terça-feira, 29 de março de 2022

Quando se retirar?

 
E então, quando se retirar? Querer simplesmente estabelecer um prazo para a hora de se aposentar de qualquer carreira não parece ser a decisão mais apropriada, visto reduzir a uma única variável uma decisão de extrema importância, além do que, aumenta exponencialmente a possibilidade de erros e arrependimentos.
Tomando o esporte como referencial, tivemos a notícia da aposentadoria da tenista australiana Ashley Barty, número um do ranking mundial, com apenas 25 anos de idade.
Por outro lado, vimos também recentemente o maior campeão do futebol americano, Tom Brady de 44 anos, anunciar que voltaria ao esporte cerca de um mês depois de ter divulgado sua aposentadoria. Um arrependimento relâmpago, mas que não é inédito, vide os retornos que ocorreram com Michael Phelps e Michel Jordan, por exemplo.
Por mais que as atividades que exerçamos nos leve a desejos de que os momentos de insatisfação não mais ocorram e que saibamos que o “trabalho” nos priva de alguns momentos divertidos e prazerosos, é muito difícil abandonar algo que faz parte da nossa vida e que também nos propicia satisfações, momentos divertidos e prazerosos.
Ah, mas e o desempenho? Ainda que os resultados dos mais velhos permaneçam ótimos, não dá para negar que algumas valências decaiam com o desgaste natural do tempo, ou mesmo em função de alguma “desatualização”, afinal a preparação feita na base evolui com o tempo e traz reflexos no futuro.
Porém, os mais “antigos”, além de terem o poder de se reinventarem, têm a capacidade de agregar experiência – fator fundamental – aos seus desempenhos, o que faz com que os eventuais desgastes naturais sejam compensados pelo conhecimento dos "atalhos".
Já no caso das aposentadorias precoces, a causa parece estar mais ligada à impulsividade dos mais jovens que, aos primeiros sinais de contrariedade, decidem pelo fim do incômodo.
Há ainda mais um ponto a ser relatado: a importância dos bons profissionais no que tange ao desenvolvimento e surgimento de novos talentos, visto o poder de inspirar e servir de alguma forma como exemplo
Deve, por fim, ser acrescentado que, no caso dos atletas, existe a situação relativa aos patrocínios,  tanto os que se referem aos próprios – mais grave, pois, em tese, os patrocinadores calculam suas expectativas de retorno baseado no prazo estabelecido no contrato – como o que diz respeito às competições, cuja atratividade tende a diminuir sem a presença dos “melhores”.
Discussão complicada..
Claro que existe um ciclo de vida para todas as coisas, mas mesmo cientes disto, temos a tendência a acreditar na perenidade daquilo que, de alguma forma, propiciou momentos felizes em algum momento, principalmente quando não estamos envolvidos, daí as discussões sobre a hora de parar. Todavia, por mais que se reflita e debata a respeito, não creio que seja possível responder com certeza a pergunta que dá título ao artigo.

terça-feira, 22 de março de 2022

Camisa oficial cara, gasolina barata?

Como quase tudo que acontece no Brasil, o aumento nos preços dos combustíveis passou a ser explorado politicamente, fato que deixa mais uma vez evidente a tendência de o brasileiro se julgar conhecedor de todos os assuntos sem possuir o mínimo embasamento para tal, ou pior, se aculturando apenas através de posts que circulam nas redes sociais.
Os que atacam o presidente, ao invés de buscarem entendimento acerca da delicada situação de um país que depende da importação de petróleo, preferem preconizar a interferência nos preços dos combustíveis, interferência, aliás, que seria ainda mais nociva para a economia de forma geral. Isto sem entrar no mérito de que a Petrobrás precisa dar lucro, afinal trata-se de uma empresa de capital misto.
Os que defendem incondicionalmente o mandatário, elegem os governadores e seus impostos como responsáveis pelos aumentos, preferindo ignorar que tais receitas sempre existiram e são indispensáveis para que as contas dos estados não sofram ainda mais. Quando abatidos por esta realidade, buscam o argumento de que o combustível no Brasil, na verdade, é um dos mais baratos no mundo, denotando uma fragilidade intelectual assustadora, pois utilizam simplesmente a conversão do preço sem considerar o poder de compra da população. É justamente neste ponto que fazemos um paralelo com as camisas dos times de futebol, pois, aplicando tal raciocínio, também estariam baratas.
Ao se fazer um exercício de conversão dos preços de tais produtos para dólar, comparando os praticados no Brasil com mais oito países – escolhidos por representarem continentes e/ou terem alguma significância no futebol  – veremos que a gasolina no Brasil só tem o preço maior do que a dos EUA e as camisas oficiais são as mais baratas de todas.
* Preços coletados em 14/mar/22 no site www.globalpetrolprices.com
** Dados coletados www.oecdbetterlifeindex.org

Diante desses números, os defensores incondicionais do governo enchem o peito e exclamam: “Está vendo? A economia está muito boa!”.
Só que a realidade não é tão bela quanto todos gostaríamos que fosse, pois, para se tirar tal conclusão, é mandatório parametrizar os preços dos produtos citados com a capacidade de compra do cidadão de cada país. Para realizar tal exercício, poderíamos utilizar o PIB per capita ou mesmo o salário mínimo de cada nação, o que em nada alteraria a posição do Brasil, porém, optamos por um índice que julgamos mais fidedigno: a renda média familiar, conforme pode ser visto no quadro acima. 
Enquanto a família norte-americana consegue abastecer com toda sua renda mensal 68,8 vezes um tanque de 50 litros de gasolina, a brasileira encheria 16,5 vezes. Reparem que fazemos o cálculo considerando a média de renda, isto é, incluindo desde as famílias mais ricas até as mais pobres. Já no caso das camisas oficiais, uma família alemã, por exemplo, compraria 36 contra 13 da brasileira.
Culpar exclusivamente o atual governo pela condição econômica também não é justo, afinal, nossa conjuntura econômica é parte de um contexto que precisa considerar as heranças de curto, médio e longo prazo e todas as variáveis exógenas, além, é claro, da política adotada. Agindo assim, conseguiremos entender que temos um cenário ainda muito dependente de exportação e gastos públicos elevados que exigem pesadas cargas de impostos para equilibrar as contas, o que se reflete consideravelmente nos preços dos produtos.
Evidentemente que há soluções, contudo, é preciso ter em mente que o imediatismo político é o pior ofensor que uma gestão pode ter.




terça-feira, 15 de março de 2022

Eu acho...ou eu torço


Eu acho que o time X vai ganhar! Quantas vezes ouvimos ou mesmo falamos esta frase? 
Mas de onde vem esta percepção? Será que levamos em consideração um significativo número de variáveis importantes para tal dedução ou nos apegamos àquelas que embasam nossa torcida. Quem sabe não analisamos nada, apenas deixamos nossa suposta “intuição”, claramente enviesada, nos guiar?
Quando estamos falando de torcida por algum time, o “achismo” é até permitido, visto não trazer grandes consequências, o perigo é quando este processo acontece em temas onde há a necessidade de estudos e experiência no assunto.
Decisões do STF, por exemplo, são questionadas e tidas como erradas  ou certas, dependendo apenas do lado para que se "torce". Até aí,  nada de mais, afinal as decisões tomadas não serão alteradas em função da "torcida", restando como consequências os danos à imagem dos que opinam sem o mais primário conhecimento da matéria.
Para permanecer no ambiente das notícias mais recentes, temos os “médicos” que não estudaram medicina e os “cientistas” que jamais entraram em um laboratório – a não ser para fazer exame clínico  – que decretam a eficácia ou não de medicamentos. Aqui o problema pode ser mais grave, caso algum incauto resolva-os seguir por motivações políticas.
Há ainda os que ao tomarem conhecimento de uma pesquisa eleitoral, independentemente de dominarem o assunto, aceitam ou a rejeitam em função do resultado atender ou contrariar sua torcida.
Neste caso, alguns são até mais taxativos, não acham, têm a certeza.
Agora imaginem se uma empresa resolve fazer sua estimativa de vendas na intuição de algum gestor que "torce" para ganhar participação de mercado, desprezando modelos preditivos e análises macroeconômicas. Tal “crença” redundará na compra de mais insumos, na contratação de funcionários e demais investimentos para viabilizar as vendas “estimadas”, as quais, muito provavelmente não se concretizarão, impactando negativamente os resultados operacionais da empresa e, consequentemente, no correto desligamento do “achista”.
Para finalizar o artigo, vamos responder a pergunta que pode estar passando pela cabeça de alguns: as pessoas não têm o direito de “acharem”? Claro que têm, assim como de torcer pelo que “acham”, só não é correto, inclusive com elas mesmas, se enganarem a ponto de divulgarem apenas os fatos que coincidam com seu “achismo”/torcida, e o pior, sem nem checarem a veracidade dos mesmos.






terça-feira, 8 de março de 2022

Marketing de escassez


O final de todo grande evento desperta nos espectadores o desejo de que a próxima edição aconteça logo, aliás, tal desejo serve também como indicador de avaliação quanto à atratividade do acontecimento.
Todavia, por mais que a vontade nos direcione a verbalizar que gostaríamos de um intervalo menor entre as edições, não podemos desprezar que a realização de forma mais frequente poderia diminuir a atratividade do evento.
Este fenômeno tem forte relação com o que chamamos de marketing de escassez - scarcity marketing - , que vem a ser uma estratégia baseada na possibilidade de escassez de algum produto ou serviço para gerar um senso de urgência e aumentar as vendas de forma mais rápida.
Evidentemente que, no caso de grandes eventos, a menção relativa a vendas só faz sentido quando falamos de ingressos, porém, o que queremos mostrar é que o fato de o evento não estar sempre disponível aumenta o desejo de se estar presente.
Quantas vezes já não nos deparamos com anúncios explicitando que uma promoção é por tempo limitado ou até quando durar o estoque, o que nos deixa tentados a comprar imediatamente, muitas vezes sem ponderar acerca da efetiva necessidade, do preço ou mesmo do tamanho do estoque. 
Isto acontece porque nosso cérebro, de forma inconsciente, tende a relacionar a escassez de algo ao seu valor.
Para ilustrar o conceito, peguemos a Adidas que tem focado em lançamentos de peças com edição limitada e alguns sites de e-commerce que permitem que o comprador visualize o número de produtos disponíveis. Os primeiros lançamentos do iphone servem também como exemplo quando nos lembrarmos das filas que se formavam nas portas das lojas da Apple, assim como os sanduíches "sazonais" do McDonald's.
Passemos então para o tema que nos motivou a desenvolver o artigo: a intenção da FIFA em diminuir o intervalo entre as edições da Copa do Mundo de quatro para dois anos.
Além de ir contra o conceito do marketing de escassez que narramos acima, a iniciativa mexe com todo o calendário de grandes eventos, tais como Jogos Olímpicos, copas continentais e campeonatos mundiais de outras modalidades esportivas, entre outros.
Há ainda o problema de desfalcar os times que têm jogadores “selecionáveis” numa frequência ainda maior do que a atual, o que pode levar os clubes a mudarem suas políticas de contratações e, quem sabe, restringir o mercado, fazendo com que a indústria do futebol seja abalada.
Por mais interessante que seja a Copa do Mundo, a paixão que move este esporte tem sua base fortemente atrelada aos clubes e, qualquer movimento que venha a enfraquecê-los certamente se refletirá nas competições entre seleções.
Não parece razoável qualquer tese que defenda que a “entrada” e retenção de torcedores apaixonados se deem através da seleção e não pelos clubes, que estão mais ao alcance do torcedor que pode assistir uma quantidade significativa de jogos in loco, sem falar na rivalidade do dia a dia. Ainda que existam rivalidades entre países, não há o convívio diário com o torcedor adversário, alvo e vetor de gozações que dão subsídios para discussões que alimentam a paixão.
A FIFA, ao acenar com esta possibilidade, demonstra uma visão não apenas de curto prazo, mas também distorcida ao não entender que tanto clubes como outras modalidades são de vital importância para a cadeia esportiva.
É preciso ter em mente que torcedores de clubes são potenciais torcedores de seleções, que fãs de outras modalidades esportivas são mais propensos a acompanhar as demais, e que assistir sempre um tipo de competição tende a gerar desinteresse.




terça-feira, 1 de março de 2022

Patrocínios e guerra


A invasão russa à Ucrânia, além de toda a atenção que nos desperta por estar dando início a um conflito com consequências imprevisíveis, traz um ingrediente a ser analisado no que tange ao marketing: a postura dos clubes de futebol de países não envolvidos diretamente no conflito que, até então, tinham o patrocínio de marcas russas. São eles:
  • O Schalke 04, tradicional clube alemão que deixou de estampar a marca da Gazprom, empresa de gás natural russa, patrocinadora máster do clube desde 2007. O contrato que expiraria em junho deste ano rendia o equivalente a 30 milhões de euros anuais. No site do clube não há mais camisas à venda, pois essas traziam a logo da patrocinadora. Cumpre relatar que a UEFA (Union of European Football Association) acaba de romper o contrato de patrocínio que tinha com a mesma empresa.
  • O Manchester United, time inglês, que rompeu o contrato com a companhia aérea Aeroflot, renovado em 2017 e que se encerraria em 2023, cujo valor total equivalia a £ 40 milhões. A marca não era exposta no uniforme.
Ainda que tais clubes tenham outras fontes de receitas, não podemos ignorar que os orçamentos são baseados em projeção de receitas, de forma que qualquer “imprevisto” relativo às entradas incorre em problemas no fechamento das contas.
Pelo lado das marcas, é bem provável que a medida adotada pelos clubes não tenha tanto impacto quando comparado com os prejuízos causados pelas sanções impostas à Rússia por parte de alguns países. A Aeroflot, por exemplo, não poderá voar em diversos espaços aéreos, o que se traduz em queda no faturamento.
Também se faz necessário relatar que os rompimentos dos patrocínios não implicarão em pressões que façam o presidente russo rever sua decisão.
Diante dos pontos narrados acima, mesmo pouco efetiva a título de inibir o prosseguimento da guerra,  a postura dos clubes é um alento para o marketing, pois, ao invés de focar simplesmente nas necessidades imediatas de receitas, passa a considerar nas suas definições mercadológicas alguns conceitos fundamentais como o co-branding – associação de marcas – e o posicionamento .
Os que não enxergam muito mérito na iniciativa poderão argumentar que a “não rescisão” implicaria em prejuízos maiores tanto em relação à imagem como nas relações com outros parceiros comercias, torcedores, imprensa e demais integrantes da cadeia que dá sustentação ao futebol no curto, médio e longo prazo. Argumentação legítima, mas que no universo do futebol não é muito comum, visto que a maioria das decisões é voltada ao curtíssimo prazo, principalmente em países, digamos, menos maduros em termos de gestão.
Não faz muito tempo, vimos no Brasil um debate sobre a possibilidade de um clube aceitar como patrocinador uma marca, cujo dono é defensor incondicional do presidente da república. Entre os defensores da parceria, vimos argumentos do tipo: “o que importa é a grana, não quem investe”. Aliás, será que estes hoje acham que o Schalke 04 e o Manchester United erraram ao decidir pela ruptura?
Como já foi escrito aqui inúmeras vezes, para que o marketing se desenvolva de forma sustentável no meio esportivo, é mandatório que clubes e marcas encarem o patrocínio como uma atividade que venha lhes render benefícios no processo de associação dos valores intrínsecos a eles, e não ficarem apenas restritos à mera exposição da marca e eventuais ativações.
Embora o artigo aponte para um cenário de esperança para o marketing, razão que certamente deixa feliz todos aqueles que militam de forma responsável na área, a tristeza pela existência de uma guerra nos dias atuais ofusca qualquer tipo de alegria.
Que Deus ilumine os responsáveis pelos destinos das nações de modo que passem a entender que uma das características da liderança é a habilidade para negociar ao invés de brigar.