terça-feira, 29 de outubro de 2019

As lições de Nova York

Imaginem um time que seguidamente apresenta excelentes resultados financeiros, mas não conquista o principal campeonato desde a década de 70. Nesse exercício de imaginação vale acrescentar que o time está localizado na maior cidade do planeta e que manda seus jogos na arena mais famosa do mundo, o que faz com que seus jogos sejam sempre demandados e o valor dos ingressos alto. 
Estamos falando do New York Knicks.
É provável que o leitor suponha que a gestão deva ser péssima, afinal as características elencadas no parágrafo anterior aparentam levar para esse caminho. Antes de sermos definitivos nesta conclusão, vale acrescentar que o proprietário do time é também dono do New York Rangers, equipe de hockey que, mesmo não sendo a potência de outrora, tem resultados superiores aos dos Knicks.
Ainda assim, os que acompanham os bastidores da NBA são categóricos em afirmar que o proprietário é sim um grande problema, fato que poderia explicar a razão pela qual as principais estrelas do basquete recusam os seguidos  convites para atuar no Knicks.
Considerar a conclusão fechada diante desta informação não seria correto, até porque em gestão os problemas não podem, nem devem ser examinados de forma isolada. É preciso acrescentar ao contexto que o local de treinamento do Knicks em Westchester County está a 50 km de Manhattan, uma distância expressiva, e que a rotatividade de técnicos e de executivos tem sido bastante alta. 
Ok, podemos agora até admitir que tais situações são originárias de uma gestão ruim, afinal a escolha do local de trabalho tem sido cada vez mais um fator de retenção de colaboradores. A propósito, tal dedução se aplica com exatidão em qualquer organização, inclusive nas não esportivas.
Ainda que abrangente, esse diagnóstico não está completo, falta avaliar o que o mercado oferece, ou seja, o que os demais times podem ofertar aos jogadores em termos de remuneração, relacionamento com colegas/treinadores/dirigentes, estabilidade, qualidade de vida, chances de bons resultados e demais fatores que contribuam para que a decisão atenda aos anseios e necessidades do profissional. Reforça-se aqui mais uma vez a analogia com a vida corporativa.
Diante destes parâmetros podemos perceber que a franquia de Nova York não aparenta estar muito bem posicionada quando comparada com as demais, excetuando, obviamente, o fato de que seus jogos são realizados na maior cidade do mundo, fator que até poderia compensar os demais pontos “negativos”. 
Essa vantagem competitiva, no entanto, acabou sendo perdida – ou diluída – quando o Nets mudou sua sede de Nova Jersey para o Brooklyn em Nova York e paralelamente a isso implantou uma estrutura de gestão que o deixa ainda mais atrativo. Comprova esta afirmação a opção de jogadores como Kevin Durant e Kyrie Irving que se integraram ao Brooklyn Nets mesmo tendo ofertas similares de outras franquias.
A presente narrativa nos permite concluir que uma boa gestão não deve ser analisada apenas por indicadores financeiros, pois, por mais que esses estejam bem, certamente poderiam estar muito melhores se o objeto da corporação  – neste caso o desempenho esportivo – fosse satisfeito. 
As avaliações acerca do que se oferece para atrair e reter colaboradores (jogadores), assim como da movimentação dos competidores, inclusive sob o prisma de gestão, são fundamentais para que os resultados venham satisfazer toda a cadeia de stakeholders







terça-feira, 22 de outubro de 2019

A incontinência digital

O texto que será aqui desenvolvido tem como motivação a polêmica criada pelo tuíte do gerente geral do Houston Rockets, equipe de basquete da NBA, porém a reflexão pode ser estendida a todos que, ocupando posições com relevantes responsabilidades, utilizam as redes sociais de forma inconsequente.
A frase “lute por liberdade, esteja com Hong Kong” postada pelo dirigente no seu Twitter causou sérios problemas para a NBA, inclusive a suspensão dos patrocínios advindos das empresas chinesas.
Antes que venham a evocar a liberdade de expressão como justificativa para a postagem, adianto que a discussão não passa por esse ponto, a liberdade é sagrada, entretanto, qualquer mensagem que seja pública deve ser previamente analisada, de forma que sejam avaliados os benefícios e as potenciais consequências negativas que possam existir.
No caso, a postagem pedindo para “se estar com Hong Kong” certamente não influenciará os destinos do território, até porque o tal dirigente não é nenhum estadista ou liderança que venha fazer diferença nesse sentido. Por outro lado, as reações por parte da China podem colocar em risco a situação financeira de muitos que nada têm a ver com o imbróglio.
A facilidade, isto é, praticidade e alcance, com que se consegue propagar alguma “citação” nas redes sociais atingiu um nível bastante elevado, daí, aqueles desprovidos de uma visão estratégica acabam criando situações constrangedoras tanto para si próprios como para as entidades que representam.
Diante deste tipo de problema, o qual acontece até com presidentes da república e seus assessores, vem a dúvida: será que o tempo utilizado para as postagens não poderia ser aproveitado para outro tipo de função? Aliás, até o exercício de pensar sobre as possíveis reações de cada ação poderia ocupar este tempo, supostamente ocioso.
Por mais que as opiniões como pessoa física sejam um direito inalienável de todos, ao se ocupar certos cargos o risco de as opiniões pessoais serem confundidas com as posições das entidades é enorme, razão pela qual preconizo que qualquer postagem, por mais “inocente” que possa parecer, seja exaustivamente discutida com um staff composto por pessoas inteligentes e de visão estratégica.
Nesse contexto as entidades passam por um momento bastante delicado, afinal de contas uma declaração "infeliz" pode impactar os mais variados indicadores de desempenho. 
Na iniciativa privada, a solução em tese parece mais fácil, pois bastaria o aprimoramento de alguns códigos de conduta para coibir esses problemas, todavia, a alegação de que se trata de uma opinião pessoal e que foi externada através de suas plataformas individuais prejudica a aplicação das sanções dispostas nos códigos de conduta, ainda que o prejuízo à imagem da marca seja enorme.
No que diz respeito a chefes de estados e seus fiéis escudeiros a situação é ainda pior, pois, ao se colocarem como senhores da razão e acima do bem e do mal, deixam a incontinência digital trazer instabilidade num campo onde a estabilidade é fundamental para se gerir uma nação.
Há uma frase de Fernando Pessoa que diz: “existe no silêncio uma tão profunda sabedoria que às vezes ele se transforma na mais perfeita resposta”
Um pensamento que beira a perfeição e que, por mais inusitado que possa parecer, se deu numa época onde nem se cogitava a existência das redes sociais e o marketing era pouco conhecido.











terça-feira, 15 de outubro de 2019

Descaracterizar para popularizar?

E não é que se correu 42,195 km – distância de uma maratona – para menos do que duas horas?
O autor da façanha foi o queniano Eliud Kipchoge, apontado pela grande maioria dos que acompanham corridas de longa distância como o melhor maratonista da atualidade, quiçá da história, afinal de contas ele tem o melhor tempo do mundo – 2:01”38 -, obtido na maratona de Berlim em 2018 e vitórias nas principais provas.
De fato conseguir correr a citada distância em menos de duas horas - mais precisamente 1:59’40” - é, sem dúvida, digno dos mais efusivos elogios e admiração, pouquíssimos acreditaram que o feito seria possível nessa década, inclusive eu, que se registre.
Na contramão da empolgação com a quebra da barreira das duas horas deve se trazer luz sobre o seguinte questionamento: até que ponto uma modalidade pode ter sua essência descaracterizada em prol da conquista de atenção?
Tal pergunta se aplica à situação em função de a estupenda marca ter sido alcançada sob condições não usuais em provas “oficiais”, dentre essas vantagens devem ser citadas: (i) o acompanhamento de 41 corredores de elite que se dividiram em grupos para em cada parte do percurso dar ritmo e quebrar a resistência do ar, tal como atuam os gregários no ciclismo; (ii) ciclistas que levavam e facilitavam a hidratação do atleta; (iii) um carro elétrico que projetava na pista uma luz verde que servia de referência de ritmo, eliminando assim o risco de não cumprir a estratégia traçada; (iv) um percurso plano com longas retas e protegido do vento por grandes árvores; (v) pouca diferença de fuso horário em relação ao do Kenya; (vi) baixa umidade; (vii) torcedores para o apoiarem durante o desafio. 
Poderia se acrescentar aqui a eficácia dos calçados utilizados, mas, apesar de tudo levar a crer que realmente influenciaram, seriam necessários mais estudos científicos confiáveis para a devida suposição se confirmar.
Reitero que os pontos elencados acima em nada arranham o talento e a qualidade de Kipchoge, a ideia do artigo é simplesmente provocar a reflexão sobre a descaracterização de uma tradicional competição. 
Atenção especial também deve ser dedicada ao patrocinador do desafio, uma multinacional de produtos químicos chamada Ineos, que já estava presente no segmento esportivo através da recente aquisição do Team Sky, uma das principais equipes de ciclismo.
Ver uma empresa investir no esporte, ainda que seus produtos não tenham associação direta com a atividade, não é algo muito frequente, fato que pode ter causado a deflagração de algumas críticas relacionando os investimentos "esportivos" a um suposto plano para melhorar a imagem da Ineos diante de algumas polêmicas que se envolveu no passado. E se fosse isso? Qual seria o problema? Acreditar no esporte como um meio de associação aos seus valores é pensar de forma estratégica e como tal, elogiável.
Em busca dos verdadeiros objetivos do investimento, descobrimos que o  principal acionista da empresa o fez por considerar a iniciativa divertida.
Ainda que decepcionante, não há como negar que se trata de um raciocínio bastante coerente com a linha adotada de se descaracterizar uma prova tradicional em busca de diversão sem considerar as consequências – positivas e/ou negativas – que a modalidade pode vir a sofrer no futuro.
Pelo visto, talvez seja mais fácil quebrar a barreira das duas horas do que os paradigmas de algumas empresas acerca do que efetivamente é e para que serve o marketing.




terça-feira, 8 de outubro de 2019

As marcas esportivas no futebol em 2019-20

A 6ª edição do estudo elaborado pela Jambo Sport Business acerca das marcas esportivas que vestem os principais clubes de futebol do mundo, além de nos brindar com o panorama deste mercado, põe luz sobre dois fatos bastante interessantes.
O primeiro diz respeito à aparente postura mais criteriosa das principais marcas globais (Adidas, Puma e Nike) no tocante aos investimentos em clubes futebol. Os números apresentados nos levam a crer que tais marcas perceberam que o retorno deste tipo de patrocínio tem ficado aquém do planejado em grande parte dos clubes que estão presentes.
Isso ocorre não apenas em função das vendas dos produtos por eles licenciados não atingirem a um patamar que remunere o investimento, como também por entenderem que o retorno menos tangível – aquele que se consegue através da exposição, ativação e associação da marca – não está a contento. Nesse contexto dão mostras efetivas de estarem priorizando a qualidade das equipes - onde se incluem aspectos técnicos, torcida e popularidade - do que a quantidade.
Auxilia essa conclusão um quadro onde se vê claramente que na temporada analisada, nove das vinte ligas viram a concentração das três citadas marcas descer ao pior percentual desde que o trabalho vem sendo realizado.
O segundo ponto a se destacar é o aparecimento das marcas próprias, pois, ainda que praticamente restrita ao Brasil, onde está presente em quatro dos clubes contemplados no estudo, e na Itália suprindo o Lecce, essa forma de suprimentos começa a apresentar alguma significância. Exemplificando, caso agrupássemos as quatro marcas que vestem clubes no campeonato brasileiro em apenas uma, essa seria a 2ª mais presente.
Tal fato está provavelmente ligado à observação anterior, ou seja, ao desinteresse das marcas globais, o que faz com que as propostas de fornecimento por parte destas fiquem abaixo das expectativas dos clubes ou nem sequer existam.
É cedo para afirmar se tal movimento irá perdurar, devendo ser ressaltado que, ao contrário do segmento varejista que controla e domina o ponto de venda - tendo assim ingerência para ofertar, expor e armazenar seus produtos -, os clubes de futebol serão sempre dependentes de investimentos comerciais.
Todavia, independente da fragilidade do setor sob esse prisma, é provável que haja a curto e médio prazo uma perspectiva de manutenção ou até crescimento da presença das marcas próprias, cenário que ganha ainda mais força se o desinteresse no fornecimento aos clubes se estender às demais marcas. Outra dúvida diz respeito à internacionalização de tal movimento, o que, dependerá da situação econômica de cada país, de forma que a demanda pelos produtos licenciados possibilite o retorno dos investimentos das marcas.
Cumpre relatar que o presente estudo identificou a presença de 53 marcas como fornecedoras, sete a menos do que na temporada 2018-19. 
São inúmeras as análises disponibilizadas no citado trabalho, dentre as quais podemos destacar as que trazem a Nike na liderança geral, a Adidas sendo a marca mais presente entre os cinco clubes mais ricos do mundo e a Puma aumentando sua participação em número de campeonatos. 
Caso desejem acessar o estudo façam pelo link https://www.slideshare.net/jambosb/as-marcas-esportivas-nas-20-principais-ligas-20192020 .






terça-feira, 1 de outubro de 2019

Chobani e o anti-CEO



A escolha do tema deste artigo poderia estar relacionada ao fato de a marca Chobani já ter patrocinado o time olímpico dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos. Esse fato, por si só, permitiria perceber que se trata de uma empresa atenta à importância de se associar a princípios e valores nobres como os que estão embutidos no esporte.
Outra motivação para o desenvolvimento do texto poderia ser a atenção que é dedicada ao desenvolvimento de seus produtos, o que pode ser considerado um forte diferencial competitivo da marca, mesmo que com o decorrer do tempo a concorrência passasse a segui-la – ou copiá-la, situação bastante usual na indústria de bens de consumo.
Todavia, mesmo diante dessas valiosas características, o que chama mais a atenção e deve ser destacada é a forma com que o fundador da empresa, um turco chamado Hamdi Ulukaya, encara as atividades econômicas.
Resumindo, ele preconiza que as pessoas devem ser colocadas à frente dos lucros.
Por mais inusitado que possa parecer, o conceito é de uma coerência ímpar, já que as pessoas - estejam elas na função de colaboradores, clientes ou fornecedores - são fundamentais para a sustentação e perenidade dos negócios. Além do que, num cenário cada vez mais competitivo, onde a busca pela diferenciação torna-se um desafio bastante complexo, privilegiar “gente” é uma excelente proposta de posicionamento pois consegue propiciar um aspecto humano às organizações.
Esse modelo de gestão inspirou até um manual: o do anti-CEO, que entre os principais pontos elencados estão:
- expressar gratidão aos seus colaboradores, pois através da dedicação deles é que os resultados surgirão.
- participar ativamente das comunidades onde está presente, o que pode ser feito através de benfeitorias voltadas à infraestrutura e ações sociais. Na contramão de grande parte das empresas que, em busca do lucro, poluem e causam transtornos às sociedades locais, a Chobani entende que o envolvimento com as cidades em que está de alguma forma presente é fundamental para o sucesso da empresa.
ouvir as necessidades dos seus colaboradores e clientes. No início da operação o telefone para atendimento ao cliente que constava nas embalagens do produto era o do próprio fundador.
- tomar partido de causas, mesmo reconhecendo que a neutralidade talvez seja o mais seguro em termos de imagem.
Após um crescimento relevante, a empresa não atravessa atualmente seus melhores momentos. Em função disso, muitos se aproveitam para responsabilizar o modelo de “humanização” pelos atuais resultados. 
É bom que se esclareça que nunca um só motivo será capaz de comprometer o sucesso de algo e, mesmo que algum tipo de exagero tenha eventualmente prejudicado a operação, a iniciativa de “humanizar” jamais pode ser vista como errada, afinal de contas tratar bem as pessoas que estão ao seu redor chega a ser uma obrigação, ainda mais se essas tiverem algum tipo de relação com seus objetivos.
Negar que erros aconteceram na gestão seria leviano, pois, ainda que se defenda a visão da Chobani, é claro que alguns pontos não foram corretamente avaliados no que tange aos aspectos mercadológicos, até porque o dinamismo da economia, da concorrência e dos hábitos dos consumidores fazem com que o que deu certo hoje, já não sirva para amanhã. Antever tais movimentos são fundamentais para se atingir objetivos, os quais também são dinâmicos, que se ressalte.
Feito tal reconhecimento, devo confessar que as críticas oportunistas ao modelo Chobani não causam surpresas, pois provavelmente muitos desses autores o fazem por se sentirem incapazes de serem “humanos” e consequentemente ameaçados caso tal forma de gestão venha proliferar, afinal só pensam nos bônus e nas promoções pessoais sem contemplarem o futuro do ecossistema que habitam. Pouco visionários que são, esquecem que o mercado, seja o de consumo seja o de trabalho, é composto por pessoas.