A maior exposição dos ocupantes de cargos de alto escalão requer cuidado redobrado em relação ao comportamento e às formas de se expressar. É o que costumam chamar de liturgia do cargo. Tarefa nada fácil, até porque, a maior exposição vem acompanhada de uma maior vulnerabilidade às críticas, independentemente de quão justas e coerentes essas venham a ser.
Apesar do termo “liturgia do cargo” estar mais associado às funções públicas, ela se faz presente em todos os segmentos, o que varia é o grau de dificuldade para se mantê-la, o qual é influenciado, a meu ver, por seis grandes fatores:
- Expressão do cargo – quanto mais alto o posto, maior será a exposição. Vide, por exemplo, a de um presidente da república comparada com a de seus ministros.
- Influência da mídia – o espaço dedicado pela imprensa e pelas redes sociais costuma ser diretamente proporcional ao interesse público, o que faz com que os assuntos mais populares sejam muito mais noticiados e, consequentemente, provoque mais comentários/críticas.
- Fanatismo dos críticos – qualquer tema onde a racionalidade seja relegada a um plano inferior ao da paixão, apresenta argumentações tendenciosas, o que acaba deixando flancos abertos para reações exacerbadas e desproporcionais.
- Popularidade do tema em questão – é importante esclarecer que popularidade não significa necessariamente conhecimento sobre o tema. Vemos, por exemplo, um enorme contingente de pessoas “discursando” sobre marketing, mas que nada sabem o que isso verdadeiramente significa.
- Grau de democracia – aqui não me refiro apenas aos regimes políticos, mas também aos ambientes nos quais a hierarquia inibe eventuais manifestações mais “contundentes” de insatisfação. O ambiente corporativo exemplifica bem o que quero dizer, pois por mais que haja contrariedade em relação ao superior, essa fica na maior parte das vezes restrita aos cochichos dos corredores.
- Paixão dos gestores – a referência aqui se dá aos gestores que, tal como os críticos, apresentam uma relação de paixão com a organização que prestam serviços. Tal característica os deixam mais suscetíveis a reações explosivas.
Diante dos fatores enumerados, creio que o melhor segmento para desenvolvermos o assunto, seja o de gestão esportiva, mais precisamente o futebol, pois satisfaz os seis pontos citados acima e ainda envolve o aspecto político como motivação para críticas, isso sem falar das divergências com os adversários.
Não há dúvida que o meio do futebol possui uma atmosfera de forte pressão, assim não nos surpreende que tantos dirigentes de clubes acabem se descontrolando em situações, onde a liturgia do cargo não deveria permitir. Claro que temos que considerar que são humanos, e como tais falíveis, porém essa reflexão quanto à imperfeição humana deveria ser feita antes de se candidatarem a cargos tão expostos.
Ilustra o tema, duas notícias publicadas recentemente: numa delas narra-se que o presidente de um clube do Rio reagiu com xingamentos às atitudes hostis de torcedores adversários e na outra, uma confusão de um mandatário de um clube paulista com integrantes de uma torcida rival. São situações lamentáveis mas, como escrevi acima, de difícil controle, pois se tratam de reações.
O que considero de tal forma inadmissível são ações premeditadas, aquelas em que se tem tempo para pensar nas consequências e na importância da liturgia do cargo. Nesse caso, as redes sociais são terrenos férteis para esse tipo de expressão.
Para finalizar reproduzo uma frase de um texto que escrevi quando deixei de ocupar a VP do Fluminense: “Uma das vantagens em não ser mais VP, é poder defender o Flu sem receio de que confundam uma opinião pessoal com a voz da instituição. ”
Gostei Idel. Representa o que vivemos.
ResponderExcluirMuito bom.
Obrigado, Luiz Henrique!
ResponderExcluirAbs