terça-feira, 30 de junho de 2015

Descrição de cargos


Às vésperas de renovar seu contrato com o São Paulo, o goleiro Rogério Ceni declarou que tinha total interesse em seguir no clube, porém não queria que esse vínculo estivesse relacionado a questões ligadas ao marketing, numa clara reação ao discurso do presidente que disse que o jogador seria importante nas campanhas do programa sócio torcedor.

Antes de continuarmos o texto, vale registrar a título de atualização que o contrato foi renovado – não sei o que consta nas cláusulas – e o goleiro participou na última semana de uma partida recreativa com sócios. Fato que pouco importa para o nosso objetivo, que é provocar a discussão sobre a utilização de jogadores e atletas em atividades não relacionadas às suas profissões.

Alguns consideram que a declaração inicial do Rogério Ceni foi errada, alegando que o profissional deve sempre estar disposto a prestar serviços ao clube, afinal de contas, a geração de receitas é que pagará os salários.
Outros tentaram ver que a fala teve um cunho mais relacionado à valorização dele como jogador, ou seja, ele queria que a decisão da renovação levasse em conta a sua capacidade técnica e não seu poder de persuasão como personagem de campanhas de marketing.
Vale reproduzir abaixo uma frase que o goleiro utilizou em sua justificativa:
“Tomara que venha sócio torcedor ao máximo possível. Mas, com esse negócio de sair para jantar, tomar café ou almoçar, a pessoa às vezes perde um pouquinho da noção e se equivoca com algumas coisas. Não tenho tempo nem para almoçar com meus filhos direito”.

De fato, a vida de um atleta, em tese, é carente de tempo. Digo “em tese”, pois não tenho como garantir se em todas as modalidades e se todos os atletas cumprem efetivamente toda jornada de treinamento, a qual no esporte de alto rendimento é composta do treinamento em si, de descanso e de alimentação.
Se assim for, fica realmente difícil se engajar em campanhas para ajudar o clube que lhe remunera.
Isso não significa que algum sacrifício em prol do marketing não possa ser feito, porém, que fique claro que a utilização do atleta em “eventos” que não tenham relação com a sua preparação, diminui consideravelmente o poder de exigência e cobrança do gestor do clube quanto aos aspectos técnicos.
O que será que é mais importante para o torcedor, ter a possibilidade de almoçar com seu ídolo ou ver seu time vencedor?
Evidentemente, não dá para se saber qual a influência exata que uma falha em algum dos componentes do treinamento terá sobre a performance do jogador e nem as consequências dessa eventual atuação ruim sobre o resultado da partida.
Por outro lado, também é difícil mensurar o quanto uma campanha de marketing* conseguirá trazer de sócios para o clube, até porque, necessitaria que se expurgassem da avaliação variáveis que também influenciam a decisão, tais como o momento do time, a situação financeira do indivíduo e as perspectivas econômicas do país, entre outras.

Concluindo, acho coerente a argumentação do jogador, porém cabe ao clube considerar no cálculo sobre o salário a ser oferecido, quais são seus objetivos - esportivos e financeiros - , quantificá-los e, a partir daí, avaliar como a disponibilidade, responsabilidade, competência e características do jogador poderão contribuir para que o que se pretende seja alcançado, obviamente, que respeitando a capacidade de recursos e as possibilidades que o mercado pode oferecer.
Enfim, é indispensável que haja um planejamento minucioso - embasado em números e estimativas - com forte viés estratégico antes de se proferir ideias, desejos e, sobretudo, elaborar propostas contratuais.

*No caso do jogo promovido entre sócios que pagaram para poder jogar com o Rogério Ceni, o valor arrecadado foi mensurado e servirá como referência para futuras ações similares, no entanto, não é possível afirmar qual será o ganho marginal.


terça-feira, 23 de junho de 2015

Sócio torcedor, um produto

Analisar a evolução dos diversos ramos de atividade é um exercício bastante interessante não só para os profissionais que lidam com gestão, mas para qualquer pessoa, pois ajuda a refletir sobre como os processos foram sendo desenvolvidos.
Há 30 anos, o ato de abastecer o veículo era influenciado simplesmente pela localização do posto de serviço. Hoje, preços, qualidade do combustível, atendimento e serviços oferecidos passaram também a ser fatores de decisão.
Não faz muito que o gestor de marketing pulverizava sua verba de comunicação entre TV aberta, rádio, mídia exterior e mídia impressa. Com o passar do tempo apareceram a TV por assinatura, o mobiliário urbano, as redes sociais, o mobile, etc.

No futebol, as receitas dos clubes vinham basicamente da bilheteria dos jogos e das mensalidades oriundas da área social. Mais tarde vieram as verbas da televisão, dos patrocínios e licenciamentos. Por último aparece com bastante fôlego o advento do sócio futebol e é sobre ele que vamos falar.



Primeiramente devemos reconhecer que foi uma sacada inteligentíssima, pois se aproveitando dos conceitos do “sócio social”, derivaram tal produto para um modelo voltado ao público apaixonado de cada clube, o torcedor, de forma a se gerar mais uma fonte de receita.
Vale também elogiar os responsáveis pelo desenho de alguns planos de associação, os quais foram desenvolvidos dentro dos mais rígidos conceitos de marketing, obedecendo etapas e conceitos. 
É bem verdade também, que alguns beiram a mediocridade e denotam claramente que quem capitaneou o processo pouca ou nada conhece de marketing. 
Sobre ambos, vou me reservar o direito do silêncio por uma questão ética.

Porém, o que penso ser importante abordar no artigo é que existem diferenças não apenas no desenho dos planos, mas também no perfil de cada clube.
Evidentemente, quem elabora o plano deve contemplar tais diferenças, porém existem limitações que nem o mais gabaritado executivo de marketing conseguirá ultrapassar.
Entre as variáveis que devem ser observadas para elaborar o plano e estimar o potencial de associação estão: tamanho da torcida, perfil dos torcedores (distribuição no tocante à idade, sexo, escolaridade, classe social, cidade que habita e demais aspectos socioeconômicos), característica da cidade (há ou não polarização entre os clubes e demais opções de lazer).
Acrescente-se a tais variáveis o modelo do clube em relação ao estádio, já que instalações próprias facilitam a setorização, o que, consequentemente, permite o desenvolvimento de novos produtos com diferenciais de preços adequados à localização no estádio.
Uma boa verba para ser investida em comunicação é fundamental, caso contrário, mesmo planos bem elaborados podem passar a apresentar crescimentos meramente vegetativos.
Sem esquecer que a estrutura de TI deve estar preparada para as demandas comerciais e de análise de dados.

Infelizmente poucos clubes atentam para esses detalhes e acabam se baseando nas experiências dos demais para copiarem os modelos. 
Guardadas as devidas proporções seria como um fabricante de material esportivo brasileiro fabricar e tentar comercializar no Brasil equipamentos de esqui na neve, já que um de seus concorrentes atua fortemente nesse mercado, só que em Aspen, no Colorado.

O resultado dessa pouca vivência em gerenciamento de produtos resulta em baixa demanda e deixa o produto extremamente dependente do bom resultado esportivo do time, ou pior, de políticas que implicam na diminuição do preço dos produtos.



terça-feira, 16 de junho de 2015

Matriz BCG

Por mais curioso que possa parecer, os artigos relacionados aos aspectos teóricos da gestão costumam ser bastante demandados e lidos pelos que acessam o blog.
Em função disso, procuro abordar algumas das ferramentas e aplicá-las ao esporte, de forma que a plataforma se dissemine e fique um pouco mais clara para os leitores. Assim foi feito, por exemplo, nos artigos sobre Análise SWOT, Cinco forças de Porter, P&L e ROI, etc.
Dentro dessa linha, focaremos aqui a matriz BCG.
Essa ferramenta foi criada, e daí a origem do nome, pelo Boston Consulting Group com o intuito de classificar os produtos/serviços de uma empresa ou suas unidades de negócios em função de suas respectivas taxas de crescimento e participações de mercado, as quais se dispõem conforme gráfico acima.
Para o melhor entendimento da plataforma, ilustraremos a teoria com a prática, tomando como base o portfólio de negócios da Nike. 

No primeiro quadrante da matriz ficam os negócios com alta taxa de crescimento e elevada participação de mercado, os quais chamamos de “stars / estrelas”. Seria a linha de vestuário e os equipamentos de golfe, mercados em constante expansão e onde a marca americana está muito bem posicionada, ou seja, vale investir para se manter a posição de mercado.
No canto inferior esquerdo estão as “vacas leiteiras / cash cows” negócios com uma taxa de crescimento menor, mas com alta participação de mercado. Geralmente os “stars” assim que entram na etapa de maturidade passam para o quadrante "cash cows".
São produtos geralmente com custo baixo de produção, e consequentemente com alta rentabilidade, em função disso geram receitas continuamente, de forma que o caixa excedente pode vir a ser investido em outras linhas de produtos.
Em nosso modelo, seriam os calçados esportivos, um mercado que apesar de crescente, apresenta tais taxas relativamente baixas, já que crescer percentualmente em cima de uma base já elevada é mais difícil. No entanto, a participação da Nike é bastante significativa.
No quadrante superior direito ficam os “pontos de interrogação / question markets”, que como os do primeiro quadrante – stars - possuem alta taxa de crescimento, porém com participação de mercado ainda pequena, o que deixa incerto o bom desempenho do negócio. Usualmente são produtos que estão no estágio inicial do ciclo de vida e que requererão decisões rápidas quanto a sua continuidade. 
No exemplo da Nike, seria a categoria de relógios e produtos eletrônicos, pois por ser um mercado relativamente novo apresenta uma alta taxa de crescimento, visto crescerem sobre uma base ainda baixa. Porém, pelo fato de outras marcas, especializadas na categoria (Garmin, Timex, etc.), terem entrado antes e assim conquistado uma maior parcela do mercado, resta a Nike decidir se vale investir alto para fazer frente aos concorrentes ou desistir da categoria.
Convém deixar claro que nesse caso, a permanência na categoria mesmo sem a participação de mercado almejada, pode ter um caráter estratégico de complementar a linha de produtos voltada a um segmento específico como o running, por exemplo.
Por fim, temos no quarto inferior direito os “cachorros/dogs” também conhecidos como abacaxis. Possuem tanto a participação como as taxas de crescimento baixas. Muito provavelmente trata-se de um mercado maduro, onde para crescer será necessário um esforço/investimento muito grande para competir com os concorrentes que tenham participação maior, ou seja, a decisão mais razoável pode ser a  descontinuidade.
No caso da Nike, isso ocorreu com sua agência de gestão de carreira de atletas, que, além de ficar muito longe do negócio principal da empresa – comercializar produtos esportivos – não trazia o retorno necessário, razão que levou a descontinuidade do serviço.
Evidentemente, a matriz BCG não pode ser a única ferramenta adotada para se analisar produtos e unidades de negócios, mesmo porque, em tese, é possível ter "dogs" que gerem mais receitas que "cash cows", visto que a taxa de crescimento não significa necessariamente que o mercado é pequeno.
Em função disso, recomenda-se que essa matriz seja utilizada como forma de visualização e auxílio às decisões de investimento, porém sempre considerando os resultados de cada negócio, o comportamento da concorrência e como aquele produto se insere na estratégia de posicionamento da empresa.







terça-feira, 9 de junho de 2015

As terceiras camisas

As terceiras camisas dos clubes de futebol costumam ser temas geradores de boas discussões. Além das divergências entre os tradicionalistas que defendem a manutenção das cores originais do clube e os que são entusiastas de modelos inovadores, vemos também “debates acalorados” entre os que simplesmente gostam e os que não gostam do modelo.
Antes de dar minha opinião sobre o tema, é importante que fique bastante claro o objetivo de se ter uma 3ª camisa, o qual nada tem a ver com a possibilidade do uniforme ficar diferente em relação ao do adversário em alguma partida, pois para isso cada clube tem dois uniformes, o da camisa #1, também chamada de home,  usada nos jogos em que o time tem o mando de campo  e o da camisa #2, chamada de away para os jogos fora.
O objetivo da #3 é poder oferecer ao torcedor mais um produto do clube, e esse, por sua vez, obter uma receita maior através das vendas, além, é claro, de fortalecer a marca através da frequência do uso.
Dentro dessa premissa, respeito, mas não vejo muito coerência nos pleitos dos “tradicionalistas”, afinal de contas, receitas bem planejadas são importantes para qualquer  clube. Evidentemente, a preocupação em relação à utilização de cores que remetam a rivais históricos, faz total sentido, porém, a título de exemplo, no caso do Fluminense essa possibilidade está totalmente descartada em função do que prevê o estatuto.
Já a discussão sobre a beleza da camisa eu  acho bastante interessante, pois desperta ainda mais a curiosidade da torcida em função dos debates nas redes sociais e matérias na imprensa, situações que geram ótima divulgação para o produto. Nessas contendas teremos sempre parte achando bonita, parte achando feia e quase todos dando sugestões de alteração em algum detalhe.
Os próprios responsáveis pela aprovação divergem em relação à estética, porém o foco maior dos decisores deve se dar na esfera mercadológica, ou seja, se o modelo tem ou não potencial de venda.
Sendo que essa venda é bastante sensível à quantidade de jogos que o time faz com a camisa, pois quanto maior a exposição -  inclusive pela TV - maior será a possibilidade de os torcedores tomarem conhecimento do novo produto, o que é um passo importante no processo de aquisição.
Deriva dessa condição, uma decisão extremamente difícil, que é a data da estreia da nova camisa, o ideal é que seja num jogo com transmissão nacional pela TV e contra um adversário mais fraco, já que uma derrota pode dar à camisa uma fama de “sem sorte” e fazer com que os jogadores pressionem para ela ser pouco ou não mais usada.
Outro fator que influencia fortemente a demanda é o momento do clube, se o time estiver bem, o torcedor irá comprar todo e qualquer produto com a marca do seu time que estiver ao alcance de suas possibilidades, ao passo que a recíproca é verdadeira.
Como podemos ver, o fator “beleza” pouco influencia no consumo das camisas, costumo até brincar dizendo que torcedor não compra camisa para combinar com a calça ou com qualquer outra peça do vestuário.
Quadro que até poderia vir a ser diferente caso o produto fosse distribuído em larga escala no mercado externo, onde os torcedores compram camisas de times estrangeiros para suas coleções em função da estética, não importando a simpatia pelo clube.
Situação similar encontramos no Brasil, onde podemos ver pessoas um dia com a camisa do Real Madrid e no outro com a do rival Barcelona.
Voltando mais uma vez ao Fluminense, as terceiras camisas grená e laranja obtiveram vendas excelentes, caminho que começa a ser trilhado pela verde. São números, de fato, bastante expressivos, mas incapazes de deixar os uniformes imunes às críticas.
Diante do que foi exposto, concluo com a opinião de que a camisa #3 deva ser bastante ousada, e que jamais tenha qualquer cor ou característica que possa remeter às dos tradicionais rivais, contudo, tenho plena convicção de que, mesmo cumprindo essas condições, o sucesso pleno só existirá se o desenvolvimento do produto e o planejamento de lançamento forem  embasados por rígidos critérios mercadológicos.




terça-feira, 2 de junho de 2015

E a corrupção não para...



Mais um escândalo veio à tona no esporte, agora envolvendo dirigentes da FIFA e respingando diretamente na CBF, em organizações de marketing esportivo e em empresas de material esportivo.
Os detalhes relativos aos aspectos legais deixarei para quem conhece opinar, me deterei aqui a situações que se fossem olhadas com a devida atenção já deveriam estar sendo investigadas há muito tempo.
Será que alguém em sã consciência acha que uma empresa do porte da Nike e uma confederação pentacampeã do mundo precisam de um intermediário para fechar um contrato de fornecimento?

Trazendo para o setor de varejo, guardadas as devidas proporções, seria como uma empresa do porte da Unilever colocar seus produtos no gigante Pão de Açúcar através de um atacadista, ou seja, totalmente desnecessário.
Argumentos de que a intermediação envolve a análise do contrato e o controle do mesmo são totalmente dispensáveis, a menos que queiram admitir que no quadro de colaboradores dessas organizações não existam profissionais capacitados. 


Se assim fosse, estariam trocando a acusação de desonestidade pela de incompetência, isso se não considerarmos que a admissão de profissionais despreparados por serem amigos ou “de confiança” também pode a vir a se caracterizar como desonesto, já que usa o dinheiro que não é do decisor para o pagamento do salário dos apaniguados.
Nessa mesma linha, penso que clubes de grande porte e empresas que se destacam no segmento que atuam, não precisam do tal do intermediário, ou para ficar mais “bonito”, de empresas de marketing esportivo para o trabalho de “aproximação”.
As empresas de marketing esportivo podem, e devem assessorar seus clientes no que tange aos aspectos que envolvam sinergia de posicionamento mercadológico, distribuição dos produtos, análises de viabilidade econômica e demais atribuições que envolvam conceitos ligados ao marketing em sua essência, ao varejo e a bens de consumo.
Peço desculpas aos que discordam, mas “apresentações” só fazem sentido, ao meu ver, quando em algum dos lados estão empresas entrantes naquele país ou confederações e clubes que não tenham como absorver em seus quadros, profissionais com a devida expertise.
Já que falei de clubes, vou narrar um fato que ilustra bem o que quero passar a respeito dos “intermediários”. Os nomes serão poupados.
Certa vez, um dirigente de um clube procurou uma empresa fornecedora de material esportivo para iniciar uma negociação. A conversa fluiu bem, mas o executivo da empresa não quis avançar na negociação, alegando outros focos naquele momento, porém reiterando o interesse em ter o clube em seu portfólio. Pois bem, meses depois, surgiu um “intermediário” representando a tal empresa que, pelo trabalho de aproximação do clube com o executivo - o mesmo que já havia sido contactado pelo dirigente do próprio clube - seria comissionado no caso de fechamento da operação.
O desenrolar do processo não vem ao caso narrar, mas posso adiantar que muitas pessoas do clube acharam o fato normal e quiseram seguir com a negociação, apelando, inclusive, para a máxima: “ se o clube for receber mais, vale a pena”, numa clara corruptela do famoso “rouba mas faz”.
Ou seja, as evidências de situações imorais estão ao alcance dos olhos de todos, porém a grande maioria acaba se eximindo de combatê-las por uma ou mais das seguintes razões: falta de crença de que seu esforço surtirá efeito, falta de coragem para suportar as consequências de se lutar contra o mal ou falta de caráter para discernir o que é honesto, correto e decente, afinal, muitos dos que hoje reclamam da “lava jato”, dos escândalos da FIFA e demais falcatruas expostas na mídia, o fazem por um único motivo: não são eles os beneficiados.