terça-feira, 31 de outubro de 2023

Falando com a imprensa

 
Falar com a imprensa, ainda mais numa sociedade em que as redes sociais são utilizadas por muitos para divulgar a parte que interessa -, tirando do contexto a essência da declaração – se tornou uma atividade de alto risco.
Evitar que os cortes existam é impossível, resta confiar na integridade dos disseminadores e torcer para que o judiciário faça sua parte.
Mesmo ciente dessa realidade, cabe aos “entrevistados” cuidado com o que será dito. Nem vou descer à esfera política, pois ali, talvez, inebriados pela sensação de poder, o festival de declarações inadequadas beira o absurdo, independentemente de ideologia, partido ou qualquer outra segmentação que se queira adotar para alimentar a polarização.
Prefiro focar o esporte, mais precisamente o futebol, em função de duas entrevistas relativamente recentes que renderam contundentes comentários.
Uma com o ex-técnico do Botafogo que, após um mau resultado, enumerou os títulos que já tinha conquistado em outros times, mesmo sem ter sido perguntado a respeito, supostamente querendo provar sua capacidade em função do histórico escolhido.  Além de feio pela demonstração de insegurança, fez subentender que, sendo ele tão bom, o problema era causado por outros, o que certamente azeda o clima. 
Não satisfeito com essa pérola, ainda colocou o cargo à disposição como se essa decisão pertencesse a ele. Será que não consegue entender que o cargo é da organização, sendo ele um mero ocupante que pode sair a qualquer momento a despeito da própria vontade.
A outra entrevista polêmica aconteceu com a presidente do Palmeiras que, revoltada com os protestos, desandou a se vangloriar usando as conquistas da sua gestão e explicitando que o Palmeiras devia ser grato a ela.
Em relação à gratidão, podemos até concordar, afinal, trabalhar de graça para alcançar a felicidade de muitos é algo elogiável. Só faltou entender que gratidão não se cobra.
Mas não parou por aí. Reclamou que pessoas sem capacidade e que não têm condições de avaliar uma gestão lhes teciam severas críticas. De fato, incomoda ler e ouvir manifestações contundentes, aditivadas pela paixão e pelo desconhecimento dos meandros de um clube. Todavia, uma coisa é se incomodar, direito de todos, outra é explicitar essa insatisfação desqualificando os críticos.
No festival de ataques, houve uma fala que deve ser exaltada, ainda que fuja do objetivo do texto: o questionamento a um jornalista que citou as receitas de um clube rival como parâmetro de avaliação.
Baseado em “factóides” plantados pela gestão do adversário, o jornalista "esqueceu" de apurar a veracidade dos valores e foi confrontado pela presidente. Importante que se registre que a prática de majorar números é usual no segmento esportivo. Há contratos de fornecimento de material esportivo, cuja divulgação, aliás proibida, leva em consideração números que, além de contrariarem técnicas contábeis, ainda incluem ganhos com premiações como se o clube fosse vencer todas as competições que disputar.
Feito o desabafo, voltemos à falta de habilidade daqueles que falam com a imprensa. Quais seriam as causas de tamanha inépcia? Falta de um bom assessor de imprensa?
Ainda que seja uma possibilidade, não creio que isso ocorra na maioria dos casos, principalmente em relação aos citados no texto. Na minha opinião, tal fenômeno tem como causa principal a prepotência de se achar acima do bem e do mal, temperado, evidentemente, por inseguranças que habitam o subconsciente.
Como evitar?  Embora não seja fácil, principalmente em situações nas quais as emoções afloram, um bom treinamento e uma preparação na qual se debatam com entes “confiáveis” as mensagens a serem passadas certamente ajudam no processo.





terça-feira, 17 de outubro de 2023

Corra e olhe o céu

O processo de criação das camisas dos clubes de futebol passa originalmente por algum fator de inspiração. Na maioria das vezes, algo associado às conquistas e datas comemorativas, inclusive de alguns campeonatos.
A adaptação aos dias atuais de algum uniforme antigo, frases marcantes bordadas na parte de trás do colarinho e/ou cores alternativas que guardem algum tipo de relação com o clube, costumam ser as soluções de conceituação mais frequentes.
Difícil sair desse universo, tanto pelo risco de as camisas não caírem no gosto do torcedor, quanto pela complexidade de buscar algo, para usar um termo “modinha”, disruptivo.
Sobre as críticas quanto à estética, tenho a percepção de que elas sempre irão existir – nunca vi unanimidade -, porém, assevero que a demanda desse tipo de produto se dá muito mais em função do momento do time que propriamente pela estética, afinal, o torcedor não compra a camisa do seu clube para combinar com a calça ou qualquer outra peça de vestuário.
Já a busca pela inovação, mais um termo atual, requer muito conhecimento da história do clube, e quando falo de história não me refiro apenas à esportiva. É fundamental pesquisar e conhecer as diversas interações da instituição dentro do cenário socioeconômico do país e do mundo, sua relação com a cultura e elencar os torcedores que, de alguma forma, são referências em suas atividades.
Não é tarefa fácil, aliás, nada é fácil para o Fluminense.
Mas lá vem você de novo encaixando o Flu em tudo! Certamente alguém pensou nisso ao ler a menção ao Fluminense.
Só que nesse caso há uma boa justificativa para a citação, visto o clube ter saído do lugar comum da busca pelas inspirações ao trazer como mote para sua terceira camisa um de seus maiores torcedores: Cartola, fundador da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, que empresta suas cores à nova camisa.
Além da homenagem ao ícone tricolor, a camisa consegue quebrar paradigmas ao juntar um clube, visto como elitizado, com a escola de samba mais popular do Brasil. Outro fato digno de destaque é a materialização da união entre música e futebol, a qual pode ser constantemente notada através dos cânticos entoados pelas torcidas nos estádios, porém, poucas vezes consolidada e oficializada como fez o Fluminense com Cartola.
Se isso tudo não bastasse, há ainda a menção à música “Corra e olhe o céu”, do próprio Cartola que, num ato visionário, tem na sua letra uma menção à nova camisa do Fluminense: 
Linda
No que se apresenta
O triste se ausenta
Fez-se a alegria



Ingresso para a final

O aumento nos preços dos ingressos para as finais das competições de futebol no Brasil tem causado uma grande comoção popular.
As manifestações partem de torcedores que sentem no bolso a majoração, da imprensa que levanta teorias sobre a elitização do futebol, dos “especialistas” em gestão esportiva questionando a precificação. O que não falta é opinião.
Faltam, entretanto, avaliações mais estruturadas sob o prisma microeconômico, as quais, ainda que não tragam certezas absolutas, seguramente ajudariam nos processos de precificação.
Sem a menor pretensão de usar o artigo para discorrer sobre princípios microeconômicos, vamos abordar a seguir, de maneira bem superficial, a sensibilidade de consumo diante da variação de preço, a qual permite segmentar os produtos em elásticos e inelásticos.
Os elásticos são aqueles sensíveis à alteração de preço em um mercado normal de oferta de produtos, isto é, que não haja escassez  e abrigue bens que possam substitui-los. Carnes de primeira, que podem ser substituídas por carnes menos nobres e manteiga, que pode ser substituída por margarina exemplificam com propriedade os produtos elásticos.
Já os inelásticos são os que não sofrem variação de demanda mesmo que os preços sejam alterados. Esses são representados por remédios e itens de primeira necessidade, tais como água, feijão, sal etc.
Quando o resultado da equação abaixo supera 1, o produto é elástico, já quando for inferior a 1, é considerado inelástico.
Não entraremos aqui nos conceitos de elasticidade cruzada de demanda – influência da modificação do preço de um produto sobre a demanda de outros -, pois, para isso precisaríamos nos deter mais detalhadamente nas diferenças entre bens substitutos - aqueles que podem substituir outro que tenha os preços majorados – e bens complementares, que ao terem seu preço reduzido aumentam a demanda de outro sem ter seu consumo abalado. Além do que, tal profundidade pouco agregaria para a avaliação do preço do ingresso.
Vale assim focar a análise da elasticidade do ingresso considerando ser esse um produto em que há limitação de oferta, afinal é finito o número de assentos, o que faz o produto se diferenciar daqueles cuja disponibilidade é maior. 
Em jogos de importância menor, podemos até vir a concluir que o ingresso é um produto elástico, vide as promoções que acontecem em algumas partidas. No entanto, no caso de uma final como será a da Libertadores 2023, aditivada por acontecer no estádio mais emblemático do mundo e por colocar frente a frente clubes que formam uma das maiores rivalidades da América do Sul – Fluminense e Boca Juniors -, não há dúvida de que o ingresso se trata de um bem inelástico, principalmente no curto prazo quando ocorre uma corrida desenfreada pela compra assim que as vendas começam.
Essa condição de escassez, quando aplicada a qualquer outro segmento, inclusive em ingressos para eventos culturais, costuma levar os gestores de marketing a decidirem que a adoção de uma estratégia de preços premium seja a mais apropriada, uma vez que, dessa forma consegue se obter um nível máximo de receitas com taxa de ocupação dos assentos tendendo a 100%.
Porém, estamos falando de futebol que, por mais que necessite ser gerido de forma profissional, não pode prescindir dos torcedores, visto serem eles atores de vital importância tanto no que diz respeito à atmosfera do espetáculo, como também como fator influenciador de motivação aos jogadores.
Portanto, o grande desafio do gestor de marketing no que tange à precificação é encontrar um valor que contemple a lucratividade e atenda os objetivos mercadológicos, necessitando, no caso do futebol, uma atenção redobrada ao desempenho esportivo, o qual costuma sofrer influência da torcida. Para isso, a utilização de conceitos econômico-financeiros não pode jamais ser negligenciada, tampouco o profundo conhecimento acerca do mercado em que está atuando.







terça-feira, 10 de outubro de 2023

A identidade é fundamental

Um dos grandes desafios de qualquer nova categoria de produto é vir a se tornar conhecida, ou seja, de nada adianta proporcionar uma ótima relação de custo/benefício ao consumidor final se esse não o identifica.
O mercado de fundos de private equity, por exemplo, ilustra bem a mensagem do parágrafo anterior, pois, ainda que seja uma interessante modalidade de investimento, grande parte do potencial público não a conhece e, mesmo quando tem ciência sobre o “produto”, não sabe como e/ou onde investir.  Quando me refiro ao público potencial, incluo os investidores, os agentes responsáveis pelos investimentos destes e os formadores de opinião.
Superada a etapa do aculturamento, vem a fase de decisão, isto é, avaliar se vale incluir essa modalidade de investimento na carteira e, se sim, em que percentual de participação.
Mas onde investir? Onde é mais fácil operacionalmente fazer o aporte? Nos fundos com teses em que o investidor acredita e se identifica? Em gestoras com uma boa área de research – que é mais assertiva na escolha dos deals? Ou nas que têm um departamento de execução experiente e capacitado a contribuir na criação de valor e melhoria dos resultados das investidas? 
Se quisermos ser mais criteriosos podemos incluir muito mais atributos nesse processo de escolha, tais como transparência, confiabilidade nos sócios etc.
Cabe às instituições financeiras descobrir quais são realmente suas vantagens competitivas, evidentemente comparando-as com as da concorrência, entender qual público deve ser buscado e encontrar um posicionamento que lhe permita ser percebida como uma referência em algum atributo valorizado. 
Evidentemente, a metodologia sugerida acima foi simplificada para facilitar o entendimento e não deixar o texto muito detalhista.
Todavia, o processo de se posicionar e de se diferenciar está longe de ser considerado fácil, até porque, muitas vezes os próprios potenciais clientes não têm a consciência prévia do que os levará a escolher um produto – isso vale para todos os setores. Essa operação se torna ainda mais difícil quando as instituições não dão a mínima importância para isso, focando simplesmente a conquista de clientes no relacionamento pessoal, esquecendo que muitos concorrentes também têm amigos e que a disputa pelo mercado não pode ficar restrita ao “quem é mais amigo”.
Parecem não se importar em terem uma identidade!
Aqui, vale ressaltar que uma área comercial tem muito mais efetividade quando respaldada por uma área de marketing bem estruturada/preparada, sendo a recíproca totalmente verdadeira, isto é, de nada adianta um bom marketing se as práticas comerciais são ruins e baseadas apenas no relacionamento.
A referência ao private equity no presente artigo tem como intuito mostrar a importância da identidade em um mercado relativamente novo e com pouca tradição no uso do marketing, todavia, a pouca atenção a esse fator não é exclusividade do citado mercado.




terça-feira, 3 de outubro de 2023

Profusão de X

Atrasado, reconheço, falarei sobre a mudança da marca Twitter para X, prometo não me estender na avaliação a respeito, pois, muito já foi discutido.
Acho bastante salutar os devidos processos de branding ou rebranding, razão pela qual deveria estar defendendo a ação implementada, no entanto, tal processo exige o cumprimento de etapas que abrangem o desenvolvimento do produto/serviço/organização, definição de identidade e de posicionamento. Todas elas requerem estudos minuciosos e tempo, o que não aconteceu no caso do Twitter, ou X.
A argumentação de que a alteração se trata de um passo inicial para o movimento de se transformar em um novo aplicativo, ainda que guarde alguma coerência, não se sustenta pelo prisma de marketing.
Na verdade, parece haver uma certa obsessão pelo X por parte do novo proprietário do Twitter, aliás, não só por parte dele.
Inúmeras empresas, pelas mais diversas razões estão optando por acrescentar o X ao nome original ou criando nomes que contenham a consoante.
Quem não se lembra das empresas do Eike Batista, EBX, OGX etc.? A justificativa era de que o X remetia à multiplicação.
Há realmente uma infinidade de significados e interpretações para a letra.
Uns interpretam como algo misterioso ou desconhecido, tanto que em álgebra a letra costuma identificar a variável a ser descoberta. Por outro lado, há também os que associam a algo conhecido. Quem nunca viu um mapa com um X marcado para a definição de um local?
Não nos esqueçamos do X como assinatura de analfabetos, como forma de apontar que uma questão está errada, como substituição da palavra Cristo (Xmas no Natal) e até para simbolizar beijo em e-mails.
Há certamente inúmeros outros significados que, dependendo da criatividade do “desenvolvedor” de alguma marca assim como da vontade do responsável pela aprovação, passam a ter uma história a ser contada.
Esse cenário, sem unanimidade, parece indicar que o processo criativo passa principalmente pela questão de convicção do profissional de criação ou, quem sabe, de algum não profissional que se considere criativo.
Importante também mencionar as soluções de grafismo que embasam algumas' construções de marca, vide a FedEx, cuja junção do E com o X remete ao formato de uma seta, simbolizando rapidez.
Embora estejamos focando a letra X, é importante ressaltar que várias marcas consolidadas e famosas só costumam ser entendidas após a devida explicação.
Vocês sabiam que a forma da marca de computador VAIO tem como intenção transmitir na primeira sílaba, através do símbolo ~ a vertente analógica e na segunda com I O, a referência digital (binário 1 e 0)?
E que as antigas testeiras das lojas de conveniência am pm tentavam remeter às diversas fases do dia do amanhecer à noite?
A seta que une as letras A e Z na logo da Amazon não tem como intuito mostrar uma carinha feliz ao contrário do que muitos imaginam, mas sim, demonstrar que o sortimento de produtos comercializados é abundante, tem de A a Z.
Dito isso, nada contra usar simbolismos entendidos por poucos, uma marca, no meu modo de ver, não precisa ter o entendimento geral, no entanto, essa febre de X em função de modismo parece beirar o eXagero.