terça-feira, 25 de agosto de 2015

Os números e os analfabetos


Inicialmente peço perdão pelo título que, interpretado fora do contexto, pode passar uma falsa impressão de agressividade.
A intenção é apenas mostrar que os números que constam em estudos e pesquisas precisam ser “lidos” e muito bem analisados antes de serem usados ou divulgados da forma que pareça mais conveniente.
Vou mais longe, creio que tanto a capacidade analítica quanto a habilidade numérica sejam valências indispensáveis para qualquer gestor que lide com mercado.
Como ilustração para o que pretendo abordar, usarei o “ranking nacional de venda de camisas de futebol”, que foi recentemente criado e divulgado pela Centauro, varejista do setor de produtos esportivos.
Iniciativa que julgo excelente, pois tem o poder de motivar o torcedor a consumir mais e com isso ajudar seu time na “competição” contra os rivais. 
Porém, é importante que fique claro que os números que são apresentados no ranking não devem ser tomados como um “termômetro” da popularidade e/ou do tamanho das torcidas dos clubes, visto que existem vários fatores que influenciam e contaminam fortemente os resultados apresentados, entre esses estão:
  • Disponibilidade de produtos, qualquer falta de camisa, tanto no que diz respeito a tamanho como a modelo, influencia o resultado das vendas.. 
Existem diversas razões para a ruptura de estoques, essas podem ocorrer por uma estimativa de vendas conservadora e consequentemente um pedido inferior à demanda por parte do varejista, uma produção insuficiente por parte do fabricante ou mesmo uma negociação complicada entre as partes, que pode levar a uma redução no volume da compras.
  • Promoção do produto, um produto que receba descontos, esteja bem localizado e/ou tenha a venda incentivada, terá uma demanda provavelmente superior ao que não sofre a interferência de tais ações.
  • Tempo de vida do produto, um modelo de camisa que esteja há mais tempo no mercado será menos consumido do que um recém-lançado.
  • Pulverização / Concentração da distribuição, o que quero dizer é que as camisas de times não são vendidas exclusivamente na Centauro, além do que, há uma distribuição diferente para cada time. Exemplificando, a camisa de um time X pode ser encontrada em 200 lojas, já a do time Y em 10, nesse contexto, a participação proporcional da Centauro no consumo de camisas será menor nos casos em que a distribuição seja mais pulverizada - o time X do nosso exemplo - e aumentará quando for maior a concentração.
  • Extensão de linha, um clube cuja linha de produtos se resuma a poucos itens deve ter nas vendas de camisas uma participação maior no mix de consumo do torcedor quando comparado a um clube que tenha uma variedade maior de produtos de outras categorias.
Podemos derivar ainda esse raciocínio para a relação fornecedor / varejista, já que um fabricante cuja linha de produtos contemple, por exemplo, calçados para várias modalidades esportivas, grande quantidade de produtos casuais, acessórios, etc., terá proporcionalmente uma venda de camisa de clubes para o varejista menor do que um fabricante que só venda camisas de clubes.
  • Há ainda a influência do poder aquisitivo médio da torcida, sem falar do momento esportivo de cada equipe.

Olhar os números frios referentes às vendas de camisas numa cadeia de lojas pouco acrescenta em termos de gestão, caso esses não venham acompanhados de outros referentes a estoques, preços, portfólio por fornecedor e por clube, entre outros.
Dessa forma, tomar decisões ou mesmo noticiar números sem uma correta análise, deixam o título do artigo bem apropriado, com todo respeito.






terça-feira, 18 de agosto de 2015

Quem sabe no carnaval?


O noticiário na época de carnaval costuma repercutir extensas discussões sobre os corpos das musas e rainhas das escolas de samba. 
Além do quesito beleza, polêmicas sobre a maneira com que os corpos chegam naquele padrão geram conteúdo para extensas reportagens com as próprias protagonistas e com os "especialistas" afins ao tema.
Nas últimas edições as polêmicas giraram em torno da aplicação de silicone e outras substâncias sintéticas nas nádegas e pernas das modelos, as quais negaram veementemente mesmo diante do parecer dos cirurgiões plásticos consultados e das críticas.
Nos anos anteriores, os corpos “definidos” também receberam críticas, porém com alegações mais ligadas à masculinização e/ou ao suposto uso de esteróides anabolizantes, prática que, pelo que parece, está sendo até mais tolerada por parte da opinião pública.
Ah, como sempre, a grande maioria também negou tal artifício.

Todas essas observações servem de introdução para discutirmos um problema gravíssimo no esporte, o uso do doping.
Isso porque, a postura dos que se dopam costuma ser bem similar à das musas, aproveitam a repercussão do sucesso e negam todas as acusações, ou pior, citam que usaram o "produto" sem intenção ou sem saber que continha substâncias proibidas.
A diferença se dá em relação aos exames, já que as "modelos" não são submetidas a testes, ao contrário dos atletas, se é que assim podem ser chamados.
Mesmo assim alguns conseguem se esquivar dos mecanismos de detecção e passam incólumes aos controles, graças a "sorte", sofisticação das drogas ou pouco rigor nos testes.
Ou seja, é possível se dopar, ser vencedor, usufruir dos benefícios e nada acontecer, assim como as musas dos anabolizantes, cujos prêmios surgem na forma de contratos em função da maior popularidade e espaço na mídia.


Diante desses fatos, tenho refletido bastante sobre como ficaria o esporte se o doping fosse liberado e fizesse com que o "atleta" passasse a ser uma espécie de cobaia ou protótipo para, digamos, o desenvolvimento e aprimoramento da raça humano.
Se ele, mesmo consciente dos riscos que corre, optar pelo caminho do doping, pelo menos não o estaria fazendo de forma oculta.
Creio que dessa forma as competições poderiam ser mais justas e talvez até mais atrativas, pois o público não se sentiria enganado ao acompanhar, torcer e consumir aquele esporte, tampouco o patrocinador ficaria receoso de associar sua marca a modalidades com “fama ruim”, nem a competidores que enganem seus fãs e usufruam de premiações de forma desonesta.

Evidentemente, discordo veementemente de toda essa argumentação, visto que a mesma não contempla os princípios básicos do esporte nem os riscos de sua continuidade, afinal de contas, poucos pais se sentirão encorajados a colocar seus filhos para praticar atividades desportivas sabendo que essas, evoluindo para o alto rendimento, poderão levá-los ao mundo das drogas, mesmo que não sejam as sociais.
Acho, no entanto, que o paralelo abordado serve para reforçar que o esporte não é uma atividade apenas de celebração, pois envolve valores nobres e que qualquer ato de desonestidade fere os princípios que fazem da atividade uma ferramenta de fomento social e educacional.

Dessa forma, sugiro aos que não se importam com os meios que usarão para serem destaques em alguma atividade que atraia holofotes, mídia e dinheiro, que direcionem sua carreira para algo em que o uso de qualquer substância “discutível” não traga maiores transtornos ao público, patrocinadores e organizadores. Quem sabe o carnaval?










terça-feira, 11 de agosto de 2015

É possível torcer e ser coerente?

Creio que não haja dúvida de que o esporte tem uma forte relação com a paixão, e que essa, por sua vez, tem a capacidade de prejudicar a visão e até de cegar.
Poucos admitirão perante a um torcedor “rival” que seu clube é pior do que o dele, mesmo que para isso seja necessário resgatar argumentos e dados históricos de um passado distante ou ainda “deturpar um pouco” esses dados. Faz parte...
Talvez, no calor da paixão, possa também ser aceitável que lances iguais recebam interpretações diferentes, no que tange ao rigor da arbitragem, apenas em função de quem seja o beneficiado naquele momento.
Entretanto, existem situações que, por afetarem a sustentabilidade da gestão, não há espaço para posições passionais. Refiro-me aqui, principalmente, à gestão de recursos econômico-financeiros.

Mas antes de desenvolver o tema, abrirei um pequeno parêntesis para falar de política.
Em todo e qualquer processo eleitoral, vemos acusações da oposição – independente a qual partido pertença – sobre o uso eleitoreiro da máquina pública, dos gastos em ações que têm como objetivo a “compra do voto” e outras coisas do gênero.
Esses eleitores oposicionistas pregam que o dinheiro recolhido pelo governo deveria ser direcionado a ações estruturais. Estão certos!
Entretanto precisam ter em mente que ações estruturais não são somente as que lhes beneficiam...
Paro por aqui, pois não pretendo transformar esse espaço num ambiente de debate político.

Voltemos então para a gestão esportiva e, dentro dessa linha de custos ou investimentos (apesar de serem diferentes, esses se confundem quando há interesses em jogo) encontramos dirigentes que, para ficar bem com a torcida/eleitores, gastam as verbas da instituição na contratação de jogadores e pagamentos de salários sem o devido comprometimento com a sustentabilidade e com o lado estrutural da instituição.
Evidentemente, a maioria dos torcedores do clube com tal tipo de dirigente ficará feliz com as prováveis conquistas e apoiará a iniciativa do gestor, mesmo que as finanças sejam comprometidas e levem o clube a situações complicadas no futuro.
Analisando os dois casos isoladamente, o dos oposicionistas às ações ditas “eleitoreiras” do governo e o dos torcedores felizes com as contratações que aumentam as chances de conquistas de seus clubes - mas também afetam o orçamento do clube -, podemos achar que são situações perfeitamente normais, afinal, todos têm o direito à opinião.
Mas para chegarmos ao cerne do artigo, precisamos considerar que há uma interseção entre o grupo de oposicionistas e o grupo de torcedores. 
Daí surgem as dúvidas em relação aos participantes desse novo conjunto: 
Seria ele como “torcedor” um ser irresponsável em relação ao futuro do seu clube?
Seria ele como “eleitor oposicionista” um ser extremamente preocupado com o futuro da nação?
Ou as pessoas simplesmente defendem o que lhes convém num dado momento?
Seja qual for a resposta – creio que todas trazem a marca da incoerência – elas nos dão uma boa noção do quanto é difícil gerir organizações em que a paixão e interesses de curto prazo falam mais alto do que a racionalidade e cegam quanto à existência do futuro.


terça-feira, 4 de agosto de 2015

Mercado paralelo

Antes de iniciar esse artigo, que acredito ser polêmico, convém deixar explícito que o mesmo não pretende de forma alguma ir contra leis e regulamentos, os quais devem sempre imperar, mesmo que questionáveis por alguns prismas.
A ideia do texto é simplesmente provocar a reflexão sobre o tema.
Comecemos então, pegando como exemplo um vendedor de refrigerantes na praia e veremos que o preço cobrado pelos produtos costuma ser superior ao praticado no botequim próximo.
Provavelmente alguns argumentarão que o vendedor precisa auferir lucros na sua atividade, o que é verdade, até porque existe a possibilidade dele não vender todo o estoque adquirido previamente e ter prejuízo na operação, além do que, é facultada ao frequentador da praia a opção de não comprar ou mesmo adquirir o bem em algum estabelecimento próximo.

Em resumo, o consumidor está pagando mais caro pela conveniência de ser atendido sem se locomover e não precisar levar recipientes para a praia, ou seja, o vendedor ambulante agrega valor ao produto que vende com seu trabalho de transportá-lo em boas condições até o consumidor.

A partir daí podemos derivar o raciocínio para um espetáculo esportivo, desde que o cambista corra o risco de não vender os ingressos adquiridos e que a oportunidade dele comprar o tal ingresso seja igual à de qualquer espectador.
Dessa forma, remunerá-lo pelo trabalho de “encarar” uma fila - mesmo que virtual - e pelo risco de não haver demanda para o estoque que adquiriu não me me parece injusto.
Que fique bastante claro que essa argumentação só se sustenta se o tal cambista não tiver uma condição especial de compra que venha prejudicar àqueles que optarem por realizar por contra própria a aquisição dos bilhetes, ou seja, é inadmissível que a compra seja ilimitada ou que seja feita antes da abertura oficial da operação.
Apesar de o raciocínio parecer simples e efetivamente até é, não podemos ficar cegos de que certamente surgirão num cenário como esse, os “mal-intencionados” que tentarão burlar as condições estabelecidas, furando filas, organizando esquemas com os emissores e detentores dos ingressos, ou mesmo falsificando os bilhetes.

Por mais mecanismos de controle que possa haver, essa é uma realidade, infelizmente, incutida em todos os setores da sociedade, não apenas no esporte.
As diferenças podem até ocorrer no âmbito dos países, tanto por uma questão de educação como, principalmente, pelo grau de impunidade.
Sendo assim, caberia aos órgãos competentes punir qualquer iniciativa de fraude.

Por fim, reforço que mesmo com toda argumentação pró-liberação de um cambismo regulado, penso que a lei deve ser cumprida e que tão errado quanto o cambista que hoje vende ingresso nas cercanias dos estádios, está quem compra, afinal de contas, se não houvesse o consumo, não haveria razão da venda.

Mesmo porque a maioria dos modelos de associação do torcedor traz como benefício regalias na aquisição do ingresso.