terça-feira, 27 de novembro de 2018

Crise de imagem

A USA Gymnastics, federação que rege a modalidade nos EUA, vem passando por péssimos momentos desde que veio à tona o escândalo relativo ao abuso sexual cometido pelo então médico da organização. A situação chegou ao ponto do US Olympic Comittee - Comitê Olímpico dos Estados Unidos - considerar a revogação do status de federação nacional da USA Gymnastics.
A alegação do USOC é de que a federação tem se mostrado incapaz de reconstruir sua imagem após o problema, ainda que tenha afastado todo o corpo dirigente e tentado implementar medidas que venham resgatar sua credibilidade.
Trata-se realmente de uma situação bastante complicada, até porque as organizações não costumam – ou não costumavam – estar preparadas para encarar problemas de tamanha gravidade. Poucas, na verdade, dispunham de áreas, ou mesmo normas relativas à compliance, talvez acreditando que problemas só acontecem com os outros, ou que são fáceis de solucionar.
Aí é que incorrem no erro, pois os problemas costumam acontecer justamente nas corporações que ignoram a possibilidade deles ocorrerem e as consequências não são nada tranquilas.
No caso da federação em questão, por maior que seja a punição ao facínora que cometeu os abusos, a reversão é muito difícil. 
Estão sob forte risco: a saúde financeira da entidade - já que escândalos desse porte afastam potenciais patrocinadores - e a captação de novos atletas, pois os pais certamente ponderarão bastante antes de deixarem seus filhos praticar essa modalidade. 
É claro que é injusto colocar toda essa carga em cima de um esporte, até porque, diante da repercussão e das medidas que estão sendo tomadas, é muito provável que as chances de novos casos acontecerem tenham sido bastante minimizadas.
A imagem de uma organização é algo que demanda muito tempo para ser construída e demanda ainda mais para ser reconstruída. Reforça essa afirmação as centenas de escândalos que temos nos deparados no mercado corporativo – mais ligados à corrupção, que se registre. Esses, no entanto, apesar de trazerem maiores prejuízos econômico-financeiros do que acontecem numa federação, possibilitam que a empresa altere as marcas e minimize eventuais associações com fatos nocivos, o que é mais difícil no caso da USA Gymnastics pois, por mais que se altere o nome e a logo, a marca da federação é muito sólida, contribuindo para isso o próprio desempenho esportivo de seus atletas.
Em vista disso, não creio que a mudança passe pela alteração da marca, mas sim através de uma forte divulgação das medidas que estejam sendo implementadas e da adoção de um modelo de governança onde a participação de atletas, pais de atletas e patrocinadores seja extremamente significativa no que tange à adoção de práticas comportamentais. 
Não que eu considere que esse desenho com a participação massiva de atletas seja o ideal para a gestão de uma organização esportiva, mas diante do atual cenário que exige a recuperação da credibilidade da ginástica norte-americana não vejo alternativa diferente.
Quanto ao monstro que ocupou o papel de médico e todos os demais que o acobertaram, vou me eximir de apontar solução para não criar polêmica com os defensores dos direitos humanos.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Presença de Adidas

O movimento de marcas originalmente “não esportivas” utilizando o esporte como ferramenta de marketing é algo que começa a acontecer com relativa frequência, vide algumas ações de patrocínio de marcas como Ralph Lauren, Empório Armani, C&A e Louboutin, entre outras, que voltaram seus olhares para o esporte ao vestir algumas delegações nos desfiles dos Jogos Olímpicos. Além das citadas, é também possível encontrar atletas vestindo Lacoste, H&M e Uniqlo nas próprias competições.
Entretanto, o movimento inverso, isto é, a utilização por parte das marcas esportivas de “agentes” que não tenham relação com o esporte, costuma ser mais rara, pelo menos no que tange à adoção formal destes “agentes” como instrumento de ativação das marcas.
Apesar de o primeiro movimento ser, talvez, mais fácil de se entender já que a associação com valores e atributos do esporte é reconhecidamente benéfica para o fortalecimento de qualquer marca, ambas as iniciativas têm em comum o objetivo de “conquistar” novos mercados, ou seja, estar acessível e desejada por pessoas que não sejam originariamente consumidoras daquelas categorias de produtos e/ou não guardem fidelidade com as marcas.
É bem verdade que essas marcas já estão atentas aos novos mercados há algum tempo, basta ver a parceria da Adidas com a Stella McCartney para elaboração de produtos e os patrocínios a celebridades do show business, que passam a aparecer vestindo roupas esportivas em campanhas e/ou nas atividades cotidianas. Isso sem falar dos “influenciadores digitais”.
Todavia, a recente promoção que a Adidas fez utilizando a cantora Anitta nos mostrou uma postura mercadológica ainda mais agressiva sob esse prisma. A promoção consistia no sorteio de algumas pessoas para treinar com a cantora, participar de outras atividades em sua companhia e assistir seu show no mesmo dia.
Uma ação aparentemente normal e corriqueira de “experiência com o ídolo” como muitas outras que acontecem no mercado, porém, se analisarmos de forma mais atenta, veremos que a Adidas conseguiu atrair a atenção tanto dos que são praticantes de esportes e potencias clientes de seus produtos, como daqueles que são meramente fãs da cantora. Reparem que a alusão à chamada “treine com Anitta” não detalha como será esse treino,  permitindo que seja interpretado como alguma atividade ao alcance da maioria das pessoas, não afastando assim os que não se achem ou não estejam efetivamente em forma. Reforça a atratividade da ação as demais experiências com a cantora que serão proporcionadas aos sorteados.
Os requisitos para a participação no sorteio conseguem assegurar um cunho comercial à promoção, pois só estavam aptos a participar do evento aqueles que tivessem adquirido no mínimo R$ 200,00 numa única compra. Com isso se consegue incentivar o aumento de receitas, do ticket médio e do tráfego às lojas participantes, ainda que as compras feitas pelo e-commerce fossem válidas. A oportunidade de construir um cadastro com um público novo também deve ser elencada como retorno da ação.
Em termos de imagem, a marca fica mais “democrática” ao atrair novas “tribos” e consolida o relacionamento da empresa com a cantora que data desde 2016, mas que não é da ciência de todos.
Como questionamento à ação está o fato de a artista ter no período pré-eleitoral se posicionado contra o candidato que foi eleito para a presidência do Brasil por expressiva parcela da população, o que pode ser alvo de algum tipo de rejeição, mas isso é tema para outro artigo.





terça-feira, 13 de novembro de 2018

A estratégia da precificação

Há basicamente duas formas para se formar o preço: a colocação de uma margem de lucro sobre a composição dos custos e a relação que leva ao equilíbrio da oferta/demanda. Ambas as formas precisam andar em consonância, pois não adianta ter um preço que atraia demanda se o mesmo não remunerar os custos objetivados para o projeto ser sustentável, tampouco adianta satisfazer as condições relativas aos custos se o preço inibir a demanda.
São conceitos bem básicos, mas que acabam adquirindo certa complexidade, visto ser a precificação um dos componentes que o marketing se utiliza para posicionar algum produto ou serviço no mercado. Todavia, por requerer certo embasamento em disciplinas de Economia e pelo fato de o Marketing ainda não ser entendido em sua essência, a variável preço acaba tendo um papel muito mais voltado ao operacional e como tal ficando mais vulnerável às decisões pautadas pelo desconhecimento.
Desconhecimento esse que pode muitas vezes levar a medidas que, numa situação de curto prazo e de desequilíbrio econômico, acabam gerando erros crassos, muitos dos quais irreversíveis.
Um exemplo concreto que ilustra esse tipo de situação se deu em uma  organização responsável pela gestão de um estádio de futebol, que cobrava pela emissão da 2ª via do cartão, que concede o direito a entrar e assistir os espetáculos ali realizados, um valor equivalente a R$ 1.500,00 - 4% do custo do bem. Para situar melhor o leitor, esse cartão, feito de plástico é similar a um cartão de banco, ou seja, seu custo de produção é irrisório.
Pois bem, caso o dono da cadeira tivesse sido roubado ou perdido o tal plástico de acesso e decidisse não pagar o preço estipulado, o tal assento ficaria eternamente vazio. Esta "vacância” certamente traz reflexos no consumo de alimentos, bebidas, estacionamento e demais atividades comerciais que ocorrem no estádio, pois tal assento não pode ser comercializado. 
Ou seja, ao ignorar princípios mercadológicos agem na contra mão do que fazem todos os gestores de atividades ligadas a entretenimento, hotéis e companhias áreas, onde a perda acontece quando se deixa algum espaço vago.
A possível contra argumentação de que o proprietário da cadeira poderia vir a comprar outro tipo de assento para poder assistir ao espetáculo não se sustenta, já que dificilmente alguém irá trocar um espaço mais confortável por um menos, sendo bastante provável que a pessoa venha adquirir uma assinatura de pay-per-view ou até optar por outras formas de diversão.
Como podemos ver, pelo lado mercadológico, os gestores da arena demonstraram uma enorme miopia. Além do que, não pensaram em evitar a existência de lugares vazios e não se importaram com os potenciais concorrentes como pay per view e demais atividades que propiciam lazer. Ignoraram também que hábitos costumam ser replicados, o que deixa o quadro ainda mais perigoso se considerarmos que assistir jogos em casa permite uma maior socialização e gera um efeito multiplicador. 
Deixando de lado a falta de visão de marketing, passemos ao fator razoabilidade econômica, que fica bem explícito quando se constata que, em função do monopólio, o preço praticado é bastante superior aos custos envolvidos e que esse valor não é fruto de nenhuma regulação de mercado, afinal de contas só há um demandante pelo produto: o dono da cadeira.
Realmente é bastante desolador tomar ciência que uma atividade associada ao esporte e consequentemente ao fomento da educação, não se utilize de conceitos primários de marketing e gestão.


terça-feira, 6 de novembro de 2018

As verbas de mídia



O artigo dessa semana se aproveita de uma declaração do presidente da república recém-eleito para discorrer acerca de um tema que, alimentado pela paixão e pelo desconhecimento, acaba sendo desvirtuado por uma infinidade de "palpites". Refiro-me à fala relativa à destinação das verbas federais dedicadas à compra de mídia, as quais, segundo ele, não seriam aplicadas em veículos que não se comportem de maneira digna.
Com o residual do clima pré-eleitoral ainda bastante exacerbado, encontramos a população bastante dividida, vemos os pró-Bolsonaro defendendo sua fala enquanto seus opositores - com o apoio da imprensa - se manifestam contra. As discussões, no entanto, são na maior parte das vezes desprovidas de conhecimento técnico sobre planejamento, decisão e compra de mídia.
Nesse cenário as menções à liberdade de imprensa  fundamental para qualquer regime democrático – acabam povoando o espaço que, nesse caso, deveria ser ocupado pelos fatores técnicos que norteiam a elaboração de um plano de mídia, sobre os quais discorreremos a seguir de forma bem superficial.  
No que tange aos aspectos quantitativos, o binômio "cobertura-frequência" é um dos principais  balizadores para a escolha, sendo cobertura a quantidade de pessoas que serão atingidas com aquela inserção e frequência o número de vezes que tais pessoas serão submetidas a ela. Ainda no tocante a números, o preço da inserção é outro fator de parametrização em relação à cobertura. 
Já pelo aspecto qualitativo deve ser observado o perfil do público que se quer alcançar, pois nada adianta falar com muitos, se esses não fizerem parte do público-alvo.
Levar em consideração todas essas variáveis já concederia ao plano de mídia um bom nível de retorno, contudo, esse pode ser ainda maior se a mensagem for veiculada de forma clara e crível.  O que quero dizer com isso é que deve se ter bastante cuidado para não haver “conflito de mensagens”, ou seja, é importante estar atento para que a linha editorial do veículo "escolhido" não seja tão divergente do que será "anunciado".
Isso não significa que não se deva anunciar nos veículos que criticam e/ou publicam notícias negativas, até porque essas, quando desprovidas de viés político, são importantes para se aferir a credibilidade e isenção do veículo, no entanto, o anunciante também precisa refletir se é proveitoso estar num espaço que possa de alguma forma "poluir" sua mensagem.
Como podemos ver a elaboração de um plano de mídia é um trabalho extremamente complexo e que não deve ser definido sob uma visão superficial, tampouco emocional. 
Dito isto, as críticas à declaração do presidente Bolsonaro fazem sentido, pois é mandatório que a linha de comunicação das estatais seja decidida dentro dos mais rígidos conceitos de marketing, e não pelo chefe da nação, ainda que esse possa dar sua opinião, desde que embasado de conhecimentos mercadológicos sobre cada ramo de atividade envolvido.
Por outro lado, deve ser salientado o seu acerto em desejar que as verbas publicitárias sejam direcionadas para veículos dignos. Aqui, mesmo que de forma intuitiva, o novo presidente utiliza o conceito do co-branding, que consiste no processo da associação entre marcas, de forma que se consiga conjugar os melhores atributos das mesmas e assim valorizar e gerar negócios.
A propósito, é lamentável que patrocinadores e patrocinados no esporte e na cultura não tenham na maioria das vezes essa visão.
Mas voltando à declaração do presidente, penso que a  subjetividade contida na  palavra  “dignidade” dá margem para que os menos afeitos ao marketing a enxerguem puramente como uma espécie de coerção editorial, o que é péssimo pelo ponto de vista da democracia. 
Melhor seria ficar em silêncio ou simplesmente falar que todos os custos e investimentos serão decididos tendo como base premissas eminentemente técnicas, o que, aliás, é o que se espera de qualquer instituição, seja ela pública ou privada.