terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Engajar não é torcer

Num cenário cada vez mais polarizado, há uma convicção que provavelmente une todos aqueles que acompanham o futebol brasileiro: a importância de se formar uma liga, a qual tenha condições de gerar mais receitas para os clubes.
Todavia, não há unanimidade acerca do modelo a ser adotado, fato que tem a forma de divisão das receitas advindas dos direitos de transmissão como um dos pontos de discórdia, o que deriva para uma reflexão interessante no que tange ao marketing: como medir o engajamento de grupos?
Mas antes de passarmos para os questionamentos sobre "engajamento", vale contextualizar que um dos grupos interessados na compra dos direitos da futura liga preconiza uma distribuição de receita onde 40% dela seriam divididos igualmente entre todos os clubes, 30% conforme a classificação no campeonato e 30% de acordo com o engajamento das torcidas, enquanto o outro propõe a divisão na base de 50%, 25% e 25% respectivamente
Deve ainda ficar claro que para uma competição ser atrativa para o público, investidores e parceiros, é fundamental que exista uma relação de  equilíbrio entre as equipes, permitindo assim levar emoção e suspense para o maior número possível de jogos.
Evidentemente que a meritocracia não pode ser desprezada, sendo importante também premiar os que conseguem fazer melhores administrações, incluem-se aqui contratações, formação de jogadores, organização, controle financeiro e gestão de marketing, no entanto, esse fator já está considerado, visto influenciar o desempenho esportivo, o qual é contemplado nos modelos apresentados.
Mas e o engajamento? 
Abaixo exploramos as possíveis formas sugeridas para mensurá-lo:
- Assinantes via streaming – esse índice parece justo, embora incorra na necessidade de cadastros higienizados e fidedignos, além de  ser sensível ao momento de cada time.
- Média de público no estádio – esse critério nos deixa diante de dois problemas: (i) os diferentes tamanhos de estádios fazem com que um time que mande seus jogos em arenas maiores seja privilegiado e, caso se decida usar a taxa percentual de ocupação, os que possuem menores capacidades se beneficiam; (ii) assim como o critério relativo aos assinantes dos canais streaming, o momento do time, muitas vezes influenciado pelo maior poder de investimento, estimula a presença de público nos jogos.
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Número de seguidores nas redes sociais – tal parametrização beira o absurdo quando tomamos ciência de que é possível “comprar seguidores”, que seguidor não significa engajamento e que seguir não significa torcer.
- Audiência dos jogos em TV aberta – ainda que tenha algum grau de coerência por supostamente medir a atratividade do evento, o índice não consegue expurgar o componente “fase do campeonato”, isto é, clubes que estejam disputando algo nas rodadas finais - inclusive a permanência na divisão principal - e respectivos adversários tendem a ser beneficiados com a audiência. Soma-se a isso, o fato de que os clubes não possuem ingerência sobre a definição da grade de programação, a qual também afeta a audiência.
- Tamanho da torcida – conforme já foi abordado em outros textos desse blog, as pesquisas referentes à apuração do tamanho das torcidas costumam apresentar falhas de metodologia e de segmentação. Em vista desta condição, seria mais justo que esse componente não fosse considerado, até porque, ele já atua nas vendas de produtos licenciados e, na maioria das vezes, na decisão das empresas quanto ao patrocínio.
Partindo dessa análise, podemos inferir que qualquer proposta que dê menos peso ao engajamento é a que mais preserva o equilíbrio da competição, até porque os critérios sugeridos para se calcular o engajamento, como visto acima, apresentam falhas tanto no que diz respeito à eficácia como também por propiciar benefícios cruzados e duplicados,




terça-feira, 24 de janeiro de 2023

eSports é Esporte?

A declaração da atual ministra de esportes, Ana Moser, acerca de não considerar os eSports como esporte tem provocado um interessante debate sobre o tema.
Pelo prisma legal, toda atividade em que haja competição com regras estabelecidas e que requeiram esforço físico e/ou mental se trata de esporte, o que já nos permitiria encerrar a discussão por aqui, porém, creio que exista espaço para outras reflexões que fujam da questão semântica.
Os atletas oriundos do que chamamos de esporte tradicional, principalmente os de alto rendimento, costumam encarar a equiparação como absurda, visto o maior esforço físico despendido em seus treinamentos e competições.
Deve ser ressaltado que não há indícios de que os praticantes dos eSports tenham a pretensão de serem vistos como atletas, aliás, na verdade, é provável que a associação com o esporte, no que tange às competições de alto rendimento, nem lhes seja benéfica, visto a alta significância e perspectivas de crescimento das receitas que auferem.
A divergência, na verdade, acontece primordialmente em relação às verbas públicas que o governo dedica à iniciação esportiva, a qual traz inúmeros benefícios relacionados à saúde e à formação do cidadão. Essas, sim, têm sido pleiteadas pelo segmento de eSports.
Mas será que vale dedicar recursos que seriam voltados para as crianças aprenderem e praticarem atividades físicas intensas para um segmento onde tais valências não são tão desenvolvidas? E se sim, em que proporção?
Particularmente, deixando claro que não tenho a devida isenção por ter forte relação com o esporte tradicional, penso que não, o que faço com total respeito aos que venham a divergir.
Justifico essa posição, por considerar que a atividade física, se bem ministrada e associada a um bom ensino formal, tem o poder de incutir valores que, talvez por ignorância, não vejo em nenhuma outra atividade.
Assim como a ministra, vejo os eSports como uma atividade de entretenimento, o que, aliás, não é nenhum demérito, ao contrário, chegar a esse estágio deveria ser o objetivo de toda modalidade esportiva, pois, graças a essa característica, se consegue atrair patrocinadores e popularizar as atividades.
E aqui entramos em um dos assuntos que costuma permear a linha editorial deste blog: o marketing, mais precisamente, a importância do posicionamento.
O esporte tradicional de forma geral já conseguiu se associar a valores interessantíssimos para o fortalecimento de qualquer marca, tais como saúde, respeito, fraternidade, superação, etc., ainda que as modalidades de forma individual, com raras exceções, ainda não tenham se atentado para essa necessidade. Aliás, é bem provável que o esporte tenha conseguido se apoderar dos nobres valores sem que se tenha adotado um trabalho elaborado de marketing, mas isso pouco importa agora.
Todavia, quando olhamos os eSports sob essa ótica, vemos que há um enorme espaço a ser percorrido, o qual é também uma ótima oportunidade de dirimir eventuais rejeições e de enaltecer valores que contribuiriam para uma boa percepção.
Dessa forma, seria mais salutar ignorar a discussão semântica e voltar baterias para desenvolver um trabalho de posicionamento que viesse a solidificar seus valores e até atrair marcas que queiram deles se associar.






terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Voto vencido

 
Seria hipocrisia de minha parte afirmar que o tema desse artigo não foi influenciado pelas últimas  eleições brasileiras, pois, sem dúvida, elas serviram de inspiração para abordar um assunto bastante corriqueiro no mundo corporativo e, por que não dizer, na vida de forma geral: a tendência de as pessoas se acharem donas da verdade, dominando todos os assuntos, independentemente se estudaram suficientemente sobre eles.
Peço licença para uma breve interrupção sobre o tema para abordar uma situação que adiante convergirá para o assunto principal. 
Em grande parte das empresas é comum a prática de avaliações periódicas, nas quais os subordinados costumam receber um feedback acerca de suas performances e onde são assinalados os pontos que precisariam ser desenvolvidos. Pois bem, numa dessas dinâmicas ouvi uma frase que muito me marcou, me fez refletir, mudar e que certamente foi importante na minha trajetória: “você precisa aprender a ser voto vencido”.
Pego de surpresa, no primeiro momento, pensei em contestar sob a alegação de que minhas opiniões eram embasadas em estudos e dados. 
Após alguns dias de reflexão, na verdade até hoje o exercício ocorre, pude ponderar que estudos e dados são interpretativos e, como tais, passíveis de formarem opiniões divergentes. 
Qual seria a certa? Não creio que seja possível afirmar, mas provavelmente aquele que não admite que sua opinião seja contestada tem enormes chances de estar errado, visto não dar margem ao contraditório.
Numa empresa, a situação é até relativamente mais tranquila, pois caberá ao líder definir e como tal arcar com as consequências da escolha. Evidentemente que um bom líder saberá ouvir e ponderar a respeito, de forma a se municiar do máximo de informações antes de tomar as decisões, aliás o fato de não haver unanimidade é inclusive salutar.
Já no caso das eleições, o regime preconiza que a decisão da maioria seja soberana. Dito isso, causa espanto ver as pessoas revoltadas pelo fato de sua escolha não ter prevalecido. Trata-se, no mínimo, de muita prepotência em se acharem os mais “preparados” para decidir, sendo que poucos têm o devido conhecimento para analisar aspectos ligados às questões socioeconômicas, ambientais, política externa, etc. E mesmo os que conhecem não têm condições de afirmarem que suas teses são as melhores, visto haver a influência de variáveis exógenas incontroláveis, incluindo aqui o dinamismo da sociedade.
Sei lá, há horas em que a inteligência parece guardar perfeita correlação com a capacidade de estar aberto à reflexão sobre argumentações contrárias à própria convicção.
A tristeza pela derrota, assim como a alegria pela vitória nas urnas, ainda que causem estranheza, podem até ser entendidas em função do grau de engajamento e da atmosfera criada no período pré-eleitoral. Todavia, não deveriam ser intensas, tampouco prolongadas, visto ser impossível se ter a certeza do que seria melhor para o país, objetivo que deveria nortear a escolha dos eleitores.
Voltando ao feedback sobre “aprender a ser voto vencido”, posso dizer que o considero o mais útil que recebi, pois serviu de alerta para fortalecer minha crença de que a humildade para ouvir e acatar às opiniões alheias é um dos principais requisitos para o desenvolvimento profissional e humano.




terça-feira, 10 de janeiro de 2023

As homenagens ao Rei


A morte do Rei do futebol, além de tristeza, trouxe temas interessantes para reflexões, inclusive acerca de marketing.
Um deles diz respeito à “cobrança” pela presença de algumas instituições e celebridades no velório. Discussão que vejo como pueril, pois a maneira como se homenageará quem quer que seja tem mais a ver com a forma como se pode ser útil no conforto à família e na contribuição para o devido processo de “eternização” na história.
No mesmo período, houve também uma série de críticas às empresas que veicularam peças publicitárias cujos conteúdos exaltavam o Pelé. Tais críticas acusavam as marcas de estarem se utilizando de ambush marketing, pelo fato de não terem contrato com o Rei para utilização de sua marca.
Mas até que ponto um anúncio institucional, no qual muitas vezes nem a marca aparece, pode ser taxado como marketing de emboscada? Há algum ganho mercadológico ou institucional significativo com a veiculação? Tendo a achar que não.
Em algum momento essas marcas tentaram se passar sublinarmente como patrocinadoras do craque? Não me lembro de ter visto.
Assim entramos num terreno altamente subjetivo, no qual passamos a ter que julgar a intenção das iniciativas. Além do que, não podemos nos cegar ao risco de as marcas “silenciosas” em relação ao fato passarem a ser mal vistas, tal qual aconteceu com as celebridades que não compareceram ao velório.
Diante dessa explanação, pode surgir a dúvida quanto a um eventual prejuízo das marcas que tinham/têm contrato com a marca Pelé.
De fato a análise não é tão simples, mas deve ser considerado que patrocinadores podem ativar o patrocínio, ao passo que as demais marcas tiveram, quando muito, ações restritas à peça publicitária e sem nenhum tipo de alusão que implicasse em retorno comercial.
Deve ainda ser contemplado que grande parte das marcas que optou por esse tipo de publicidade não tem a menor necessidade de praticar o citado marketing de emboscada, afinal o retorno de um anúncio de oportunidade é ínfimo quando comparado às campanhas estruturadas e milionárias que usualmente fazem.
A título de exercício, vale também contemplar a hipótese de algum veículo lançar um caderno comemorativo sobre o jogador e, para viabilizar a edição, passa a vender publicidade às marcas que queiram estar presentes no material. Nessa condição será que as marcas não poderão fazer menção ao Pelé na sua peça de comunicação?
Ainda que haja um movimento de "humanização" das marcas, penso que esse processo não interferiu na decisão das empresas, sendo mais provável que a comoção causada pelo falecimento tenha sido a responsável.
Parece paradoxal, e efetivamente é, ver parte da sociedade criticando alguém por não prestar homenagem ao mesmo tempo em que critica empresas justamente por homenagearem.




terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Pelé imortal

O primeiro artigo do ano nos coloca diante do desafio de tentar escrever sobre Pelé de uma forma diferente do que vem sendo exaustivamente publicado, onde as conquistas e performances povoam a maioria dos textos.
Na busca por algo menos repetitivo, encontramos algumas reportagens insistindo em compará-lo com outros jogadores que pleiteiam o título de “o melhor do mundo”, as quais provocaram a reflexão que reproduzo e abordo a seguir: o que leva as pessoas a quererem fazer comparações e as consequentes ausências de coerência nas parametrizações propostas.
Para se estabelecer quem é o melhor em algo é necessário inicialmente estabelecer quais serão os atributos de avaliação, o que no futebol propicia uma enorme quantidade de variáveis.
Pelé era o jogador que chutava melhor? Que batia melhor falta? Que marcava melhor? Bem, provavelmente deve já ter existido jogadores que desempenhavam melhor alguma dessas funções, porém, certamente nenhum deles fazia tão bem as três e outras tantas outras como Pelé. Essa pequena provocação já nos leva a mudar a “eleição do melhor” para “o jogador mais completo”. 
Mas mesmo com essa nova condição, a escolha precisa de elementos quantitativos para dar o devido respaldo à decisão. Número de gols? Assistências? Títulos? Todas essas métricas e muitas outras são válidas, porém, não podemos ignorar que os adversários são diferentes tanto em qualidade técnica como em perfil tático, o que, evidentemente, influencia os números apurados.
Também é preciso considerar que equipamentos como chuteiras, bolas, gramados e até os critérios de arbitragem mudam, de modo que o exercício de isolar os fatores exógenos que influenciam o desempenho de um jogador leva a análise para um terreno que propicia inúmeros pontos subjetivos, os quais, por sua vez, inviabilizam qualquer conclusão definitiva.
Outra vertente de “analistas” tentou incluir na comparação o “valuation” do jogador, utilizando para isso salários, contratos de patrocínio e até, pasmem, número de seguidores em redes sociais.
Embora corretos os exercícios de atualização monetária e cambial, faltaram nos devidos cálculos alguns aspectos macroeconômicos, assim como mercadológicos. Exemplificando: como o futebol no passado não gerava receitas tão significativas como as atuais – as fontes advindas de direitos de transmissão e patrocínio eram irrisórias -, os clubes não tinham como pagar cifras estratosféricas para contratar os melhores jogadores, o que permite inferir que os salários mais baixos da época guardam estreita relação com a capacidade de geração de receita da modalidade e não com a qualidade do profissional, de forma que os craques do passado tinham remunerações, mesmo corrigidas monetariamente, inferiores às atuais. Não esqueçamos que o custo de vida também era inferior.
Por mais que o Rei ainda fosse demandado por inúmeras marcas, temos que admitir que o período em atividade costuma ser mais fértil do que o da aposentadoria, principalmente em função do maior espaço na mídia e da contemporaneidade.
Na verdade, existem muitos mais argumentos para se jogar por terra as criativas tentativas de se comparar números, porém, o que foi exposto já é suficiente para demonstrar a ineficácia dos exercícios. 
Finalizamos o texto com uma frase do Nelson Rodrigues, alias autor de uma das melhores crônicas sobre o Rei, que resume bem o que pretendo expor: “Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos”.
Pelé foi e será sempre o melhor do mundo! Basta!