terça-feira, 28 de julho de 2020

Não às dores


Inspiradas nas iniciativas das startups, algumas empresas já tradicionais no mercado buscam adotar práticas até então inéditas. São mudanças que vão desde a extinção das salas individuais até a criação de áreas informais nas sedes, passando pelo jeito de vestir e horários alternativos/flexíveis, entre outros. Todas válidas, pois ainda que não sejam as práticas mais adequadas - difícil fazer esse juízo de valor -, podem ser facilmente alteradas, caso se comprovem ineficientes ou frutos apenas de modismos.
No prosseguimento destas transformações surgem também as expressões da moda, muitas até aceitáveis, pois nada mais são do que novas nomenclaturas. Contudo, outras incidem em erros que contrariam conceitos inquestionáveis, além de serem contraproducentes se efetivamente adotadas. Entre essas últimas está aquela que preconiza “descobrir a dor do cliente”, remetendo ao executivo o papel de um médico e a outra parte o de “doente”.
Primeiramente é preciso que fique claro que dor é algo subjetivo, visto depender da sensibilidade de quem a sente, isto é, para alguns um leve incômodo já é considerado dor, enquanto que outros possuem uma resistência maior. Além disso, trabalhar simplesmente na remediação de um problema não necessariamente atende satisfatoriamente ao cliente, ou seja, não considerar os aspectos correlacionáveis que podem ter causado a tal dor pode implicar no aparecimento de outros problemas resultantes deste “desleixo” com o “todo”.
Esse modismo ainda afasta a empresa “doutora”, aquela que busca "descobrir a dor do cliente", do mais básico conceito de marketing: “identificar e/ou criar as necessidades do cliente, de forma que a empresa possa atendê-lo”.
Isso significa que o diagnóstico deve transcender a busca pela dor e pelo problema para focar nas necessidades que muitas vezes nem o próprio consumidor tem ciência.
Para ilustrar o que pretendo dizer sobre identificação e criação de necessidades, utilizaremos o segmento de telecomunicação em um passado não muito distante, onde a telefonia móvel era algo mais ligado aos filmes de ficção.
Se fôssemos nessa época entrevistar os usuários de telefonia fixa para indagar sobre sua "dor", ele certamente citaria o preço e, talvez, a dificuldade para se completar ligações. Dependendo do perfil da família, a alta demanda pela utilização em certos horários - que também implicava em custos - poderia ser também algo dolorido.
Todavia os aspectos relativos à mobilidade, acesso à agenda e individualidade, entre outros, provavelmente não seriam mencionados, o que ressalta bem o conceito que defendo, pois tais benefícios só vieram a se tornar necessidades depois de criadas, sendo que a dor em relação a eles só aparece quando há a falta depois de conhecê-los.
Evoluindo no segmento de telefonia, podemos afirmar que mesmo no início da massificação do uso de celular para a comunicação por voz, os usuários jamais citariam como anseio a possibilidade de utilizá-lo como um computador. 
Portanto, é clara a diferença entre dor - uma expressão atual que contraria a essência do marketing - e necessidade, que compreende o entendimento detalhado do mercado. Daí a importância de se propor soluções e não remédios, os quais, talvez, até acabem com a dor imediata, mas não combatem necessariamente as causas e eventuais sequelas.
E antes que se coloque em questão a importância do marketing no contexto corporativo, transcrevo um pensamento de Philip Kotler, o qual preconiza que o marketing não só deve ser parte da estratégia de qualquer empresa como deve ser o centro da mesma.
Uma pena que ainda existam alienados que não vejam dessa forma...





terça-feira, 21 de julho de 2020

O exagero do "politicamente"


Estabelecer o equilíbrio de qualquer coisa é um dos maiores desafios da humanidade, isso se aplica a tudo: à intensidade de uma bronca, ao tempo que se dispende para explicar algo, à própria gestão das atividades do dia a dia e por aí vai.
Ciente dessa dificuldade, vamos discutir aqui a adoção das medidas politicamente corretas, as quais podem estar ultrapassando os limites do equilíbrio. 
Começamos narrando o caso do Washington Redskins, franquia de futebol americano fundada em 1932, que alterará seu nome sob a alegação de que a palavra “redskins” – peles vermelhas – tem conotação racista, já que diz respeito à cor da pele dos índios. Na verdade, esse movimento para a alteração no nome já acontece há duas décadas, só que agora, em função de um ativismo mais intenso de combate ao racismo provocado pelo covarde assassinato de George Floyd, parece ter vindo com maior força.
No segmento de bens de consumo, a Pepsico mudou o nome e a embalagem do seu produto Aunt Jemina, que está no mercado há mais de 130 anos, pelo fato de a embalagem trazer a imagem de uma mulher afrodescendente, cujo nome remetia a uma personagem que trabalhava como empregada de uma família.
A Mars, fabricante do arroz Uncle Ben’s que traz a imagem de um homem afrodescendente no rótulo, também fará mudanças na embalagem por motivo similar.
No Brasil, a palha de aço Krespinha, produzida pela Bombril, foi descontinuada.
Antes de partirmos para as análises dos fatos, finalizamos com o caso da L’Óreal, que decidiu retirar os termos branco/branqueador (white/whitening) e claro/clareamento (fair/fairness, light/lightening) de todos os seus produtos destinados à homogeneização da pele.
Pois bem, não seria a primeira vez que algum time das ligas dos EUA trocaria de nome, o New Orleans Hornets da NBA, por exemplo, passou a se chamar New Orleans Pelicans, enquanto o Charlotte Bobcats virou Charlotte Hornets. Há ainda as alterações feitas em função da mudança de cidades, essas até mais traumáticas e com maiores riscos. Todas elas seguiram na normalidade após o impacto inicial. 
Quanto às marcas de bens de consumo, a história está repleta de exemplos de mudanças que pouco impacto sofreram em termos de participação de mercado, evidentemente que excelentes trabalhos de marketing foram desenvolvidos para minimizar os problemas. Podemos citar o creme dental Sorriso que veio substituir a marca Kolynos, líder de mercado, e teve o mesmo sucesso. A Nestlé, quando decidiu trocar as marcas de algumas categorias como iogurte Chambourcy e sorvete Yopa por simplesmente Nestlé, abriga a relação de casos de sucesso. Até as operadoras de telecomunicações passam por esses processos e sobrevivem após os devidos investimentos.
Há muito mais casos que comprovam que eventuais alterações não são tão dramáticas como se pode pensar em um primeiro momento, porém, o que pretendemos com o artigo é provocar a reflexão sobre os eventuais exageros do “politicamente correto”, onde dois questionamentos auxiliam esse processo:
- Será que uma parcela significativa dos supostamente atingidos com essas nomenclaturas realmente se sentem ofendidos/feridos? 
- Será que as próprias mudanças de nomes não têm o efeito de se criar uma implicância/rejeição sobre o tema, o que, poderia de alguma forma afetar sua importância? 
Valendo alertar que eventuais exageros, por ora cometidos, nada mais são do que reações a exageros anteriores advindos de lados opostos, daí a preocupação para que uma futura reação ao atual momento seja desproporcional e o equilíbrio fique cada vez mais distante.






terça-feira, 14 de julho de 2020

Desleixo com a marca

Zelar pela imagem da instituição é dever de qualquer gestor, porém poucos se dão conta dessa responsabilidade. As causas de tão pouca dedicação podem estar ligadas à ignorância acerca da importância de uma marca forte, ou ao fato de não saberem como proteger esse ativo. 
Infelizmente, a maior incidência desses desleixos costuma acontecer nas organizações esportivas, cujas gestões tendem a ter um perfil mais centralizador do que no universo corporativo.
Essa diferença entre os setores fica bem evidente ao compararmos duas grandes tragédias que causaram enormes comoções: Brumadinho e Ninho do Urubu, ambas similares sob o prisma de serem inaceitáveis e imperdoáveis, porém, divergentes no que tange ao gerenciamento da crise.
Enquanto a Vale foi rápida nas proposições de acordo e buscou nas aparições afastar sua marca da tragédia, o clube carioca não teve o mesmo cuidado com as famílias das vítimas, tampouco com a marca, a ponto de as primeiras entrevistas serem realizadas nas próprias instalações e com dirigentes envergando o escudo da instituição na camisa.
Um colegiado composto por pessoas preparadas – e com voz - certamente tomaria decisões mais prudentes em um momento onde as emoções exercem uma pressão fortíssima sobre a razão.
Considero impossível calcular o valor da vida de um inocente, ainda mais quando se trata de crianças, por outro lado há que se entender a responsabilidade dos dirigentes em gerenciar as finanças do clube. 
É justamente aqui que reside o erro, pois, ao desconsiderarem o valor da marca como ativo de uma instituição, deixam aberta a possibilidade de sérios prejuízos futuros. Desprezar a indignação popular, inebriados pela paixão daqueles torcedores mais fanáticos que defendem mais o time do que os próprios princípios, se constitui num equívoco ainda mais grave. 
Agindo dessa forma, os dirigentes do clube em questão deixam evidente a pouca preocupação com a marca, ativo que, se bem conservado, apresenta uma perenidade maior do que qualquer outro.
A despreocupação com a imagem se fez ainda mais evidente ao forçar o reinício do campeonato carioca antes das demais competições regionais, e pior: sem a certeza de que o pico dos casos de covid-19 no estado tivesse sido atingido. Vale lembrar que os campeonatos italiano e inglês reiniciaram 83 e 78 dias respectivamente após o pico, e o espanhol em 71 dias.
Para culminar, esses mesmos dirigentes que articularam e defendem uma medida provisória que concede os direitos de transmissão aos mandantes dos jogos, tentaram que na final da Taça Rio tais direitos não fossem efetivados, já que o mando de campo pertencia ao adversário.
Seria leviano apontar a personalidade de tais dirigentes como causa dessa sucessão de desatinos, creio ser mais prudente, e talvez assertivo, relacioná-la à falta de visão de longo prazo, inclusive no que tange à força de uma marca.
As associações a valores ligados à sustentabilidade, onde o respeito à vida e ao bem estar se destacam, são alicerces que auxiliam as marcas, seja no que tange ao aumento no número de clientes/torcedores, seja na admiração por parte da sociedade, fatores fundamentais para se obter sucesso perene.






terça-feira, 7 de julho de 2020

Onde vai passar o jogo?

Os desdobramentos da publicação da Medida Provisória 984, aquela que concede ao mandante dos jogos de futebol o direito de comercializar a transmissão, não param de acontecer. 
Na semana que passou vimos o clube carioca, o qual articulou a MP junto ao presidente da república, fazendo por conta própria a transmissão do seu jogo que ocorreu no meio de semana. Uma ação bastante interessante e arrojada que teve a gratuidade como um dos pontos de destaque, e também onde foi propiciada aos torcedores a possibilidade de fazerem doações.  O valor arrecadado, somados aqui patrocínios e os pagamento feitos por quem usa a plataforma para assistir aos jogos estando fora do Brasil, foi baixo se comparado com o número de visualizações e o tamanho da torcida, contudo, seria de uma miopia ímpar avaliar a ação apenas sob esse prisma, já que o clube conseguiu, além do engajamento da torcida e de desenvolver relacionamento com os espectadores, fortalecer atributos como modernidade e inovação.
Como reação, a Rede Globo, detentora dos direitos para transmitir os jogos dos demais clubes do campeonato carioca, anunciou a rescisão do contrato e que deixaria de televisionar os jogos restantes, já que, no seu entender, houve violação de contrato. Tal pronunciamento chocou a todos, pois coloca em risco a continuidade dos campeonatos estaduais.
Embora o fim destes campeonatos seja um discurso recorrente entre torcedores e até por parte da imprensa, trata-se de uma decisão extremamente perigosa para a indústria do futebol. Os riscos de aumentar a já enorme inadimplência da quase totalidade dos clubes é enorme, acrescente-se a isso o aumento no índice de desemprego, pois um menor número de clubes significa menos jogadores, técnicos e demais membros que compõem as estruturas destas organizações. Não se nega aqui a necessidade de reformatar essa competição, porém, a dependência dos clubes e da cadeia produtiva do futebol às verbas de transmissão é um fator que não pode ser desprezado. 
O fato de um clube, supostamente, ter condições de prescindir dessas verbas, não pode prejudicar o coletivo, tampouco ser balizador para as interferências do poder executivo.
Dando continuidade ao enredo, o mesmo clube que fez a transmissão de forma gratuita na 4ª feira, anunciou que para o próximo jogo adotaria o modelo de pay per view cobrando R$ 9,96 para os que não fossem sócios. A resposta de sua torcida foi péssima e pesadas críticas foram feitas.
Transmitir eventos via streaming é, sem dúvida, uma alternativa interessante, mas não é certo que possa, principalmente no Brasil, ser vista como substituta imediata das transmissões tradicionais, posto que assistir esportes pela televisão é um hábito bastante arraigado por aqui. Além do que, a disponibilidade de equipamentos e estrutura que deixem o espetáculo agradável/confortável de se assistir ainda não atingiu um nível de penetração razoável em nossa população. 
Em relação à possibilidade de monetização não há o que se questionar, pois, qualquer fonte de receitas é fundamental para as finanças dos clubes. Todavia, a implantação desse modelo precisa ser maturada, o que se consegue através de planejamento, comunicação prévia, estruturação tecnológica, além de um trabalho de aculturamento acerca do “produto” -, enfim, ações que demandam tempo para serem bem executadas.
A própria precificação requer estudos mais elaborados, evitando assim de se utilizar como parâmetros simplesmente os preços dos ingressos, ignorando que para a grande parte dos torcedores a TV aberta é o referencial de seu dispêndio para assistir jogos. Há que se contemplar que, além dos R$ 9,96 cobrados pelo pay per view, o indivíduo precisa pagar por um bom pacote de internet.
No caso em questão, a falta de planejamento fez com que a ação relativa à cobrança fosse abortada pouco antes do jogo, visto que a plataforma de pagamentos não suportou a demanda, o que causou problemas para os torcedores que adquiriram o "acesso", assim como para a imagem do produto e a do clube.
Como podemos constatar, estamos diante de um momento interessante para o futebol, onde somos testemunhas de ações que questionam um modelo que pouca mudança sofreu ao longo do tempo, mas que, de fato, precisa evoluir.
É inadmissível, entretanto, que os movimentos ocorram sob a cegueira da paixão, e faça esquecer que a defesa da indústria do futebol deve se sobrepor a eventuais antipatias por questões políticas contra uma emissora.