terça-feira, 28 de abril de 2020

Como queríamos demonstrar

A busca por temas atuais e que fujam um pouco do que vem sendo publicado de forma massiva pelas mídias não tem sido fácil. Nesse processo de reflexão veio à tona um tema já bastante explorado nesse blog: as fontes de receitas dos clubes brasileiros, só que dessa vez o desenvolveremos dentro de um contexto que jamais foi imaginado:o cenário de pandemia.
Embora até as receitas advindas da comercialização de atletas - as chamadas não recorrentes - venham ser afetadas já que o mundo parou e vive um cenário de incerteza, nesse artigo não daremos atenção a elas, visto dependerem da formação de atletas e do nível de atratividade destes, aliados, obviamente, à capacidade de investimento do mercado.
Focando as recorrentes, começamos pelo match day que, segundo o relatório do Itaú BBA relativo aos balanços de 2019 dos principais 26 clubes do país, é responsável por 22% do total das receitas que analisaremos. Parece claro que  sem a realização de jogos esse faturamento cai para zero. 
Mesmo que incluíssemos nessa linha as receitas oriundas dos programas de associação voltados ao futebol, é de se esperar um expressivo número de inadimplentes e até cancelamentos causados não só por eventuais problemas financeiros dos associados, mas também em função dos principais benefícios desse tipo de produto serem relacionados às idas aos jogos – descontos e prioridades para comprar de ingressos -, o que deixa clara a fragilidade dos modelos de associação que vêm sendo adotados.
Passando para as verbas provenientes dos direitos de transmissão -  as maiores fontes dos clubes brasileiros (61,8%) - as notícias também não são boas.
A Globo, que detém os direitos da maioria dos clubes cancelou o pagamento previsto sob a alegação de que não tem porque pagar por algo que não está acontecendo.  Argumento que se for interpretado de forma análoga ao do match day está correto, porém é necessário conhecer o contrato para uma avaliação mais definitiva. É preciso saber como ficaram as empresas que adquiriram as cotas de patrocínio dos jogos no que tange a descontos ou reembolsos. 
Para sermos ainda mais detalhistas nesta avaliação, deveria ser apurado se as marcas que compram mídia nos programas após os jogos, os quais conseguem aproveitar um residual da audiência quantitativa e qualitativa do conteúdo anterior, estão tendo alguma espécie de dedução na negociação, já que não há jogos. 
Estes questionamentos nos ajudam a ter uma melhor noção se o corte de 100% no pagamento aos clubes foi a decisão mais adequada, lembrando que essa verba é responsável por parte do pagamento dos jogadores que, insatisfeitos com eventuais atrasos, podem através dos meios legais deixar as equipes, enfraquecê-las e, no final dessa sequencia, piorar a qualidade das partidas quando essas voltarem a acontecer, ou seja, corre-se o risco de o conteúdo da TV ficar prejudicado.
Por último temos as receitas de patrocínios (16,2%), as quais também foram afetadas com a suspensão de alguns pagamentos. Duas justificativas embasam tal decisão: (i) os problemas no fluxo de caixa de algumas das marcas patrocinadoras, o que é verdade em alguns setores que estão sem vender; (ii) a não exposição da marca, o que também tem coerência, principalmente em um mercado onde o patrocínio está prioritariamente ligado à exposição e que ignora a possibilidade de associação aos valores e ao posicionamento dos clubes. Ressalvando que parte da culpa desta situação pode ser creditada aos próprios clubes que, em sua grande maioria, comercializa o patrocínio como uma propriedade de mídia.
Essas breves observações nos mostram que o cenário não é dos melhores para os clubes brasileiros e que as práticas de gestão focavam - focam - principalmente os aspectos comerciais e táticos, sem nenhuma preocupação com a estratégia e com os prazos mais distantes. É bom que se registre que, em casos de pandemia, os danos aconteceriam de qualquer forma, porém, os mais frágeis terão maiores problemas.





terça-feira, 21 de abril de 2020

Substituiu bem?

Nos esportes coletivos é comum ouvir de comentaristas e torcedores a expressão “substituiu bem”, geralmente ela é usada para elogiar os técnicos que executaram a mudança sem a influência de motivações relacionadas a contusões ou desgastes físicos, ou seja, optaram pela mudança por razões estritamente técnicas e/ou táticas.
Essa mesma substituição, tem pelo lado dos “detratores” uma justificativa diferente: a de que o técnico escalou mal e foi obrigado a corrigir o erro posteriormente.
Difícil cravar nesses casos qual é a relação de casualidade, ambas podem estar corretas, dependerá muito da visão conceitual que se tem sobre o assunto, mas posso assegurar que não é correto pender para algum dos lados influenciados por simpatia, torcida ou qualquer outro  interesse que venha contrariar os princípios morais, isso no caso de quem os possui, evidentemente.
Tivemos recentemente uma situação similar no governo federal, na qual o presidente da república demitiu seu ministro da saúde  e, como num passe de mágica, vimos os torcedores do presidente jogarem por terra todo o discurso que construíram acerca da formação do ministério, segundo eles, constituído por “craques”. Bastaram os conflitos entre o presidente e o ministro chegarem às raias do rompimento para que os discursos e os posts com mensagens desconstruindo a outrora tão exaltada capacidade do titular da saúde passassem a habitar as redes sociais.
Sobre a demissão, adianto que minha opinião é calcada na vivência no mercado corporativo, o qual parece ser diferente do que acontece na política. Dentro dessa ótica, penso que a demissão era inevitável e, sem entrar no mérito da qualidade/capacidade do ministro, acho que ela demorou a acontecer.
É absolutamente normal haver divergências de opiniões em qualquer ambiente, sendo salutar que todas as partes sejam ouvidas e ponderadas, contudo, caso não haja um consenso, deve ser adotada a decisão do líder, afinal, os eventuais fracassos serão atribuídos a ele, daí é melhor correr riscos com suas convicções do que com as de terceiros.
Isso não significa que o liderado precise mudar seu juízo, porém, precisa estar alinhado e seguir com as diretrizes que foram definidas pelo líder, caso contrário o pedido de demissão é a alternativa que resta. Fazer por sua conta contrariando o superior é um ato de insubordinação que não deve ser admitido.
Os que estão lendo esse texto devem ter chegado até aqui um pouco confusos sobre o lado que defendo. Em alguns parágrafos podem ter achado que eu era contra o presidente, depois podem ter tido a certeza de que eu era contra as medidas de isolamento.
Para que não restem dúvidas: sou contra o fanatismo imbecil dos que só conseguem ver méritos ou deméritos dependendo da pessoa. Sou a favor, sim, dos que conseguem ver méritos e deméritos em função de atos.
Sobre o isolamento, não tenho conhecimento técnico suficiente para emitir opinião. Prefiro usar o “não sei” a ser visto como um irresponsável que faz afirmações sem base para tal.
Dito isso, fica a dúvida: o presidente escalou mal seu ministério ou substituiu bem? 




terça-feira, 14 de abril de 2020

Deixem a paixão para o esporte!

A rivalidade é um fator de extrema importância para a popularidade das modalidades esportivas e até dos negócios. Através dela é natural que mesmo os mais distantes da "disputa" acabem se interessando e de alguma forma acompanhando-a, o que, consequentemente, pode gerar mais receitas.
Respeitando os direitos das pessoas e as regras do bom convívio, é razoável supor que a paixão despertada pelas rivalidades seja salutar para o esporte, uma atividade que, mesmo tendo seus valores bem apropriados para a formação do cidadão, abriga dentro de seus seguidores um “quê” de irracionalidade, já que não existem explicações muito lógicas e objetivas para as escolhas e reações.
No mercado, mesmo sem as demonstrações de paixão, as disputas entre os concorrentes também trazem benefícios, inclusive para os consumidores em um cenário de livre competição.
Contudo, quando as paixões e rivalidades derivam para setores onde a racionalidade deveria nortear as atitudes, se entra num universo extremamente perigoso e nocivo.
Deixando de rodeios, refiro-me agora à política, um ambiente cada vez mais recheado de fanáticos que, ao invés de se guiarem por princípios, se guiam pelas iniciativas e falas dos seus “líderes”. Tudo que esses falam ou fazem é sensacional e se, por ventura, alguma falha ficar muito evidente, tentam minimizá-la e justificá-la exaltando outros feitos do seu “líder”, desqualificando aqueles que apontaram as falhas ou dizendo que outros fizeram pior no passado.
Na mão inversa, estão os que se aproveitam de qualquer fala dos “líderes” alheios para buscar algum deslize, nem que para isso precise descontextualizar o que foi dito.
Embora estejam em lados opostos, essas pessoas se caracterizam por alguns traços em comum: 
- a filosofia do "nós contra eles", onde as palavras "comunista" e "fascista" viram xingamentos sem sequer saberem o que elas significam, tampouco como elas se inserem nos contextos históricos e econômicos.
- o uso das redes sociais para divulgar aquilo que os fará ter razão em suas "convicções", pouco se importando em checar se a informação é verídica ou, pior, se aquilo não é uma tolice descomunal. Quando alertados do equívoco, simplesmente se calam, não desmentem, o que deixa clara a intenção da postagem. 
Papéis absolutamente horrorosos e que ambos os lados dizem abominar quando o outro faz, mas nem assim se policiam para não repetir.
Felizmente, as últimas pesquisas acerca da credibilidade das mídias nos mostram que as publicações em redes sociais atingiram um nível bastante baixo, o que não deixa de ser um alento no que tange ao maior grau de conscientização das pessoas. 
Resta torcer, aqui com muita paixão, para que essa conscientização leve as pessoas a entenderem que devemos defender incondicionalmente princípios e valores, ao invés de pessoas e ideologias radicais.
Para voltarmos ao esporte, assunto que iniciou o artigo, finalizaremos com uma frase de Nelson Rodrigues, dramaturgo que tinha entre suas maiores paixões o Fluminense, clube inspirador de tantas rivalidades, a ponto de ter um dos clássicos que disputa:  o fla x Flu, um símbolo de rivalidade.
"Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem."

terça-feira, 7 de abril de 2020

Avaliação de competências

Como já foi escrito aqui algumas vezes, um dos maiores desafios de um gestor é escolher os colaboradores para sua equipe.
Por mais que os processos de recrutamento e seleção venham se aprimorando, ainda é muito difícil conseguir um alto grau de assertividade nas contratações.
No que tange à avaliação das competências técnicas - aquelas obtidas através das escolas, cursos, treinamentos e vivência profissional entre outras - a situação é até bem tranquila, visto ser relativamente fácil avaliar o grau de conhecimento e experiência do candidato. O problema aqui surge quando o contratante não sabe direito o que deseja. Sim, por mais que possa parecer estranha essa observação, não é incomum encontrar esse tipo de situação.
Já em relação às competências comportamentais - aquelas que dizem respeito às atitudes e aos hábitos dos profissionais -, a dificuldade é muito maior, até porque beira o impossível identificar em poucos e iniciais contatos o caráter de alguma pessoa. Podemos fazer aqui uma analogia aos primeiros encontros entre pessoas com alguma intenção em se relacionarem, quando ambas procuram mostrar o melhor de si ocultando os lados não tão bons, ainda que muitos desses acabem sendo demonstrados de forma sútil e nos levem por momentos a desconhecer o interlocutor, porém, em função de uma atenção maior a atributos mais importantes no presente momento aqueles indícios acabam sendo relavados.  
Partindo dessa analogia,  a afirmação de Howard Gardner, um psicólogo norte-americano, parece bem coerente: "uma pessoa ruim nunca será um bom profissional."
Claro que o conceito “pessoa ruim” pode ser interpretado de várias maneiras, porém penso que esteja mais ligado ao caráter, à ética e aos princípios, ou melhor, à falta desses. Também deve ser esclarecido que mesmo os desprovidos de tais valores podem ser excelentes colaboradores no que tange aos aspectos técnicos.
Mas não seria suficiente se ter um profissional com ótimas capacitações técnicas? 
A resposta a esse questionamento não é binária, daí ter que ser iniciada com um “depende”, ou seja, se quisermos uma pessoa para simples execução de tarefas, sem perspectivas de crescimento ou cargos de liderança, a resposta é “sim”, valendo salientar que por prazo limitado, já que certamente surgirão conflitos no futuro que colocarão em risco o clima organizacional. Contudo, penso que a resposta mais adequada seria "não", pois, na minha forma de ver, o convívio com alguém que pense o tempo todo apenas nos seus interesses pessoais deixa as relações difíceis e sem a confiança necessária.
A argumentação acima não significa uma condenação perpétua para pessoas com esse tipo de perfil, até porque cabe a elas a iniciativa de qualquer movimento de mudança, o qual, por mais que pareça complexo, é perfeitamente aplicável, basta reconhecer e acreditar que no longo prazo, os benefícios à carreira e até à vida pessoal advirão principalmente do reconhecimento ao caráter.