terça-feira, 31 de agosto de 2021

Conflitos internos

 
A queda para a série B do campeonato brasileiro de futebol e a consequente redução nas receitas, tem feito com que os clubes rebaixados readequem seus orçamentos, o que redunda fatalmente em cortes de custos para que os resultados operacionais sejam menos impactados.
Alguns clubes decidiram, entre outras medidas, a extinção de algumas modalidades olímpicas, o que foi alvo de críticas.
Embora eu seja um defensor ferrenho dos esportes olímpicos, seria um pouco irresponsável julgar tal decisão sem estar a par da real situação financeira dos clubes e dos seus objetivos estratégicos.
Além do que, é preciso conhecer a estrutura das instituições para entender seus conflitos internos. Os clubes de futebol, por terem um percentual extremamente significativo de suas receitas advindo desta modalidade, a qual também é responsável pela maior, se não totalidade, da torcida (potenciais consumidores), sofrem com a forte pressão por melhores desempenhos esportivos. Tal cenário faz com que os esportes olímpicos e a parte social fiquem em notória inferioridade nas decisões orçamentárias, principalmente quando faltam recursos e performance.
Esses “conflitos internos” não são exclusividade dos clubes de futebol, ainda que a exposição e a pressão sejam maiores em função do tamanho desse mercado. Os clubes ditos sociais, pegando aqui a título de ilustração o Esporte Clube Pinheiros de São Paulo e o Minas Tênis Clube do estado homônimo, também padecem com as reclamações dos sócios em relação à “divisão” de espaço com as atividades relacionadas aos esportes olímpicos.
Assim como os torcedores de futebol não conseguem entender que os esportes olímpicos são importantes para o fortalecimento da marca e até na atração de simpatizantes, os sócios dos clubes citados acima não enxergam que a valorização da marca e do título patrimonial do clube pode ser aditivada pelos esportes olímpicos.
Ressalte-se que no caso dos clubes de futebol, em função das difíceis situações financeiras, as necessidades de caixa no curto prazo exigem soluções radicais mais rápidas.
Por outro lado, uma possível saída dos clubes das modalidades olímpicas pode ser de extrema gravidade para o Brasil, que tem seu sistema esportivo fortemente baseado nessas organizações. 
Mas como mantê-las em um cenário onde as organizações precisam de dinheiro para sobreviver? A solução de dedicar uma parte das receitas aos olímpicos é fácil no discurso, mas podem comprometer a estrutura e fazer com que ela toda acabe, prejudicando as três unidades: futebol, esportes olímpicos e social.
Dessa forma, creio que devam ser buscadas saídas que incluam mandatoriamente a modelagem do sistema esportivo brasileiro, não o deixando tão dependente dos clubes, mas também criando recursos para que esses continuem contemplando-os em suas estruturas.








terça-feira, 24 de agosto de 2021

A Nike e os 5 A's de Marketing


Ao analisarmos as marcas dos calçados de corrida utilizados pelos 110 triathletas que disputaram os Jogos Olímpicos de Tokyo (55 em cada gênero), iremos constatar que a Nike lidera com expressiva folga ao ter uma participação de 50,9% contra 24,5% da Asics, a segunda colocada. Tais números  ganham maior representatividade quando comparados aos Jogos de 2016 no Rio, onde a marca norte-americana calçava apenas 12,7% e ocupava a 3ª colocação atrás da Asics com 29,1% e da Adidas com 14,5%, sendo que no feminino era apenas a 4ª marca.
Antes de discorremos sobre as causas desse crescimento, vale explicar que, ao contrário do atletismo e de outras modalidades mais populares, no triathlon não se vê uma forte ação das marcas de calçados esportivos no que tange ao patrocínio, o que nos permite concluir que a escolha de certos equipamentos tem um cunho bastante voltado à convicção do atleta a respeito do produto mais adequado para sua performance.
Partindo dessa premissa, podemos inferir que a “revolução” causada pelos novos modelos de tênis, confirmada pelos recordes batidos pelos usuários de tais calçados e que teve a Nike como pioneira, foi responsável por esse movimento que galgou a marca à liderança entre os triathletas olímpicos. Salientamos que esse percentual poderia ser até maior, o que só não aconteceu porque parte da concorrência, que desenvolveu produtos com tecnologia similar, enviou calçados para alguns atletas utilizarem na própria competição.
Feitas as devidas considerações, podemos passar para um conceito relativamente novo em termos de marketing: os 5 A’s de Marketing, preconizado por Kotler que, ainda que mais voltado ao digital, propõe um novo padrão de comunicação e conteúdo, o qual passa pelas seguintes etapas:
  • Assimilação – quando os consumidores são passivamente expostos a uma longa lista de marcas. Nessa fase, os citados calçados surgem na cabeça do consumidor com seus designs diferentes e algum espaço na mídia, inclusive nas redes sociais. 
  • Atração – aqui os consumidores passam a processar as mensagens a que são expostos e são atraídos para uma lista pequena de marcas. No caso descrito, o pioneirismo da Nike deixou-lhe durante um bom tempo como quase que exclusiva nessa, digamos, nova categoria de produtos.
  • Arguição – nessa etapa, os consumidores passam a pesquisar fortemente sobre o produto para entender as razões de sua eficácia.
  • Ação – trata-se da efetivação do processo de compra/aquisição.
  • Apologia – é quando os consumidores desenvolvem a sensação de fidelidade, passando a recomprar e recomendar, o que, no nosso caso, explica o efeito multiplicador de uso do produto entre os triathletas.
Embora tenhamos usado o exemplo dos calçados de corrida, o conceito é aplicável a qualquer bem, ressalvando-se, no entanto, que podem haver variações no tempo de duração de cada fase em fusão das eventuais diferenças dos ciclos de compras, dos valores e da quantidade de concorrentes.

PS: O estudo que identificou a participação dos tênis entre os triathletas avaliou também as bicicletas usadas por eles, e pode ser visto através do link: https://www.linkedin.com/posts/halfen_equipamentos-dos-triathletas-tokyo-2020-activity-6827978363748057088-zFzW/


terça-feira, 17 de agosto de 2021

O Brasil em Tokyo

Discorrer aqui sobre o desempenho das modalidades nos Jogos Olímpicos de Tokyo soaria repetitivo, visto o tema ter sido muito bem explorado por renomados especialistas no assunto, aliás, deve ser registrado que, com raras exceções, o nível dos comentaristas sobre esportes olímpicos vem melhorando significativamente, o mesmo não pode se dizer de alguns que se intitulam “especialistas” em gestão esportiva...
Estes, ao invés de buscarem métricas inteligentes para entender o ambiente dos esportes olímpicos e inseri-los dentro de um contexto político-econômico, preferiram criticar o desempenho tratando-o como um fiasco para ganharem audiência, apelando para comparações isoladas entre o número de medalhas vs. montante investido, além de tentarem diminuir as conquistas sob as alegações de que novas modalidades foram incluídas, como se só os brasileiros as praticassem. A propósito, nessa parametrização risível utilizaram os Jogos do Rio, mas se esqueceram que tivemos mais atletas em 2016 pelo fato de o Brasil ser sede e assim ter direito a vagas em todos os esportes coletivos, fora o fator torcida.
Não que a análise sobre o montante de investimentos seja infundada, o erro em sua utilização consiste fazê-la simplesmente como referencial de um único ciclo olímpico, desprezando as heranças e legados de investimentos anteriores que influenciam a necessidade de verbas, ou seja, sair da inércia requer mais esforço do que algo em movimento.
E mais, ainda que conseguíssemos “carregar” e diluir o valor ao longo dos ciclos, não é possível se extrair uma correlação perfeita, visto que fatores exógenos como investimentos maiores dos concorrentes exigem a relativização das cifras, ou seja, mesmo que o Brasil dobrasse seus  investimentos, eles poderiam nada acrescentar se outros países aportassem valores muito superiores aos nossos.
Claro que o desempenho brasileiro poderia ser melhor, mas há também uma série de variáveis internas de difícil controle, entre as quais está a heterogeneidade das confederações, o que contempla não apenas a capacidade financeira, mas também, e principalmente, a gestão.
Contar com a sorte de encontrar talentos é desenvolvê-los é muito pouco diante da possibilidade de planejar a massificação, formação e captação.
Partindo dessa necessidade, fica fácil deduzir a importância de se ter bons gestores e exigir das organizações melhores governanças não apenas pelo prisma estrutural de gestão e compliance, mas também das demais disciplinas fundamentais em qualquer instituição, tais como marketing, planejamento estratégico, finanças e recursos humanos, administrativo, entre outras.
Nesse ponto o Comitê Olímpico Brasileiro, mais precisamente o Instituto Olímpico Brasileiro, é digno dos mais efusivos aplausos, pois, através de seus cursos, capacita profissionais para a área de gestão esportiva.
Não obstante, seria simplório demais colocar toda a responsabilidade dos resultados nas organizações que regem os esportes, se assim fizéssemos estaríamos desprezando a importância do governo em estabelecer uma política esportiva adequada à realidade brasileira trazendo como inspiração modelos que deram certo pelo mundo afora.
Se quisermos realmente ficar no rol das dez principais potências olímpicas é fundamental que sejam corretamente definidos os papéis da iniciativa privada, dos órgãos públicos, das forças armadas, dos clubes, das escolas e das universidades em todas as manifestações do esporte: iniciação, participação e alto rendimento, sem jamais perder de vista que os resultados esportivos não podem jamais se sobrepor à vida, ou seja, qualquer política a ser adotada precisa considerar a educação e consequente futuro do atleta ao final da carreira.





terça-feira, 10 de agosto de 2021

O futebol é olímpico?

O título do artigo, ainda que contenha certo grau de sarcasmo, tem como intuito provocar uma reflexão sobre os pontos que fazem o futebol se diferir das demais modalidades.
O fato de haver restrições sobre a idade máxima – cada seleção pode levar no máximo três jogadores com idade acima de 23 anos - já deixa o futebol masculino diferente dos outros esportes olímpicos. Tal situação tem como justificativa o receio por parte da FIFA de que o torneio se transforme numa espécie de Copa do Mundo, receio esse que não exite em nenhuma outra federação internacional.
Além dessa “diferença”, há o poderio financeiro da modalidade, o qual tem sido responsável por acontecimentos que extrapolam o razoável, e aqui trazemos como ilustração a cerimônia de premiação, onde a seleção brasileira, vencedora da competição nos Jogos de Tokyo, subiu ao pódio com a camisa de jogo que trazia a logo da Nike, patrocinadora da Confederação Brasileira de Futebol, contrariando a determinação do Comitê Olímpico Brasileiro de usar o uniforme da Peak, fornecedora da entidade.
A hipótese de a Nike estar por trás da iniciativa não parece crível, contudo, mesmo sem a participação da marca é clara a situação de ambush marketing – marketing de emboscada – afinal, obteve exposição em um espaço que não pagou para estar. A alegação de que ela é patrocinadora da CBF, e como tal investe verbas altíssimas, não se sustenta, pois as marcas têm plena consciência dos seus direitos e deveres, não se cogitando sequer eventuais negligências ou esquecimentos sobre os Jogos Olímpicos. Nesse caso é até provável que a marca norte-americana esteja incomodada com a situação, visto que as suspeitas de estar por trás da vergonhosa atitude pode se refletir em rejeição à marca e impactar negativamente as vendas das camisas da seleção brasileira. Para piorar, qualquer declaração que venha a fazer sobre o caso trará constrangimento à CBF, uma das suas principais patrocinadas.
A CBF, por sua vez, se coloca perante o mercado – aqui consideramos patrocinadores atuais e potenciais – como uma organização pouco confiável, o que, aliás, é péssimo para uma instituição já desgastada com escândalos. Não surpreenderia saber que alguns patrocinadores estejam avaliando o quão saudável é estar associado a quem se sobrepõe à ética e acordos.
Já a Peak, apesar de ter reagido ao incidente de forma irônica e bem-humorada comunicando nas redes sociais que a Nike não faz parte do seu portfólio de marcas e ter aumentado seu awareness (reconhecimento), foi bastante prejudicada, pois, além de perder exposição, corre o risco de ter sua imagem arranhada no que tange à qualidade de seus produtos, afinal, em tese, esses foram rejeitados pelos campeões.
Todavia, nada se compara ao prejuízo que o esporte sofreu ao ser submetido a uma situação que nada tem a ver com os princípios que os regem, dentre os quais está o respeito às regras.






terça-feira, 3 de agosto de 2021

Superação com responsabilidade


Negar que o esporte brasileiro passa por um processo de evolução em termos de gestão seria injusto, basta comparar o passado não muito distante e o cenário atual.
Eventuais julgamentos contrários estão ligados à ansiedade causada pela expectativa de mudanças mais velozes, aditivada pelos críticos que, por não serem convidados para “implantar suas fórmulas mágicas”, acabam ganhando espaço nas redes sociais e até em veículos, digamos, pouco responsáveis com seu conteúdo.
É certo também que o caminho a ser percorrido é bastante longo, principalmente quando usamos como parâmetros os países mais avançados e o mercado corporativo, ilustra essa afirmação a estagnação em certas áreas da gestão esportiva, como o marketing, por exemplo. A distorção acerca de sua utilidade é uma das responsáveis por sua não evolução, ainda que tenha começado a fazer parte da maioria dos organogramas das organizações.
Exemplifica bem esta realidade, a pouca importância que se dá ao posicionamento das suas marcas. Sim, parece meio sem sentido para os que conhecem marketing ver clubes e confederações presentes em mídias sociais, vendendo propriedades de mídia, fazendo eventos, etc., sem ter uma linha estratégica que venha embasar e estabelecer algumas características que ajudariam a fortalecer a imagem de como gostariam de ser percebidos. 
Na verdade, não ligam para isso, acham que conquistas, fãs, seguidores e “bom relacionamento” já são suficientes para se obter patrocínios.
Esquecem, infelizmente, que dessa forma estão se equiparando a meros vendedores de espaços publicitários, fato que os colocam num oceano vermelho ao disputarem mercado com grandes veículos de comunicação ou com organizações que sejam maiores em termos de fãs, isso sem falar que conquistas são efêmeras.
Mas, assim como toda unanimidade é burra, como já dizia o grande tricolor Nelson Rodrigues, toda generalização também é. Reforça essa conclusão a iniciativa da Confederação Brasileira de Triathlon que, atenta à forte competição por patrocínio, fãs, praticantes, espaço na mídia e atenção, se conscientizou acerca da necessidade de se posicionar e, mesmo sem grandes recursos, conseguiu desenvolver internamente esse processo, chegando ao “SUPERAÇÃO COM RESPONSABILIDADE”.
Superação advém da percepção de que a modalidade talvez seja a que mais traduza essa característica, pois, além da necessidade de administrar o tempo para organizar os treinamentos das três modalidades, a competição requer um esforço sobre humano em todas as etapas de forma contínua, além de estratégias para que não haja desequilíbrio.
Já a responsabilidade advém do aspecto democrático no que tange a praticantes, visto que pessoas dos mais variados perfis demográficos podem vir a treinar e competir. Somado a isso, as opções de distâncias permitem que níveis diferentes de objetivos sejam adequados às características de treinamento dos praticantes, isto é, quem disputa uma competição do chamado Sprint Triathlon (750 metros de natação, 20 km de ciclismo e 5 km de corrida) é tão triathleta quanto o que faz o Long Distance (3,8 km / 180 km / 42 km) e ainda pode, ao longo do tempo, se planejar para novos desafios.
O posicionamento neste caso foi uma excelente forma de enaltecer os valores do triathlon, os quais são desejados por qualquer corporação preocupada com resultados e sustentabilidade.
Os elogios ao Triathlon Brasil, no entanto, não devem ficar restritos a essa iniciativa, visto ser ela fruto de uma governança que foca todos os aspectos fundamentais para uma boa gestão, sendo a atenção ao marketing em sua essência apenas uma pequena amostra disso.