terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

O tênis rasgado


A área de marketing é, provavelmente, a que mais depende dos demais departamentos de uma organização para poder executar a contento suas atribuições, fato que faz com que seus ocupantes acabem tendo que conhecer com relativo grau de profundidade outras atividades corporativas.
Entre os departamentos que podem ser elencados como um dos mais importantes está o de “Pesquisa & Desenvolvimento”, responsável por desenvolver produtos que venham satisfazer as necessidades identificadas e escolhidas pelo Marketing para atender ao mercado.
Para se avaliar melhor a relação citada, vale usar o composto de marketing, os famosos 4 P’s, para entender que a importância deste departamento não está ligada apenas ao desenvolvimento do Produto com a qualidade e utilidade demandadas, mas também para elaborar formulações com custos que permitam praticar Preços competitivos. Até o Ponto, no caso a distribuição também pode se beneficiar de sua influência, na medida em que prazos de validade ou mesmo embalagens possibilitem soluções de logística e estocagem alternativas. Por fim, se tem a Promoção, já que alguma característica “técnica” pode vir a ser explorada na comunicação e até no posicionamento do produto.

Desenvolvida a reflexão sobre a interação “Marketing – P&D”, passemos para um caso concreto que ocorreu na semana passado no basquete universitário norte-americano: a contusão do jogador Zion Williamsom - uma das maiores promessas da modalidade – na partida de sua equipe Duke contra North Caroline.
A contusão em si é um fato relativamente normal em competições de alto rendimento, entretanto a causa do problema é algo que foge totalmente aos padrões esportivos: o equipamento, no caso o tênis utilizado que rasgou quando o atleta executava um lance, proporcionando assim a lesão.
Não foi a primeira vez que problemas acontecem com os tênis de basquete da Nike. Em 2016 o mesmo aconteceu com Aaron Gordon do Orlando Magic e em 2014 com Manu Ginobili, Andrew Bogut e Tony Wroten, felizmente em nenhuma dessas ocasiões o acidente resultou em contusão.
Apesar desta sucessão de fatos, do linchamento nas redes sociais e da queda nos preços das ações da Nike, que fez com que a empresa perdesse cerca de US$ 1 bilhão em seu valor, não é prudente ser definitivo quanto à qualidade dos produtos da empresa, mesmo porque centenas de outros atletas utilizam o produto em centenas de outras ocasiões e os acidentes relatados cabem num simples artigo de um blog. 
Claro que não é para acontecer nenhuma vez, afinal de contas quem utiliza o produto, o faz visando performance, conforto e segurança, acreditando inclusive no endosso dos atletas patrocinados pela marca norte-americana – Williamson é um deles.
Talvez no desequilíbrio de forças entre Marketing e P&D resida o problema, pois, o primeiro na busca por lançar produtos numa velocidade que lhe aufira algum tipo de vantagem competitiva, pode apressar alguns processos, entre os quais está o de testar exaustivamente o que foi desenvolvido pelo segundo.
Independentemente das razões, o que não pode jamais acontecer é que produtos voltados à boa prática de uma atividade sejam responsáveis por contusões, ainda mais se tratando de marcas que, em tese, têm rígidos padrões de controle e qualidade.




terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Crônica de um rompimento anunciado


Quem acompanha esse espaço já deve ter se acostumado com a quantidade de críticas aos “engenheiros de obras prontas”, aqueles que, após o resultado efetivado, passam a discorrer sobre as causas de algum desfecho. Só nunca entendi a razão de eles não tecerem os comentários previamente, até porque há situações em que não é nada difícil prever o desenlace.
Para ilustrar o assunto, serão citados dois temas ligados ao futebol, que previamente foram vaticinados neste espaço. O primeiro se referia à entrada da Dry World no mercado brasileiro - http://halfen-mktsport.blogspot.com/2015/12/dinheiro-nao-e-tudo.html - no artigo foi mostrado que uma operação nos moldes propostos carecia de detalhados estudos para que o pior não acontecesse. 
Infelizmente tais análises não foram executadas e o que se viu foi a saída da empresa deixando inúmeros credores no país, sendo que no caso do Fluminense o desastre foi ainda maior, pois, encantado com a sedutora proposta, rescindiu o contrato que tinha com a Adidas, relação que era a mais longa do mercado no futebol brasileiro e que rendia uma boa quantia para o clube. A infeliz decisão levou o Fluminense a ter que pagar uma multa pela rescisão, além de contrair despesas com a confecção dos uniformes, o que trouxe forte impacto no fluxo de caixa, já que a empresa canadense não honrou os compromissos assumidos.
Lendo atentamente o texto do link é possível concluir que não era difícil projetar o cenário que veio a se concretizar, na verdade era bem fácil, desde que se analisasse os aspectos técnicos ou mesmo se avaliasse que o desvio no padrão de remuneração prometido era, na melhor das hipóteses, suspeito.
O segundo caso a ser relatado é o da Carabao  - http://halfen-mktsport.blogspot.com/2017/10/o-marketing-e-insubstituivel.html - que rescindiu recentemente o contrato que tinha com o Flamengo, clube carioca pentacampeão brasileiro. Aqui, pelo menos, se tratava de uma empresa com boa projeção internacional, mas que pecou ao colocar a expectativa de conquistar mercado como uma variável de remuneração do patrocínio, esquecendo-se que a simples promoção de um produto não a exime de trabalhar os demais componentes do composto de marketing (preço, ponto e produto), ainda mais em um mercado dominado por marcas fortíssimas com excelente capacidade de distribuição e forte estrutura comercial.
Confiar no engajamento da torcida, por maior que ela seja, é desprezar que para um produto vir a ser consumido pelos torcedores do patrocinado, é necessário que ele esteja disponível no ponto de venda e com preços competitivos. É preciso considerar que vários produtos de uma mesma categoria concorrem entre si primeiramente para serem adquiridos pelo varejo, o que envolve elaboradas “engenharias” comerciais que englobam não apenas o preço propriamente dito, mas também negociações acerca de bonificações e ações nos pontos de vendas, entre outros. Sendo que, quanto mais competitiva a categoria, o que é o caso dos energéticos, maior a dificuldade de se entrar no mercado em boas condições, isto é, com uma boa exposição – número de frentes e localização – e sem investimentos que inviabilizem a operação.
Como podemos constatar as previsões contidas nos dois textos não se deveram a nenhum poder mediúnico, mas a uma simples análise do mercado, o que compreende estudar detalhadamente toda a cadeia de consumo do produto.





terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Localizando mercados

Os que não são muito afeitos à corrida já devem ter ficado intrigados ao verem algum praticante parado antes de começar o treino olhando ininterruptamente para seu relógio e algumas vezes para o céu, até que acontece alguma coisa que parece ser o sinal verde para se iniciar o treinamento.
Na verdade, ele está esperando a captação do satélite que será responsável por auferir distância, ritmo e demais variáveis que permitirão monitorar seu treinamento. Ah, a olhada para o céu não tem nenhuma razão, ela nada mais é do que um movimento causado pela impaciência por uma eventual demora na conectividade, a qual leva o corredor a inconscientemente tentar avistar o satélite como se isso fosse possível e, mesmo que fosse, nada adiantaria.
Pois bem, esse aparelho que chamei de relógio é um smart watch, produto pertencente à categoria dos wearables – expressão que serve para identificar os dispositivos móveis que podem ser utilizados como peças de vestuário. Aliás, muitos já se referem ao aparelho pelo nome da marca do fabricante – Garmin -, o que, talvez, já possa deixá-la com o status de marca genérica. 
O caso narrado é bem interessante, pois no passado o dispositivo similar em referência era conhecido pelo nome de um concorrente, o Polar. Devendo ser ressaltado que este tinha como função principal a medição dos batimentos cardíacos. Hoje ambas as marcas apresentam basicamente as mesmas funcionalidades.
Mas de qualquer forma, vale a observação de que esse mercado é detentor de uma situação bastante rara: a mudança da marca genérica em um categoria - http://halfen-mktsport.blogspot.com/2017/01/marcas-genericas.htmlem função do comportamento das marcas concorrentes envolvidas e seus processos de inovação mercadológica.
O caso fica ainda mais fascinante ao se analisar como a Garmin galgou a essa posição, visto que originalmente a empresa tinha como principal produto o dispositivo GPS para automóveis, categoria que correspondia em 2007 a cerca de US$ 2,5 bilhões de receitas, o equivalente a 75% do faturamento total da empresa.
O mercado de aparelhos de GPS que parecia totalmente dominado se viu diante de um ofensor que, até então, não tinha sido encarado  inicialmente como um concorrente. Refiro-me ao lançamento do iPhone pela Apple, o qual disponibilizava um aplicativo gratuito de navegação, o Google Maps.
Esse aplicativo, supostamente inofensivo, fez com que as receitas advindas das vendas de GPS da Garmin caíssem o equivalente a US$ 1 bilhão em três anos.
Diante de um quadro sem perspectivas de recuperação para seu carro-chefe, a empresa buscou alternativas de aplicação para a tecnologia que dominava. Nesse processo identificou a crescente atenção da população com a qualidade de vida e também o aumento no número de praticantes de atividades esportivas.
Daí em diante começou a ser uma referência para corredores, triatletas, ciclistas, nadadores e até golfistas, ainda que a concorrência seja composta por marcas bastante fortes como a própria Apple, Samsung, Lenovo, além da Polar que vem tentando recuperar espaço junto a esse público.
A competição promete ser acirrada, até porque, como foi explorado no artigo, o mercado é dinâmico e pode trazer surpresas a qualquer momento, razão pela qual não é prudente ficar muito tempo olhando para o céu como costumam fazer os corredores em seus momentos de pré-treino. 




terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Sócio? Assinante?



O dinamismo da sociedade faz também com que o mercado evolua para se adaptar às necessidades que surgem ou são criadas em torno do consumidor. Uma destas “novas” modalidades de comércio é o chamado clube de assinatura, muito impulsionado graças à popularização do e-commerce. A utilização das aspas tem como intuito atentar que, apesar da maior divulgação e estruturação atual do modelo que estaremos discutindo, as assinaturas de produtos já eram disponíveis no passado, vide jornais, revistas e tv a cabo, por exemplo.
As vantagens desta prática para o consumidor englobam a comodidade  de receber o produto em casa, a forma de automática de pagamento, o preço mais em conta e, muitas das vezes, algum tipo de exclusividade.
Já para o fornecedor, os benefícios dizem respeito à fidelização do cliente, visto as receitas serem recorrentes, o que deixa as vendas menos sujeitas aos aspectos relativos à sazonalidade. Nessa mesma linha se consegue uma melhor gestão de estoques, o que se reflete em custos operacionais e financeiros mais reduzidos.
Muitos clubes de futebol e confederações de modalidades olímpicas têm tentado se espelhar nesse modelo para formatarem seus planos de associação, o que não deixa de ser uma iniciativa interessante, já que assim conseguiriam receitas recorrentes. A própria forma de cobrança também guarda fortes semelhanças com os clubes de assinatura, o que também é uma garantia de recebimento.
Todavia, é preciso refletir que o aspecto relativo à comodidade só se faz presente no ato da compra, pois para se usufruir do produto oferecido que é assistir o jogo ao vivo,  obviamente se necessita sair de casa.
Além disso, ter como atrativo principal do programa os descontos que chegam até a 100% nos preços dos ingressos limita a adesão daqueles que moram em outras cidades, isso sem falar do calendário que não é rigidamente cumprido e dessa forma não permite uma programação prévia. Outro problema ocorre em relação aos jogos que são transferidos para outros locais, impactando também o planejamento dos que querem ir aos jogos.
De forma proposital deixei o fator sazonalidade por último, esse, por incrível que possa parecer existe no futebol e não acontece por condições temporais - desculpem a analogia -, mas pelo desempenho esportivo do time. Basta o time ir mal para se cancelar o título de sócio – ou assinatura – sendo a recíproca verdadeira. Em resumo, a paixão exacerbada acaba tendo uma influência enorme no consumo do produto, consumo este que deveria sempre ser executado de forma racional caso fosse realmente algo próximo a um clube de assinatura. 
Diante do exposto, o que podemos inferir é que a comparação com outros modelos de negócio é sempre útil na elaboração de produtos, contudo, é fundamental que cada desenvolvimento tenha como base o conhecimento real do público que se pretende atingir, o que só se consegue com pesquisas bem formatadas e sérias, isto é, que tenham como responsáveis quem realmente entenda do assunto.