terça-feira, 30 de junho de 2020

Parado, mas nem tanto

Mesmo com o futebol parado no Brasil o noticiário permanece ativo. Sem as especulações sobre contratações bombásticas ou polêmicas sobre erros de arbitragens, o espaço ainda que reduzido nos traz conteúdos, se não tão emocionantes, bastante interessantes sob o prisma de gestão.
Nessa gama de assuntos destacam-se as análises sobre os balanços dos clubes, que conseguem inserir no torcedor uma visão da situação econômico-financeira de suas organizações. Convém esclarecer que muitos dessas análises são bem superficiais e, por que não dizer, equivocadas, o que me leva a recomendar que desconsiderarem os estudos que são apresentados imediatamente após a publicação dos balanços para focarem naqueles mais elaborados e desenvolvidos por pessoas de forte reconhecimento dentro desse mercado. Sucintamente falando, ignorem os que nunca fizeram e buscam um lugar ao sol criticando os que efetivamente conhecem o assunto.
Outro tema que pode, ou pelo menos deveria, render mais atenção diz respeito à notificação que o Corinthians fez a um site não oficial pelo uso inapropriado e ilegal da marca “Timão”. O site publica conteúdos sobre o clube e tem uma expressiva quantidade de acessos. 
Considerando que a marca é um patrimônio do clube, de fato, a utilização da mesma sem que se pague por isso não é correto. Não se entrará aqui nas filigranas jurídicas do tema, mas, admitindo que alguma marca registrada pelo clube seja utilizada por terceiros sem que se pague por isso é algo que não parece justo, até porque outros pagam para fazer tal uso.
Antes de passarmos adiante, é importante dizer que o artigo usa o exemplo do Corinthians em função de a notícia do imbróglio ter feito menção a ele, no entanto, isso ocorre na maioria, se não na totalidade dos clubes. Alguns, inclusive, chegam ao ponto de comercializarem produtos que, sob a mesma ótica, não são oficiais, portanto concorrem com os oficiais e nada repassam aos clubes.
Especula-se que uma das razões para a movimentação do clube paulista se deve à linha editorial do site que, além de abrangente, não hesita em publicar matérias que, de alguma forma, vão contra a diretoria. Se fosse apenas essa a motivação, trataria-se sim de um absurdo, pois estaria cerceando a liberdade de expressão. 
Sobre o conteúdo editorial, algumas pessoas, baseadas em casos internacionais, sugerem como solução a melhoria dos canais oficiais, o que ajudaria realmente em termos do aumento de audiência, mas não faria com que os sites alternativos acabassem, até porque, as linhas editorias acabam sendo concorrentes.
Assim, vejo duas alternativas para esse tipo de situação: (i) regularizar esses sites no que tange ao licenciamento, isto é, eles passam a pagar pelo uso das marcas dos clubes; (ii) mudarem seus nomes.
Quanto a serem utilizados como canais de venda, nada contra, desde que adotem uma das soluções acima, comercializem apenas produtos oficiais do clube e arquem com todas as obrigações fiscais, de modo que não venham a praticar melhores preços em função de eventuais sonegações.
Como podemos constatar, a paralisação causada pela pandemia serve, entre outras coisas, para pontuar certas questões que muitas vezes passam despercebidas, tais como análises equivocadas e situações de pirataria que se incorporam no dia a dia ganhando status de “legítimas”.

terça-feira, 23 de junho de 2020

O desequilíbrio do futebol brasileiro


A recente publicação da medida provisória 984, a qual altera as regras de transmissão de jogos de futebol no Brasil concedendo aos clubes mandantes a exclusividade desse direito, nos leva mais uma vez à reflexão do futuro desta modalidade esportiva em nosso país.
Embora merecesse críticas, não entraremos aqui no mérito da falta de debate sobre o tema antes da citada publicação, pois, para isso, precisaríamos discutir o estilo de governo, o que levaria o texto para o lado da política, fugindo assim dos objetivos deste blog. 
Dessa forma, usaremos esse espaço para discutir as consequências que o desequilíbrio entre os clubes já proporciona e que tende a aumentar caso a citada medida provisória seja aprovada. Para melhor ilustrar esse problema, pegaremos como exemplo a final do Mundial de clubes de 2019,  quando ficou evidente o abismo que separa as duas equipes que se confrontaram. Se o resultado em campo mascarou um pouco tal diferença, as finanças dos dois times mostram claramente os danos causados pelo modelo de divisão de receitas vigente e que tende a piorar com a MP 984.
O quadro abaixo, produzido pela KPMG,  compara os dados relativos à temporada 2017/18 do Liverpool contra os do clube brasileiro em 2018, nele é possível ver que a receita do time inglês é quase cinco vezes maior. Detalhando a composição desses números, veremos que o faturamento do campeão mundial com matchday (bilheteria) é quase quatro vezes superior, com commercial (patrocínios e licenciamentos) beira o quíntuplo e com broadcasting (direitos de transmissão), que é a maior fonte de receita de ambos, é mais do que cinco vezes maior. Ressalte-se que o clube brasileiro tinha na época da apuração o segundo maior faturamento de seu país, enquanto o Liverpool não figurava entre os três principais da Inglaterra, isso significa dizer que, se compararmos as médias dos clubes que fazem parte da primeira divisão dos dois países, a diferença é ainda mais alarmante.
Evoluindo na análise, pegaremos as três formas de receitas recorrentes para avaliar quais seriam as reais condições de o  clube brasileiro diminuir a distância em termos de faturamento. Começando pelo matchday nos deparamos com a restrição do tamanho dos estádios - a limitação física - , o que faz com que a única opção para aumentar a receita seja a majoração do preço dos ingressos, mas aqui esbarramos na renda familiar brasileira, o que deixa essa alternativa extremamente dependente do crescimento da economia. Ainda que se adicionem nessa linha as receitas advindas dos torcedores que fazem parte dos programas de associação e não vão aos jogos, a limitação referente ao poder aquisitivo permanece.
A possibilidade de incremento através de patrocínios e licenciamentos é, sem dúvida, factível, contudo é importante ter em mente que os budgets das empresas costumam dedicar ao marketing um percentual das receitas oriundas das vendas. Nesse cenário, um eventual crescimento das verbas de patrocínio dependerá também do crescimento da economia, a menos que a verba venha de fora, o que não é usual. Sobre o licenciamento, podemos aplicar raciocínio similar, pois, por mais que os produtos sejam atrativos, a capacidade financeira para adquiri-los e a pirataria inibem incrementos significativos.
Por último, temos o broadcasting que, como já foi dito, é a maior fonte de receita do atual hexacampeão brasileiro. Essa verba advém dos direitos pagos pelas emissoras para que os jogos sejam exibidos, verba esta que é oriunda do montante pago pelos anunciantes, os quais buscam audiência como retorno. Progredindo nesse raciocínio, constatamos que a defasagem entre o que os clubes da divisão principal do campeonato brasileiro recebem chegou a um patamar que deixa a disputa bastante desequilibrada e pouco atrativa, fato que tende a diminuir a audiência e, consequentemente, o interesse dos anunciantes, redundando na diminuição de receitas e,  quem sabe, se estenda aos patrocínios.
Essa falta de atratividade prejudica ainda a comercialização de tais direitos para o mercado internacional, o que proporcionaria mais receitas em moedas fortes.
Tal narrativa nos remete ao livro chamado “The Myth of Capitalism: Monopolies and the Death of Competition” – O mito do capitalismo: monopólios e a morte da concorrência, escrito pelo economista americano Jonathan Tepper, que preconiza que a concentração causada pelo processo de consolidação de alguns setores distorce um dos principais alicerces do capitalismo: a competição.
A propósito, até pelo aspecto técnico, o desequilíbrio crescente é prejudicial, pois, na medida em que não se é tão exigido durante grande parte da temporada, a evolução fica prejudicada, redundando num processo em que  acaba se satisfazendo em ser “cabeça de sardinha” ao invés de buscar um planejamento que permita fazer com que o campeonato que disputa seja competitivo, proporcionando o desenvolvimento necessário para retenção/contratação de craques "de verdade" e, aí sim, poder jogar de igual para igual contra qualquer time.




terça-feira, 16 de junho de 2020

Normal é normal

Ok, vou iniciar o texto admitindo que sou implicante com certas expressões, principalmente com aquelas que são frutos de modismos e não tenham um cunho de gíria. 
A da vez é o “novo normal”, a qual nos dará margem para discorrer aqui sobre o comportamento do consumidor, um tema sempre em voga no âmbito de marketing.
Primeiramente é preciso esclarecer que o mercado é dinâmico e está sempre em processo de mutação. O “normal” de hoje não será o de amanhã e nem por isso ouvimos diariamente sobre o “novo normal”. Sim, eu entendo que essa expressão surgiu em função de um marco histórico e que tende a mudar hábitos e práticas, mas não entendo porque uma situação que tenha alterado o modo de viver das pessoas durante, sei lá, seis meses, um ano, será mais forte do que um processo evolutivo de mais de 2000 anos - no mínimo.
Negar que mudanças existirão não é a pretensão do artigo, afinal elas acontecem a cada dia e, nesse caso, o impacto foi imenso. Além do que, as situações pelas quais a população está passando proporcionaram experiências inéditas e até convenientes para boa parte. 
Se não fosse uma experimentação motivada pela pandemia, poderíamos, guardadas as devidas proporções, compará-la com as ações das empresas de bens de consumo que colocam promotoras nos pontos de vendas para proporcionarem gratuitamente a degustação de um produto e assim fazer com que um potencial cliente experimente uma marca que, pelas mais variadas razões, dificilmente seria comprada. Acrescente-se a essa iniciativa as licenças trials de softwares e aplicativos, os test drives de automóveis e as amostras de produtos que são incorporadas como brindes em packs, entre outros.
Vale esclarecer que muitas vezes esse tipo de ação não consegue ser convertido em vendas efetivas e as causas são as mais diversas, vão desde a aceitação do produto até sua avaliação em termos de custo-benefício, passando pela facilidade/conveniência em utilizá-lo, pela fidelidade à outra marca, etc.
Diante disso, beira às raias da irresponsabilidade garantir, por exemplo, que um percentual X de pessoas permanecerá usando o e-commerce e demais serviços de entrega ao final do período da pandemia. Ainda que eu acredite que haverá sim um residual considerável de transações que possam vir a ser feitas dessa forma, não podemos ignorar que existem hábitos arraigados por muito tempo e, como tal, não são extintos tão facilmente de forma significativa.
Alguém por acaso acha que as pessoas que passaram a se exercitar dentro de casa continuarão a fazê-lo ao fim da quarentena? Pode até ser que, num dia com muita chuva ou com algum outro tipo de empecilho isso passe a ser uma possibilidade, mas certamente não será uma constante para todos ou para a maioria. Isso porque o comportamento transcende a um único atributo, havendo nele inserido uma série de motivações que, muitas vezes, nem são conscientemente percebidas pela própria pessoa.
A questão que se coloca é que estimar a magnitude dessas mudanças com números e afirmações taxativas não parece ser adequado, até porque a origem do problema foi um fato que, tomando como base o histórico de pandemias, não deve acontecer com frequência.
Para os profetas que preconizam e estabelecem números para as mudanças, a oportunidade é ótima, já que ganham espaço na mídia protegidos pela memória ruim da população, contudo para aqueles que acreditarem piamente nesses futurólogos e resolverem investir baseados nessas projeções, a consequência pode ser pior do que a da própria pandemia. Voltando à alusão feita anteriormente às ações de degustação executada pelas empresas de bens de consumo, seria como se essas resolvessem aumentar substancialmente seus estoques por achar que a iniciativa adotada traria impactos imediatos e perenes aos hábitos de consumo.
O que não faz sentido.




terça-feira, 9 de junho de 2020

Saindo da mesmice

Mesmo com o futebol parado no Brasil pudemos ver na semana passada uma ação que, enfim, fugiu do lugar comum das reprises e “lives”.
Refiro-me à chegada do jogador Fred ao seu clube – nosso clube , que veio de bicicleta de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, percorrendo cerca de 600 km e ainda fez da empreitada uma ação social ao ofertar e incentivar a doação de alimentos. Dessa forma não houve a necessidade de coletivas, tampouco das tradicionais apresentações para os torcedores em estádios para ganhar espaço na mídia, o que talvez tenha acontecido em função do  ineditismo de linkar um atividade esportiva que nada tem a ver com a que pratica profissionalmente com uma ação social.
Indiretamente o craque incentivou a prática do ciclismo ao trazer a modalidade às manchetes de uma forma positiva, ainda mais em um ano em que as grandes competições da modalidade estão suspensas. 
As marcas que o apoiaram no citado evento – bicicletas Sense e a plataforma de treinamento Strava  conseguiram, além da divulgação, a ativação das marcas e a associação tanto ao ídolo como aos valores que compuseram a jornada -  resistência, planejamento, beneficência, saúde e responsabilidade.
Vale também destacar os registros visuais que foram feitos e a correta utilização das redes sociais.
Digna também dos mais efusivos elogios está a declaração do jogador ao final de uma dessas etapas, quando fez um discurso de apoio aos esportes olímpicos, deixando claro que esses precisam de investimentos.
Algo raro, principalmente em uma sociedade na qual as pessoas só visam seus próprios interesses e os discursos em prol da coletividade são vistos como ideológicos.
Penso que o Fred está certíssimo, não só na escolha do time pelo qual torce, mas também por usar sua popularidade para exaltar outros esportes.
É certo que as modalidades concorrem entre si por investimentos, espaço na mídia e até por talentos, mas o fortalecimento de todas é fundamental para que o maior número de pessoas as pratique – a popularidade impulsiona isso –, o que se reflete na educação e na saúde da população. 
Sem essa visão estratégica acerca do modelo esportivo, estará se incorrendo no mesmo erro que o futebol cometeu ao não se importar com o desequilíbrio financeiro entre os clubes, e que agora se reflete nas competições, que tendem a perder a atratividade na medida em que poucos clubes passem a dominar o cenário. Não conseguem – ou não querem - ver que o maior atrativo do esporte é a competitividade, e que daí se derivam os ídolos e demais componentes dessa cadeia.
Como não podia deixar de ser, surgiram os que movidos por sentimentos menos nobres criticaram a ação, alegando que o craque fez uso de bicicleta assistida em algumas partes do circuito. Talvez por estupidez, ou mesmo por despeito, ignoraram que, ainda que o modelo facilite o desempenho, principalmente em subidas, pedalar mais de 100 km diariamente e por dias seguidos requer grande capacidade física. 
Mas não vale perder tempo com isso, o objetivo do artigo é mostrar que mesmo em períodos difíceis, há espaço para se executar ações inteligentes, principalmente no que tange ao lado estratégico e social.





terça-feira, 2 de junho de 2020

A moda das "lives"


Dando continuidade às análises sobre as mudanças que têm ocorrido no mercado em termos de gestão e marketing no período de pandemia, abordaremos aqui o exponencial crescimento das “lives” – as transmissões ao vivo feitas através da internet.
Essa popularização pode ser facilmente explicada, afinal é bastante usual se copiar casos de sucesso até que a oferta daquele bem ou serviço fique inferior à demanda, o que, aliás, já começa a acontecer com as “lives” mal estruturadas.
O problema do “seguidor” de moda - e até o de tendência - é que ele apela para essa prática sem analisar detalhadamente o mercado, ou seja, nesse caso faz a “live” sobre o assunto que bem entende, sem pensar em objetivos diversos ao de querer "aparecer".
Creio que a reflexão fique mais clara se aplicarmos o conceito dos 4P’s de marketing ao produto em questão.
O produto é a “live”, não há dúvida, mas como esse produto deve ser formatado? Para qual público o conteúdo se destina? O que esse público deseja? Os temas são de interesse deles? Os participantes têm algo a agregar? Há risco de o conteúdo trazer inverdades?
E o tempo de duração do “programa”? Qual a frequência?  Quem modera? 
Todos esses questionamentos devem ser analisados e respondidos com o maior rigor possível, já que eventos ao vivo não costumam admitir falhas, e para piorar, a internet dá perenidade ao que se fala e se mostra.
O preço, nesse momento, é um fator irrelevante, pois quase todas as "lives" são gratuitas, portanto, diferente de um bem de consumo que muitas vezes tem o preço como fator de diferenciação, no mercado “live” todos os concorrentes estão em pé de igualdade. Contudo, vale ressaltar que é de se esperar que no futuro as "lives" venham a se monetizar, seja através da cobrança de valores para assisti-las, seja através de anunciantes. Por isso, o cuidado com o produto deve ser redobrado, sob o risco de se chamuscar na largada.
Sobre o P de ponto, ou distribuição, seria de se esperar que estivéssemos nos referindo à forma de como o conteúdo chega ao cliente, o que no caso da “live” não faz muito sentido, pois a internet é a essência do produto. Dessa feita, o que se pode discutir em termos de distribuição é a disponibilidade da "live" sob o prisma de horário. Exemplificando: colocar para executivos um evento em pleno horário de expediente não parece ser uma boa ideia, da mesma forma que não será a de colocar para tarde da noite algum conteúdo voltado para atletas.
Em visto disso, o entendimento dos hábitos do público-alvo tem fundamental importância.
Por fim chegamos ao P da promoção, que diz respeito à divulgação do produto.
Hoje essa tem sido feita basicamente com banners que são enviados para as redes sociais e grupos de WhatsApp, quase sempre com as fotos dos participantes e com chamadas pouco atrativas que não concedem nenhum diferencial ao produto, a menos que os nomes envolvidos sejam reconhecidos como referências no assunto e que não tenham participado de outros eventos nessa plataforma sobre o mesmo tema.


Não creio que o ciclo de vida desse produto chegue ao declínio no fim da quarentena, ao contrário, acho que lá ele entrará na fase de crescimento.Talvez caiba aqui uma ponderação contrapondo que a atual fase é a de crescimento, o que faz sentido se considerarmos a “pandemia” de "lives" sobre os mais variados temas e a quantidade enorme de concorrentes. Porém, por estar longe de propiciar lucratividade e a aceitação do produto ainda carecer de um melhor planejamento, tendo a concluir que a fase atual é de introdução.
Enfim, pouco importa a definição exata da fase, o que se pretende com o artigo é mostrar que até o mais simples e acessível produto precisa de planejamento e de uma visão de marketing para se destacar no mercado.