportivo para outra equipe, o que em tese faz algum sentido.
Todavia, a prática de diversificar e agregar negócios muito distintos do core business original, ainda que tenha casos de sucesso - como, por exemplo, o varejista inglês Tesco que atua até em telecomunicação e finanças -  costuma ser bastante arriscada, principalmente em clubes de futebol, onde o processo de gestão ainda não está suficientemente maduro.