terça-feira, 29 de junho de 2021

Anitta conselheira

O Nubank, quinto maior banco do Brasil, anunciou recentemente que  a cantora Anitta irá fazer parte do seu Conselho de Administração, fato que rendeu algumas críticas, porém as mesmas tiveram um cunho muito mais político em função das frequentes declarações da cantora contra o presidente da república do que por aspectos que avaliem sua capacidade e experiência em relação ao escopo do cargo.
Quanto à carreira de sucesso da artista não há o que discutir, nem mesmo seus detratores podem atacá-la sob esse flanco. Creditar seus resultados à equipe ou até à sorte, nada arranha o mérito, afinal de contas, formar equipe não é algo simples e ter sorte é sempre importante.
Também não creio que caibam críticas ao fato de o setor de entretenimento ser diferente do financeiro, pois bons profissionais têm forte capacidade de adaptação, propiciando inclusive a possibilidade de adequar experiências de um setor a outros.
Todos estes predicados, no entanto, não excluem a possibilidade de se questionar alguns pontos, entre os quais podemos enumerar:
(i) a falta de experiência da cantora como executiva em empresas de médio/grande porte, as quais certamente têm suas gestões baseadas em processos, ou seja, não basta ter ideias, é preciso entender como transformá-las em soluções cumprindo os trâmites de governança.
(ii) a conclusão de que Anitta possui conhecimento em estratégia de marketing denota desconhecimento sobre o que vem a ser estratégia, pois, ainda que o processo abrigue uma parcela de intuição, é imprescindível a utilização de dados, informações, métodos e detalhadas análises para ser bem elaborada. Fora isso, por mais que seja desejável a heterogeneidade no conselho, espera-se, sobretudo, que o integrante possua formação multidisciplinar, isto é, que tenha razoável conhecimento acerca de outras áreas da administração.
A estratégia do Nubank de atingir a população “desbancarizada” focando jovens e pessoas das classes D e E parece coerente para se destacar no mercado, nesse contexto, a ajuda da “nova conselheira” tem muito a agregar, embora essa contribuição pudesse vir através de uma consultoria, o que nos leva a inferir que o “convite” trata-se mais de uma ação de posicionamento do banco do que propriamente do aproveitamento dos “aconselhamentos” da Anitta que, como já foi dito, poderia vir sem a necessidade de assento no conselho, aliás, ela exerce - ou exerceu - o cargo de head de inovação para a Skol Beats da Ambev.
Além do que, para se atingir os objetivos que estamos depreendendo, haveria a necessidade de uma divulgação massiva de sua contratação, sendo que o público tido como alvo talvez nem tenha ciência das funções e responsabilidades de um conselho de administração.
Na verdade, há outro público que pode ser afetado com a contratação da Anitta, o de potenciais acionistas, já que o Nubank tem planos para fazer brevemente seu IPO (Initial public offering).
Pois bem, independentemente da capacidade e história de sucesso da artista, tendo a achar que a iniciativa vai contra o que se espera de um conselho, todavia, por ser algo relativamente inédito, o mais prudente é aguardar para, se possível for, avaliar se esse tipo de ação pode ser replicado em função dos resultados obtidos e não por modismos.






terça-feira, 22 de junho de 2021

Coca? Não, eu quero água!

Uma cena chamou a atenção na coletiva de imprensa do jogador Cristiano Ronaldo na Eurocopa: seu gesto afastando duas garrafas de Coca-Cola e trazendo uma de água, a qual também não ficou à sua frente na entrevista, embora o nome do líquido tenha sido proferido em português.
Diante do ocorrido, a imprensa e as redes sociais despejaram dezenas de notícias conclusivas e comentários sobre o ocorrido, deixando evidente o baixo conhecimento dos “autores” acerca de gestão, além da péssima escolha de fontes.
A notícia mais “lacradora” talvez tenha sido a que responsabilizou o ato pela queda no valor da empresa, conclusão tirada sem sequer consultar analistas de mercado para entender como vinha sendo o comportamento das ações da empresa. Informo que no dia da coletiva (14 de junho), a ação da Coca-Cola fechou no valor de US$ 55,41, porém, um mês antes o valor era US$ 54,64, tendo chegado a US$ 54,17 em 19 de maio. Será que o mercado nesse dia previu que o craque português teria tal atitude quase um mês depois? Evidente que não, até porque no dia 20 a ação subiu.
Dentro do festival de "conclusões imediatas", estiveram as que decretaram que o marketing sofreu um sério prejuízo com o incidente, certamente baseados na possibilidade de atos similares voltarem a acontecer, o que, sem dúvida, seria péssimo para a atração e retenção de patrocinadores. Contudo, deveriam ler os contratos de patrocínio na Eurocopa, para entender se a propriedade “objetos sobre a bancada da mesa de entrevistas” existe e como foi comercializada.
Não surpreenderia saber que a colocação das garrafas foi uma espécie de "ativação" do patrocínio, tal suposição tem como causa a infinidade de produtos que aparecem nesse tipo de evento – arroz, cimento, chuteira, etc. – em total dissonância com o que se espera do marketing, que é posicionar os produtos e serviços como algo atrativo. 
Poderia também ser discutido - o que não foi feito - se o ato não se constituiu em um ambush marketing (marketing de emboscada), na medida em que a garrafa de água ganhou destaque em detrimento ao refrigerante. A possível alegação de que não era possível identificar a marca da água perde força quando entendemos que, em termos de categoria de produtos, elas são concorrentes, mesmo a Coca-Cola tendo água em seu portfólio.
Pelo histórico do jogador, não parece razoável, tampouco coerente, a hipótese de “rebeldia” contra uma marca que não estaria lhe remunerando para aparecer próxima a ele, afinal isso acontece costumeiramente no esporte, vide os backdrops e placas ao redor do campo, por exemplo. 
O chamado “marketing de causa”, no caso uma manifestação de alerta sobre os eventuais malefícios dos refrigerantes, foi provavelmente a motivação do ocorrido, não cabendo aqui julgar a veracidade dessa convicção. No entanto, para que algo tenha o cunho de “marketing” é mandatório que se contemple um planejamento, no qual a ocasião, o local, a forma e o sequenciamento, entre outros, sejam contemplados, o que, definitivamente não aconteceu no caso relatado.






terça-feira, 15 de junho de 2021

Desculpe, prefiro não aparecer


Com a confirmação da Copa América no Brasil, um forte movimento se colocou contra o evento tendo como principais alegações: a pandemia e a insegurança em relação a novas ondas de contaminação.
Discutir se deveria haver o evento ou não, poderia derivar para discussões políticas, as quais certamente embasadas por fake news de ambos os lados, ou pior, por comparações rasas com outras competições que estão ocorrendo no país, ignorando variáveis como planejamento e valores envolvidos.
Assim, preferimos não fugir do objeto do blog, que é discutir marketing e gestão, e analisar a decisão de alguns patrocinadores que optaram por não terem suas marcas na competição, sem que isso interfira nos valores contratados.
Trata-se de uma decisão que deve ter deixado felizes todos os gestores de marketing, ou melhor, todos os gestores que efetivamente sabem o que é marketing e não compreendem o patrocínio como uma mera iniciativa de exposição de sua marca. Ao perceberem que esse tipo de operação visa também a associação entre as marcas, os responsáveis pela Mastercard, Ambev e Diageo, entenderam que não seria benéfico estar junto a um evento tão discutido, ainda mais em uma época em que o mercado encara os consumidores como seres humanos plenos, com mente, coração e espírito.
Antes que acusem os gestores das citadas empresas de “comunistas”, como virou praxe entre os que defendem incondicionalmente o presidente da república, convém elucidar que corporações deste porte baseiam suas decisões em pesquisas e estudos, ou seja, muito provavelmente avaliaram o cenário em termos de repercussão nas redes sociais e concluíram que o dano à imagem seria maior do que o prejuízo de pagar por algo que não irão usufruir, no caso, a aparição nas peças da competição.
É importante mais uma vez frisar que, por mais que um gestor tenha posicionamento ou preferência política, sua posição executiva não permite que as mesmas influenciem suas tomadas de decisões.
Pelo lado dos patrocinados, o prejuízo, como já foi dito, não se dá no âmbito financeiro de curto prazo, porém, há que se considerar que a ausência de marcas tão fortes pode gerar uma reação em cadeia dos outros patrocinadores, além de enfraquecer o conceito do co-branding, onde a marca agrega valor por estar associada à outra, isto sem falar de uma eventual não renovação de patrocínio.
O lamentável disso tudo é ver o esporte sofrer as consequências da política, o que faz com que a opinião quanto à realização ou não da competição fique restrita ao que o seu político preferido apoia, ao invés de se analisar a viabilidade de se executar algo sem o devido planejamento.
Outra opção dos "especialistas em tudo" seria não emitir opinião definitiva sobre algo que não dominam.




terça-feira, 8 de junho de 2021

Coletivas de imprensa

Às vésperas do torneio de Roland Garros, a tenista Naomi Osaka, até então #2 do ranking da WTA manifestou sua decisão de não comparecer às coletivas de imprensa que acontecem após os jogos. Para justificar o ato, discorreu sobre a pressão que sente em função das perguntas, muitas das quais, agressivas e repetitivas.
Não podemos deixar de admitir que muitos repórteres extrapolam em suas perguntas, o que não significa que deva haver algum tipo de censura, mas sim respeito entre as partes, pois, por mais que haja curiosidade, inclusive por parte do público, há certas perguntas que fogem do âmbito do esporte, assim como a forma que são feitas. 
A opção de falar ou deixar de falar com qualquer pessoa é, sem a menor sombra de dúvida, um direito de todo cidadão. Contudo, tal “liberdade” diminui quando há compromissos firmados com patrocinadores, equipes ou organizadores de competições. 
Olhando sob esse prisma, fica evidente que a tenista errou, pois frustrou patrocinadores e fãs e não cumpriu o regulamento do torneio, afinal, ao escolher a carreira de jogadora profissional, assumiu compromissos, muitos dos quais não muito agradáveis.
A falta à entrevista resultou em uma multa U$ 15 mil e colocou a tenista no centro de uma polêmica, talvez até mais nociva do que as coletivas que tanto mal lhe fazem, redundando na sua desistência antes mesmo de sua segunda partida no Grand Slam. 
Apesar de ser uma situação desagradável, ela tem um lado positivo: jogar luzes sobre a discussão acerca da necessidade de se mudar – ou não – certas práticas já incorporadas ao cotidiano das competições. Será que as entrevistas coletivas pós-jogos são tão interessantes assim para a atratividade das competições?  Será que tal evento, no formato atual, não pode ter um efeito maléfico à sua saúde mental dos atletas? 
As respostas para estes e demais questionamentos que se derivem não são simples e requererão pesquisas sobre o interesse dos fãs e o perfil emocional dos atletas, além da elaboração de conteúdos que “racionalizem”, podemos assim dizer, a relação entre jornalistas e jogadores.
A propósito, toda e qualquer instituição deve rotineiramente realizar exercícios para atualizar regimentos e práticas aos dias atuais, caracterizando-se um erro a postura do “sempre foi assim e assim será”. Todavia, erro ainda maior seria não punir quem infringe os regulamentos em vigor. Nesse ponto, a organização do torneio deu um belo exemplo, o qual, infelizmente, não é seguido por muitas instituições centenárias que apregoam que a hierarquia e a disciplina são valores fundamentais para a sociedade, mas que na prática optam por preservar seus “preferidos” ao invés de preservar a moral e a imagem.
E já que falamos de disciplina, registre-se que o presente artigo é o de #600 deste blog. 

terça-feira, 1 de junho de 2021

Quem deve se vacinar?

Para que não haja nenhuma expectativa frustrada com o título do artigo, alertamos que o blog, mesmo a favor da vacinação, não tem por intuito recomendá-la, muito menos desaconselhá-la por entender que apenas a classe médica está capacitada para prescrever tratamentos e medicamentos no que tange à saúde.
A ideia do artigo é discutir como algumas organizações esportivas estão lidando com a vacinação, devendo ser ressalvado que qualquer tipo de análise comparativa precisa considerar o cenário de oferta de vacinas.
Assistir pela televisão competições sem público trouxe certamente um forte impacto inicial, o qual certamente se refletiu nos atletas e até em resultados. Por mais que estejamos nos acostumando às condições e que medidas paliativas para minimizar os efeitos do deserto de espectadores venham ocorrendo, a busca sempre será pela volta à normalidade - sem adjetivações lacradoras, afinal normal é normal.
O caminho é lento e não há espaço para ansiedade, a retomada segura precisa contemplar a taxa de imunizados da população, a estrutura de fiscalização e as determinações das autoridades de saúde.
Querer simplesmente definir um percentual de público e esperar que algum isolamento seja cumprido é muito pouco para quem entende que a vida das pessoas está acima de interesses econômicos, mesmo reconhecendo que a economia tem influencia fundamental na vida. Contudo, por mais difícil que venha a ser uma recuperação econômica, ela só será possível se houver vidas, sendo a recíproca falsa.
Diante desse contexto, as marcas que patrocinam o esporte precisam se posicionar a favor desta, digamos, “responsabilidade social”, e encampar a defesa da vida não apenas através da doação de materiais úteis durante a pandemia, mas também através de ações que respaldem as determinações das autoridades sanitárias.
Agindo dessa forma, as empresas têm muito a ganhar em termos de construção de imagem, e para isso precisam ser bastante criteriosas nas escolhas do que e quem patrocinar. A propósito, seria importante para a imagem dos “patrocináveis” serem seletivos também em relação a quem aceitam como patrocinador.
Outro tema que traz subsídio para nossa discussão é a iniciativa do Comitê Olímpico Internacional em doar vacinas para os participantes dos Jogos de Tokyo. Uma medida, no meu modo de ver, importante para o esporte e consequentemente para a sociedade como um todo.
Os Jogos Olímpicos são, sem a menor sombra de dúvida, um forte incentivador da indústria do esporte e da própria prática esportiva, visto inspirar a população, aliás, tal inspiração se reflete nos demais valores associados ao olimpismo – amizade, solidariedade e fair-play, entre outros.
As críticas à medida se voltam à priorização concedida às pessoas saudáveis em detrimento a outras que, em tese, precisam mais. Não há como negar a coerência da crítica, só precisamos lembrar que a quantidade de “beneficiados” não é tão significativa, e que os respectivos países receberão o dobro das doses dedicadas ao contingente de atletas.
A conclusão que podemos tirar do que vem acontecendo com o esporte, é que ele tem tudo para se consolidar com uma atividade exemplar no que diz respeito ao zelo à vida das pessoas, inclusive formando melhores cidadãos, cabem às marcas se conscientizarem desse papel e se associarem a ele.