terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

A ousadia do patrocínio


Patrocinar atletas é uma das decisões mais difíceis para uma marca, e não me refiro aqui ao sempre presente risco de uma performance abaixo das expectativas, afinal essa é uma das variáveis inerentes ao esporte.
O maior problema, no meu modo de ver, está relacionado às atitudes dos atletas, pois, como qualquer ser humano, são passíveis de ações polêmicas, muitas das quais com forte poder de polarizar a sociedade, o que exigirá do patrocinador decisões ágeis sobre as reações.
Peguemos o caso do jogador de futebol americano, Colin Kaepernick, que para protestar contra o racismo ficou sentado durante a execução do hino antes de uma partida. Como era de se esperar, parte da população foi contra a atitude e outra parte foi a favor. Não cabe neste espaço discutir o ato em si, até porque a proposta do blog é outra, todavia é interessante refletir sobre a reação da Nike, sua patrocinadora que, mesmo pressionada pela opinião pública e até vítima de boicote por parte de alguns varejistas, seguiu em frente com a parceria.
Aliás, não apenas preservou a parceria como passou a utilizá-lo como parte de suas campanhas, chegando ao ponto até de cancelar o lançamento de um produto, pelo fato do mesmo trazer impressa uma das primeiras bandeiras dos EUA com apenas treze estrelas e, dessa forma, remeter ao período em que a escravidão era permitida.
O que queremos mostrar aqui é como a empresa se aproveitou de uma situação, provavelmente inesperada, para daí fortalecer os conceitos associados à sua missão: “trazer inspiração e inovação para todos os atletas do mundo”. Não há como negar que a postura de Kaepernick simboliza com bastante propriedade essa missão.
Vemos assim, uma iniciativa que consegue encontrar uma solução de fortalecimento de sua marca em uma situação que muitas empresas prefeririam se omitir, seja rescindindo o contrato ou, pior, mantendo, mas deixando o assunto ser esquecido.
Por mais que se fizessem pesquisas sobre a decisão, nenhuma delas poderia prever que o mercado, no caso as vendas dos produtos da Nike, não seria impactado negativamente no decorrer do tempo, mais ainda os produtos que tivessem alguma relação com Kaepernick.
É certo que logo após o incidente do hino em 2016 suas camisas foram as mais vendidas, porém muitos o fizeram para queimá-las em forma de protesto.
Mas o que chama mais atenção e indica que a Nike acertou em manter e utilizar o citado jogador foi o lançamento do tênis “True to 7”, que traz o retrato do jogador bordado na aba do calcanhar, e mesmo vendido a $ 110 se esgotou no primeiro dia.
Independentemente da polarização que certamente vai existir acerca da polêmica causada pelo protesto realizado no momento do hino, creio que não haja dúvida quanto à eficácia de um trabalho com foco estratégico e que saiba aproveitar os recursos que lhes são disponíveis.




terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

As lições da reta de chegada



Creio não haver dúvida quanto à necessidade de o segmento esportivo adotar ferramentas e conceitos de gestão já consolidados no mundo corporativo.
Por outro lado, é também possível extrair do esporte importantes lições que certamente ajudariam profissionais e empresas nas suas performances.
Na lista de características correlacionáveis poderiam ser citadas: (i) o desenvolvimento do talento, deixando claro que existem vários tipos de talentos; (ii) a disciplina para se cumprir prazos e compromissos; (iii) o esforço para estar sempre bem preparado; (iv) o comprometimento com resultados; (v) o espírito de equipe; (vi) a busca constante pela evolução; (vii) a ética.
Analisando atentamente os pontos listados, é fácil constatar que eles estão muito mais ligados aos aspectos individuais do que à forma de gestão de uma organização, ainda que esta seja composta de pessoas e como tal tenha seu desempenho fortemente ligado a elas e, obviamente, aos processos.
Falta, no entanto, acrescentar algumas características que, apesar de poderem também ser relacionadas às pessoas, estão, no meu modo de ver, mais associadas ao planejamento e estruturação. Para falar sobre elas utilizaremos a Corrida de São Silvestre de 2019, onde o vencedor ultrapassou o corredor que vinha liderando faltando poucos centímetros para a linha de chegada.
Quem tiver a oportunidade de ver os momentos finais da prova notará o ugandense liderando com uma postura serena e impondo um ritmo mais cadenciado, após ter concluído que a corrida já estava ganha.
Um erro crasso, pois a concentração deve ser a máxima sempre. Levando para o meio corporativo, quantas vezes damos como certa uma venda, um faturamento ou mesmo a entrega de um fornecimento e algum imprevisto acontece? São fatos que nos permitem concluir que o processo de monitoramento é fundamental.
E já que falamos sobre monitoramento, é importante explicar que aqui está incluído o acompanhamento da concorrência. Na prova que nos serve de tema, é possível ver que o ugandense despreocupou-se com o adversário a partir de certo ponto, enquanto que o queniano que acabou vencedor ficou todo o tempo ligado nos movimentos do adversário, o que lhe permitiu perceber que seria possível tentar um ataque surpresa.
Caso o vice-campeão percebesse algum perigo, poderia, até a título de se impor psicologicamente, forçar os metros finais.
O mercado nos fornece inúmeros casos de líderes como Nokia e Kodak, por exemplo, que perderam essa posição por não estarem monitorando a concorrência e as tendências.
Na prova de São Silvestre, a própria  diferença de idade entre os dois corredores talvez possa explicar o que aconteceu, isto é, a maior experiência do vencedor (23 anos) em relação ao seu oponente (19 anos), o deixa mais preparado para se sair melhor diante das variadas situações que as competições reservam.
Por fim, destacamos a importância da estratégia, porém para essa existir é necessário ter o monitoramento bem executado, assim como a capacidade para realizar o que se planeja.






terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Nike & Centauro, como fica o mercado?

Os mercados de material esportivo e varejo se viram na semana passada surpresos com a aquisição da operação da Nike do Brasil pela rede varejista Centauro. O valor pago foi de R$ 900 milhões por 10 anos, o que  incluiu estoques e pontos físicos – 24 próprios e 15 com parceiros , não fazendo parte da transação a propriedade intelectual.
Situação semelhante já tinha ocorrido com a Vans cujo controle da operação brasileira pertence agora à Arezzo e com a Under Armour tendo a Vulcabrás à frente.
Esse movimento parece indicar uma fragilidade das marcas estrangeiras em atuar no Brasil sem ter o domínio de mais de um ponto da cadeia de consumo, esta conclusão parece ainda mais evidente ao se olhar para o mercado e ver que das grandes marcas, apenas Adidas, Asics e Puma mantém a operação no país.
Há que se destacar que desde 2017 já existia um contrato entre Nike e Centauro, o qual concedia ao varejista prioridade no recebimento dos produtos, isto é, os lançamentos aconteciam primeiramente em sua rede de lojas.
Diante do evento, os analistas começaram a divagar em torno dos efeitos que o mercado sofrerá.
Grande parte afirma que a Nike melhorará sua capacidade comercial e de distribuição, o que é verdade em função das lojas físicas e virtuais da Centauro, além da boa integração entre elas. Outro ganho diz respeito à possibilidade de conhecer melhor quem são seus “consumidores”, o que anteriormente ficava restrito ao ambiente Nike.
O grupo proprietário, por sua vez, aufere vantagens competitivas, caso queira realizar ações exclusivas com os produtos da marca norte-americana. Além disso, passa a ter um maior conhecimento da concorrência, já que terá acesso às informações de compras destes, o que permite não apenas monitorá-los como também avaliar melhor os pontos e respectivas localizações.
Aqui, no meu modo de ver, reside o maior problema para os concorrentes, tanto os varejistas como as demais marcas esportivas.
A união do maior varejista de artigos esportivos, cujas vendas advém 25% dos produtos Nike, com a marca que detém a maior participação em receitas neste mercado – em volume a líder é a Olympikus – exigirá certamente uma reação dos demais players, de forma a criarem ações que promovam seus fortalecimentos.
Em suma, os exercícios de futurologia que simplesmente analisam os impactos da transação sobre o mercado, apesar de corretos, são carentes de estudos mais detalhados que simulem cenários, onde, ainda que não existam mais aquisições e/ou fusões, surjam parcerias que protejam as marcas concorrentes em detrimento à Nike e Centauro.
Há inúmeros casos, principalmente em alimentos e eletroeletrônicos, em que a indústria concede vantagens a varejistas menores para que as líderes não assumam total controle do mercado, assim como não é raro encontrar situações em que grandes varejistas privilegiam fornecedores menores para que os maiores não tenham tanto poder nas negociações comercias.
Pelo visto, a competição pelo mercado tende a ficar cada vez mais interessante, assim como já é no campo esportivo.




terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Forever 21 - os perigos da expansão


De uns tempos para cá tem sido frequente o fechamento de lojas físicas, sendo que os noticiários a respeito costumam vir com análises dando conta de que o ocorrido é uma consequência do crescimento do comércio eletrônico.
Não há como negar que as vendas online têm o poder de tirar clientes do meio físico, contudo, é preciso considerar que, se bem formatados, ambos os canais podem conviver e se complementarem – o artigo "O varejo não acaba, se transforma" http://halfen-mktsport.blogspot.com/2017/06/o-varejo-nao-acaba-se-transforma.html, desenvolve com mais detalhes esse tema.
Mas o que vamos explorar aqui é a postura simplória de grande parte dos “especialistas” em creditar a um único fato como a causa dos citados fechamentos ou até dos processos falimentares: o comércio eletrônico.
Peguemos por exemplo o caso da cadeia varejista Forever 21, que está fechando várias de suas lojas em função das dificuldades que vêm passando, levando-a a recorrer aos mecanismos legais de recuperação judicial.
Mesmo reconhecendo que a Forever 21 não tem uma atuação tão proeminente no mercado online e que esse é bastante usado entre os mais jovens, existem nesse caso outros fatores que contribuíram para os resultados ruins.
Poderíamos incluir nessa relação uma eventual rejeição dos jovens ao “fast fashion”, ou seja, à moda rápida que implica em produções mais frequentes e consequentemente em mais emissão de gases de efeito estufa.
Contudo, penso que a principal causa – não a única que se reforce  foi o processo de expansão desordenado, pois, visando estar presente rapidamente em pontos com boa exposição pagando pouco, adquiriu lojas de varejistas que tinham falido e com áreas exageradamente maiores do que o necessário.
A área média atual de suas lojas é de 3.500 m², espaço que comparado aos  80 m² de sua primeira loja, inaugurada nos anos 80, nos leva a deduzir  que o conceito relativo à operação foi se desvirtuando ao longo do tempo. Além do que, a ocupação de maiores áreas implicou na necessidade de se trabalhar com categorias diferentes das que domina e mais estoque.
Esse investimento em expansão fez também com que sua cadeia de suprimentos não recebesse a mesma atenção, acarretando assim numa demora maior para a renovação das coleções.
Ainda na seara de expansão, deve ser ressaltado que a própria escolha dos países e suas respectivas quantidades de lojas é questionável, principalmente na Ásia e na Europa, fato que leva o plano de ajuste a priorizar a presença na América Latina e nos EUA.
Todos os pontos aqui narrados fazem da situação da Forever 21 um case bem interessante de ser estudado, pois nos mostra que a quantidade de pontos nem sempre é um indicador de saúde das empresas, e também que o processo de expansão precisa ser bastante criterioso, visto envolver não apenas o potencial do ponto em si, mas principalmente o planejamento estratégico da marca, onde se incluem: posicionamento, operação, capacidade de investimento e análise das tendências de mercado.