A história do esporte está repleta de exemplos nos quais investimentos se traduzem em boa performance.
Evidentemente, essa assertiva deve considerar o investimento relativo, caso contrário incorrerá no mesmo erro que críticos pouco preparados, ou mal intencionados, caem ao tentar correlacionar o investimento no esporte olímpico brasileiro com o número de medalhas, esquecendo-se de que outros países investem ou investiram mais ao longo do tempo.
E se mudarmos a pergunta para: Falta de dinheiro traz resultados esportivos?
Creio que grande parte dos leitores, se não a totalidade, afirmará categoricamente que não, resposta que também seria a minha, caso não tivesse ouvido falar em Bekoji.
Uma pequena cidade na Etiópia com cerca de 30 mil habitantes, a 5 horas de carro da capital Addis Abeba, sendo que três horas desse percurso é realizado em estrada de terra.
Todavia, o que leva a cidade a ser conhecida não é seu alto índice de pobreza e sim o fato de ter produzido magistrais corredores de longa distância, os quais já conquistaram oito medalhas de ouro em Jogos Olímpicos, 32 campeonatos mundiais e 10 recordes mundiais.
Vale ainda citar que a própria estrutura de treinamento é bastante precária, com pistas improvisadas e nenhum tipo de equipamento como monitores de frequência, por exemplo.
O documentário Town of Runners, o qual recomendo a quem gosta de esporte assistir, mostra com detalhes como o Atletismo está enraizado na sociedade de Bekoji .
As razões apontadas pelos especialistas em treinamento desportivo para tão expressivo desempenho são:
- A altitude da cidade, que está situada a cerca de 3.000 metros acima do nível do mar, o que acarreta no organismo uma produção maior de glóbulos vermelhos, células fundamentais para corredores de longa distância.
- O transporte urbano quase que inexistente, que obriga as crianças a percorrem distâncias de até 20 km para ir e voltar do colégio.
O estilo de correr do lendário etíope Haile Gebrselassie, um dos melhores atletas de longa distância, ilustra de forma curiosa essa razão, mesmo não tendo nascido em Bekoji.
Sua mecânica de corrida com o braço esquerdo levemente dobrado é creditada ao fato de, quando criança, transportar os livros com o braço esquerdo em sua locomoção diária para a escola.
- A melhor maneira, se não a única, de “ser alguém” em Bekoji é sair de lá e a forma mais viável para isso acontecer é se tornar um bom corredor.
Assim chegamos a um paradoxo bastante interessante, que permite, nesse caso, concluir que:
A falta de recursos é responsável pela boa performance.
Naturalmente, o que ocorre em Bekoji é uma exceção, porém pode servir de exemplo tanto no esporte, como no mundo corporativo e na vida, de que esforço, dignidade, criatividade e talento podem compensar, de alguma forma, a falta de recursos financeiros.