terça-feira, 27 de junho de 2023

Hoka - uma estratégia de sucesso

Alguém já ouviu falar na marca de calçados esportivos Hoka? Provavelmente poucos, mas vale conhecer a respeito, principalmente em função da estratégia mercadológica utilizada, a qual reputo como excelente.
Criada em 2009 por Jean-Luc Diard e Nicolas Mermoud, a Hoka surgiu em função do entendimento de que os aspectos tecnológicos não eram explorados em sua plenitude pelas marcas de calçados esportivos. 
A partir dessa identificação de oportunidade, os dois fundadores buscaram desenvolver um produto investindo fortemente em inovação e abrindo mão até da estética. 
Embora a trajetória da marca traga inúmeros fatos interessantes, vamos pular para 2012, quando a Deckers comprou a Hoka.
Os valores envolvidos na aquisição não foram divulgados, mas sabe-se que a Hoka tinha na época um faturamento anual de US$ 3 milhões.
Ao contrário do que costuma acontecer nas operações de M&A (fusões e aquisições) que envolvem marcas com elevado potencial de crescimento, a Deckers conseguiu resistir à tentação de promover um processo de expansão veloz, optando por um desenvolvimento planejado. 
A possibilidade de uma distribuição mais agressiva foi descartada, o que deixou o produto, evidentemente, fora dos grandes varejistas. 
Ilustra essa condição, o fato de a empresa antes da pandemia ter recusado a oportunidade de estar nas lojas da Foot Locker, uma referência no setor. Situação similar aconteceu na Dick’s Sporting Goods, onde, a Hoka, antes de estar presente em 100% das lojas da rede, executa testes em poucas lojas para entender o comportamento da demanda e, dessa forma, não “queimar” a marca.
Ao invés de estar acessível a todos, a marca optou por estar nos locais voltados ao que entendia ser seu público-alvo, processo no qual as vendas diretas tiveram substancial importância.
Entre as razões que levaram a essa estratégia, destacamos:
  • criar a sensação de ser um produto para poucos. Para isso se utilizou do conceito que chamamos de marketing de escassez, no qual, no caso da Hoka, mais do que provocar o senso de urgência e incentivar a compra imediata, fez com que a marca ficasse associada a algo com o cunho de "exclusivo".
  • ter um melhor controle sobre os preços praticados, visto que a baixa disponibilidade/oferta propicia melhores condições para se estabelecer um posicionamento premium com reduzido risco de eventuais promoções por parte do varejo.
  • fortalecer a identidade da marca, proporcionando condições de se criar uma liderança de conceito na mente do seu público-alvo, liderança que, naturalmente, chegará a uma gama maior de pessoas, principalmente através do boca a boca. 
Evidentemente, como citamos no início, há uma preocupação grande com o desenvolvimento do produto e seus aspectos tecnológicos , afinal de contas, a busca por um crescimento sustentável carece de um bom marketing, o qual se beneficia quando lida com bons produtos/serviços. 
Desse modo, podemos concluir que a estratégia da Hoka nos fornece um excelente benchmark ao mostrar que a visão de longo prazo é fundamental para uma boa gestão.
Corrobora para essa conclusão a evolução das receitas da marca: em 2017, cinco anos após a aquisição pela Deckers o faturamento ultrapassou os US$ 100 milhões, já no último ano fiscal, finalizado em 31 de março de 2023, atingiu US$ 1,4 bilhão.

terça-feira, 20 de junho de 2023

Marketing em cartéis

Como acontece no mercado automotivo, os lançamentos de produtos esportivos costumam acontecer numa frequência que permita o consumo recorrente não apenas por uma questão de desgaste do produto anterior, mas também para manter o cliente "atual".
Importante frisar que essa atualização não diz respeito apenas à inovação técnica, visto que essa costuma ser menos perceptível para grande gama dos consumidores.
As camisas de clubes de futebol exemplificam bem esse processo de “atualização”, pois, mesmo respeitando as cores de cada equipe, novos modelos são lançados a cada temporada.
Contudo, se não bastasse esse incentivo relacionado à “atualização” como forma de geração de valores, as três grandes marcas: Adidas, Nike e Puma anunciaram aumentos nos preços das réplicas das camisas dos clubes europeus que vestem/patrocinam para a temporada 2023-24.
O aumento dos custos em função da guerra entre Rússia e Ucrânia embasam as justificativas dos aumentos, os quais apresentam percentuais diferentes entre as marcas, fatos que afastam qualquer suspeita de cartelização, todavia, vale aqui explorar o tema a título de provocar a reflexão sobre o assunto e suas implicações no mercado.
O que vem a ser um cartel? Sem descer às definições jurídicas da prática, podemos conceituar o cartel como um processo de cooperação entre empresas, de forma a facilitar o controle do mercado através da imposição de preços, o que, além de trazer impactos ao cliente, seja o varejista ou o consumidor, prejudica também a concorrência.
Embora a “combinação de preços” seja a faceta mais comum dos acordos de cartel, há também a divisão de clientes e mercados entre os participantes, algo na linha de estabelecimento de regiões e canais de atuação.
Para os gestores de marketing, a prática, quando se restringe apenas à “combinação” do preço não difere do cenário em que os preços são tabelados, o que faz com que sobrem apenas três dos quatro Ps para serem trabalhados - produto, ponto e promoção.
Essa situação nos remete ao mercado de distribuição de derivados de petróleo até os anos 90 no Brasil, quando os produtos eram os mesmos, o preço máximo tabelado e havia um fornecedor único (isso não mudou). Imaginem o quão desafiador era esse cenário para os gestores de marketing, que tinham que direcionar seus esforços na prospecção e retenção de bons pontos, na incorporação de serviços que deixassem menos desagradável o ato de abastecer, no posicionamento e na divulgação da marca.
Já quando há também o “acordo” em relação às áreas de atuação, gerando uma espécie de reserva de mercado, a gestão de marketing fica ainda mais difícil, pois remete o mercado a quase que uma situação de monopólio, todavia, ainda assim o marketing é de fundamental importância para combater os concorrentes indiretos.
Antes de finalizar o artigo, deve ficar bastante claro que há uma enorme diferença entre cartel e relacionamento entre concorrentes. Enquanto o primeiro é considerado crime contra a ordem econômica no Brasil, o segundo, caso tenha um cunho de trocar experiências sobre fornecedores e clientes, pode trazer benefícios e até combater eventuais “cartéis” que possam estar surgindo no outro lado mesa de negociação, o qual pode ser ocupado pela indústria ou pelo varejo.



terça-feira, 13 de junho de 2023

A onda árabe

Os que acompanham mais de perto o futebol certamente estão vendo um movimento de contratações milionárias pelos times da Arábia Saudita. Cristiano Ronaldo saiu do Manchester United, Benzema do Real Madrid e Kanté do Chelsea para jogarem no futebol asiático, sendo que o salário desses dois últimos somados, segundo se especula, é maior do que a folha de sete times da Premier League da Inglaterra. 
Na verdade, a onda de investimentos no futebol por parte de países sem tradição na modalidade não é algo inédito. Já aconteceu no Japão, nos Estados Unidos inicialmente com o Cosmos de Pele e posteriormente com a criação de uma liga nos moldes das demais modalidades de esportes profissionais no país, na China e agora na Arábia Saudita.
Ainda que sejam movimentos parecidos, afinal os investimentos focam a contratação de jogadores e, algumas vezes, a busca por sediar competições importantes, no caso da Arábia Saudita a situação é um pouco diferente.
Vale adiantar que não discutiremos aqui questões políticas, tampouco focaremos o marketing sob o prisma da associação do esporte com entidades que se utilizam de práticas que contrariam os valores embutidos na atividade.
Também não creio que valha a pena debater no momento a eficácia da iniciativa no que tange ao desenvolvimento do futebol na região.
A ideia aqui é mostrar o aspecto estratégico envolvido na ação. 
Detentora da segunda maior reserva do mundo, atrás apenas da Venezuela, a Arábia Saudita tem o petróleo como responsável por 42% do PIB, 87% das receitas orçamentárias e 90% das receitas com exportação, o que denota uma extrema dependência dessa fonte.
Atento ao risco, o príncipe herdeiro do país anunciou em 2016, o plano Saudi Vision 2030, que tem como foco aumentar o comércio e o investimento não petrolífero no país, privilegiando setores como esportes e entretenimento. 
Já como frutos do plano, podemos citar, entre outros, além das contratações citadas acima:
  • A compra do Newcastle United FC por US$ 408 milhões em 2021.
  • O contrato de US$ 650 milhões com a Fórmula 1,  que garante a realização do Grande Prêmio da Arábia Saudita anualmente. 
  • A realização de eventos de boxe que, segundo comentam, custaram US$ 150 milhões.
  • A aquisição da ESL Gaming, uma das maiores entidades de eSport do mundo por US$ 1,05 bilhão, além da compra da FACEIT, uma das maiores organizadoras de torneios de eSports por US$ 500 milhões, operação que redundou na fusão entre as  duas empresas para formar o ESL FACEIT.
  • Uma espécie de estatização que envolveu quatro clubes, três dos quais abrigam os jogadores mencionados no primeiro parágrafo.
Gratifica ver que, diante de inúmeras oportunidades de investimento, o esporte foi uma das opções adotadas para geração de receitas.
Trazendo para o universo corporativo, a Arábia Saudita agiu como uma empresa que tem um único produto, o qual, por sua vez, é comprado por poucos clientes que proporcionam ótimas receitas. Preocupada com a dependência, resolve sair da zona de conforto e desbravar novas oportunidades, criando assim alternativas para o futuro.




terça-feira, 6 de junho de 2023

O que o cliente quer?

Lenda ou verdade, a solução supostamente sugerida por uma faxineira de uma empresa fabricante de creme dental para incrementar suas vendas costuma povoar palestras e citações em função de sua originalidade e, sobretudo, simplicidade: “basta aumentar o furo por onde sai o produto, que o consumo aumentará”. Se é que a frase foi dita ou se foi efetivamente com essas palavras, não sabemos ao certo, apostaria que não, visto já ter ouvido algo similar, mas tendo como autor alguns executivos de outros cargos.
Ainda que possa ser lenda, a solução não surpreende, visto existir vários executivos que, ao invés de considerar a satisfação do cliente, priorizam suas vendas e lucros, pouco importando se esses serão perenes.
Lembro-me de uma passagem em que um dos proprietários de uma empresa ficou indignado com a proposta do diretor de marketing em colocar um “dosador” no produto, pois críticas ao desperdício tinham sido detectadas em pesquisas. O tal “dono”, como se fosse o gênio da gestão, explicou visivelmente contrariado que a forma que adotavam fazia com que o cliente “gastasse” mais e que tinha ficado rico com o produto naquele formato, sendo apoiado por seu séquito de bajuladores. Hoje o produto tem uma participação ínfima de mercado.
Na contramão dessa prática, temos a Heinz, marca de alimentos, que lançou nos Emirados Árabes uma embalagem para o ketchup, que visa eliminar justamente o desperdício. Denominada de Ketch-Up & Down, ela pode ser aberta por cima ou por baixo.
A engenhosidade em si, apesar de inovadora, tem como principal ponto de destaque, a atenção que é dedicada pela empresa às necessidades do consumidor por entender que a satisfação propiciada contribuirá para a fidelização do cliente.
Esse movimento, que parece ser uma tendência, tem sido encampado pelas empresas com foco realmente em marketing, as quais investem fortemente na coleta de dados sobre os hábitos e necessidades dos seus potenciais clientes para desenvolverem soluções que venham satisfazê-los e assim mantê-los.
Há, no entanto, que se tomar o máximo de cuidado ao tratar as informações coletadas, pois, caso não haja um tratamento estatístico aos dados apurados, uma simples menção em alguma rede social pode vir a se tornar um deflagrador de processos custosos, quando na verdade não representa a mínima significância.
Sendo impossível agradar a todos, é fundamental que as formas de identificação das necessidades dos clientes considere o contingente de reclamações e, sobretudo, o fato de que, geralmente a satisfação é silenciosa. É preciso ponderar que, num universo em que 10% dos clientes reclamam, existe a possibilidade de haver 90% satisfeitos e, que eventuais mudanças, podem inverter a proporção dos que reclamam.
Portanto, tão importante quanto identificar os anseios dos potenciais clientes é avaliar o quão representativos são os que sugerem e reclamam, ressaltando que, independentemente das mudanças a serem implementadas, a negligência em nome da lucratividade é o mal maior.