terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Só pode patrocinar?

Se analisarmos de forma mais apurada os patrocinadores másters dos times que disputaram a série A no campeonato brasileiro de 2021, constataremos que o setor mais presente foi o de “apostas” – sete equipes -, sendo que em 2020 esse número não passava de quatro. A título de esclarecimento, vale salientar que tais dados dizem respeito ao espaço mais nobre do uniforme, o peitoral, pois, caso considerássemos outras propriedades como calção, manga, meias, etc. a quantidade seria ainda maior.
Não há dúvida que se trata de uma tendência, a qual está relacionada não só à capacidade de investimento das empresas deste setor, como também à provável identificação de que o público que assiste futebol é um de seus alvos. Cumpre ainda relatar que o mesmo fenômeno ocorre em escala mundial e só não é maior em função das restrições legais que existem e/ou passaram a existir em alguns países como a Espanha, por exemplo.
Ao contrário do que possa parecer, o jogo – excetuando turfe e loterias - continua proibido no Brasil, a liberalidade mencionada no caso dos patrocínios diz respeito à sua publicidade.
Por outro lado, o tabaco e as bebidas alcoólicas, apontados como passíveis de dependência, têm o consumo permitido, porém, os clubes brasileiros não podem expor em suas camisas marcas oriundas desses segmento. Ressalte-se que em alguns países marcas de cerveja, de vinho e até de aguardentes patrocinam times de futebol.
Diante do cenário descrito não há como deixar de refletir acerca do suposto paradoxo. É razoável admitir que uma prática seja ruim a ponto de ser proibida, mas ainda assim ter o consumo incentivado? Ou que outra possa ser usufruída, mas não incentivada?
Ainda que seja importante discutir os aspectos ligados à saúde e ao próprio contexto histórico que motivaram as legislações, creio que as análises sob o prisma de marketing e branding sejam o ponto de partida para se entender a questão.
Enquanto as indústrias de cigarro e de bebidas buscam posicionamentos para as suas respectivas categorias e investem na consolidação dessas imagens, a indústria do jogo não se atentou para essa necessidade. Filmes e novelas do passado traziam os personagens principais bebendo drinques e fumando, fazendo com que tais hábitos virassem sinônimos de glamour. Já o jogo era abordado para mostrar alguns personagens indo à bancarrota.
Por mais que a vida não seja exatamente igual à arte, não há como negar que ainda há um resquício desse passado, o qual certamente vem sendo herdado pelas gerações.
Caberia aos gestores de cada modalidade de jogo, encontrar um posicionamento responsável para seus produtos, isto é, exaltando seus benefícios sem ignorar os aspectos ligados ao meio ambiente, à saúde e à governança.
Por fim, é mandatório esclarecer que o objetivo do texto não é fazer apologia da liberação ou não do jogo, mas sim mostrar algumas contradições e chamar a atenção de que o marketing é fundamental para qualquer ramo de atividade.







terça-feira, 18 de janeiro de 2022

No vax No vak

A novela sobre a participação do tenista Novak Djokovic no Aberto da Austrália, apesar de constrangedora para a modalidade e para o esporte como um todo, nos coloca diante de um bom tema para se refletir acerca do marketing.
Como já foi escrito aqui em outras vezes, a discussão sobre a obrigatoriedade ou não da vacinação tem se mostrado pouco produtiva, até porque o termo “obrigatoriedade” ganha contextos diferentes em função do “lado” que se defende. 
Alguns interpretam que o tenista não é obrigado a se vacinar, se assim fosse, o fariam a força. Para outros, o fato de se exigir a vacina é uma forma de obrigar. 
Proselitismos à parte, é importante reconhecer a legitimidade daqueles que são contra a vacinação e mantêm sua posição independentemente das sanções, o mesmo não se pode dizer dos que defendem os “resistentes à vacina”, mas não se furtam a se vacinarem na primeira oportunidade. Covardes com causa.
Nessa linha, a postura dos patrocinadores de Djokovic foi irrepreensível, respeitaram sua decisão de não se vacinar ainda que cientes do risco de tê-lo envolvido em polêmicas e fora de alguns torneios importantes.
A história, no entanto, começa a mudar de figura quando se descobre que o tenista “mentiu” em documentos oficiais, de forma a burlar as regulamentações para poder participar do Grand Slam de Melbourne. Pego na mentira, preferiu responsabilizar seu agente, ao invés de assumir o erro, ignorando que cabe ao líder tomar à frente de eventuais equívocos dos membros de sua equipe, mesmo que internamente opte por tomar providências severas.
Para culminar a sequencia de atos deploráveis, veio à tona que, logo após testar positivo, o jogador sérvio não se isolou e até participou de um evento, no qual havia a presença de crianças.
Diante de tantos feitos que denotam um enorme afastamento dos nobres princípios que regem o esporte, o “silêncio” dos patrocinadores causa espanto, pois, leva à suposição de que em prol de se ter como um de seus assets o atual número 1 do ranking mundial, as condutas deste pouco importam, ignorando o risco de contaminação às suas marcas.
Não se preconiza aqui patrocinar apenas atletas “bonzinhos”, não mesmo, os chamados “bad boys” também agregam valor à marca, tanto pela atenção que despertam, como por fugirem do estigma do “certinho”, expondo assim um lado mais “real". Além do que, a maioria dos atos dos "bad boys" não costuma ser premeditada, ao contrário do que aconteceu com o Djoko.
Embora descartar os aspectos ligados a propósitos e a um mundo melhor jamais devessem ser tolerados pelas marcas, podemos até entender que Lacoste (uniformes), Asics (calçados) e Head (raquete) se calem por valorizarem mais o desempenho técnico como principal orientação para seus investimentos em patrocínio, afinal conseguem dessa forma associar seus produtos à performance. Todavia, os demais patrocinadores deveriam, no mínimo, se manifestarem contra práticas que, provavelmente, estão em desacordo com seus respectivos códigos de condutas.
Qualquer coisa diferente disso é atestar que os valores éticos são fundamentais...apenas para discursos.




terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Aberto da Austrália e a SAF

Que título estranho...
Qual a relação que pode ter o Australia Open e a Sociedade Anônima do Futebol?
Nenhuma no que tange à essência dos conceitos, porém, quando analisamos o imbróglio gerado sobre a presença do tenista Novak Djokovic no torneio e a dispensa do goleiro Fábio do Cruzeiro, constatamos um ponto de interseção: o dinheiro na condição de variável quase exclusiva nas decisões.
No caso do tênis, a organização do torneio cogitou sobrepor às regras sanitárias estabelecidas pelo estado com o fim de contar com a presença do jogador sérvio. 
É fato que a presença de um dos melhores tenistas da atualidade tem importância fundamental para a atratividade da competição, visto a audiência ser sensível a isso, o que implica em maiores receitas diretas com ingressos, além de indiretas através da satisfação dos patrocinadores, dos que compraram os direitos de transmissão e até de artigos de merchandising, isso sem falar no nível de qualidade do torneio.
Deve aqui ser ponderado se a imagem do Australia Open não sofre algum dano com a atitude de abrir exceções, as quais, certamente receberão questionamentos que nos levarão à reflexão acerca do efetivo retorno do que for decidido. 
Para evitar conotações políticas, não levaremos o texto para discussões mais profundas sobre o direito de o jogador decidir se quer ou não se vacinar, até porque é óbvio que ele tem esse direito, contudo há que se ter mente que qualquer escolha implica em consequências, nesse caso ficar fora dos campeonatos que exigem a vacinação. Quem fuma, por exemplo, fica alijado de fazê-lo em certos locais...
Em resumo, não dá para se ter tudo, leis e regras, por mais que aparentem ser ruins, existem e devem ser sempre respeitadas.
Já no caso da SAF, ficamos diante de um quadro onde os gestores passaram a ter também os resultados financeiros como metas, o que acarreta em uma política mais severa em relação aos custos operacionais, redundando em cortes que atingem ídolos e ferem a paixão do torcedor.
O questionamento nesse caso reside na ponderação a ser feita: quanto que a paixão deve ser ouvida? Não há resposta definitiva, a presença de ídolos é vital para qualquer clube, mas a que preço?
Antes que os argumentos derivem para os “discursos pouco embasados” de que as vendas de camisas, presença de público e adesão a programas de sócio-torcedor provocadas pela presença de ídolos bancam os salários, fica o alerta de que tal montante é insignificante sob esse prisma.
Não resta dúvida de que a transformação do modelo associativo para o de clube-empresa, tão exaltado pelo público que considera a medida como “solução”, irá envolver medidas antipáticas e amargas, sem a garantia de que os resultados virão, portanto carecerá de ajustes. Todavia, o que está totalmente fora de cogitação é a imposição de mudanças sem a devida análise da situação, tampouco aceitar situações de casuísmo, pois essas acabam com o ativo, em tese, mais longevo de qualquer marca: a credibilidade. Isso se aplica tanto ao caso do Australia Open como à da SAF.





terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Pó de arroz, a verdade


O primeiro artigo de 2022 abordará dois temas bem atuais: a diversidade e as fake news, para isso utilizaremos como ilustração o esporte num contexto histórico. 
Uma pergunta sumariza bem o que será narrado: por que o pó de arroz foi associado ao Fluminense?
Nossa história começa em 1914, quando o jogador Carlos Alberto, que tinha o hábito de passar pó de arroz em sua pele. passou a fazer parte do elenco tricolor. Todavia, o fato foi deturpado sob a alegação de que o Fluminense não permitia negros em sua equipe e, através do pó de arroz, encontrava uma forma de disfarçar a cor da pele de seus atletas.
Suposição canalha e mentirosa, além de insustentável, para isso basta lembrar que: (i) desde os tempos em que o Carlos Alberto jogava no América, ele já usava o produto como um cosmético pós-barba; (ii) antes disso, em 1910, o Fluminense tinha em sua equipe o jogador Alfredo Guimarães que era negro – e nunca usou pó de arroz. 
O que se tira desta história é que a propagação de mentiras não é uma questão de época ou de geração. Hoje o termo “fake news” parece agora mais popular pelo fato de as mídias sociais terem uma maior capacidade de reverberação, porém, a origem do mal não é a plataforma de divulgação e sim a falta de caráter daqueles que, para atacarem algo ou alguém, apelam para a invenção e/ou distorção de acontecimentos.
Coibir tais práticas através de mecanismos que evitem a divulgação massiva das mentiras é apenas um paliativo que, em termos concretos, não acaba com o problema. O cerceamento às redes também não parece fazer muito sentido, ao contrário, a existência delas é um fator de extrema importância para se rastrear os criadores e divulgadores de informações falsas.
A solução, segundo alguns, passa pela educação, ao defenderem que quanto mais educada a população menos mentiras existirão, o que faz até algum sentido no que diz respeito à reverberação, já que as pessoas mais educadas, em tese, desconfiarão do que estão recebendo e pesquisarão antes de repassar qualquer informação suspeita. Reside aqui, no entanto, um erro crasso: reduzir o conceito educação à mera formação através dos bancos escolares, abdicando da importância dos princípios e dos valores que deveriam ter origem no lar, independentemente de classe social.
Corrobora para essa dedução, a significativa quantidade de pessoas que toleram e defendem as fake news, quando essas o favorecem, é claro.
Diante dessa complexidade relativa à educação, é provável que, no curto prazo, as punições venham a ser a melhor forma de combater a proliferação de mentiras, o que é lamentável, mas, pelo menos pode ser uma forma de preservar a honra de pessoas e instituições inocentes.
O caso do pó de arroz, ao envolver uma acusação de racismo, prática abominável sob todos os sentidos, é apenas um exemplo de como uma mentira irresponsável pode trazer consequências na vida das pessoas e das instituições e, como tal, não deve ser tolerada.