terça-feira, 27 de outubro de 2020

O protesto e a emboscada

Na premiação de uma das etapas do circuito Banco do Brasil de vôlei praia, a jogadora Carol Solberg, de posse do microfone para falar sobre assuntos referentes à competição, gritou: “fora Bolsonaro!”.
O ato, evidentemente, gerou os mais diversos tipos de reação. A CBV - Confederação Brasileira de Voleibol - se manifestou contra o ato, o “fla x Flu” político voltou a se aquecer e a atleta foi julgada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que decidiu puni-la com uma advertência.
Os defensores da atitude da jogadora exaltam a liberdade de expressão para justificar o protesto, já os que a atacam alegam que o regulamento não permite tal tipo de atitude.
Alegaram ainda que a atleta era patrocinada pelo Banco do Brasil, o que não era verdade, apesar de que, indiretamente, a existência do banco como patrocinador da modalidade, permite que ela dispute competições e receba premiações. 
Antes de passar para uma análise calcada no marketing, objeto do blog, vale questionar se os defensores e ofensores do ato teriam a mesma postura se o grito fosse “fica Bolsonaro”.
Não temos a resposta, mas podemos inferir que muitos mudariam de opinião, vide o que aconteceu quando atletas dessa mesma modalidade fizeram gestos exaltando o atual presidente e os que são hoje contra a atitude da Carol permaneceram calados.
Acho que também não cabe discutir aqui o direito de o atleta se expressar politicamente, afinal, independente da posição que se ocupa, isso deveria ser facultado a todos, cabendo apenas a discussão em termos do local para isso. 
E aqui chamo a atenção para algo que não tem sido comentado: o fato de a Carol ter se utilizado do marketing de emboscada ou ambush marketing, pelo qual se obtém proveito publicitário sem se pagar pela aquisição direta daquele direito. Antes que tentem levar para o lado político, alerto que os jogadores que fizeram gestos exaltando o candidato à presidência na época cometeram o mesmo tipo de deslize.
Quanto ao direito de expressão, concordo que seria um ato de censura se a atleta não pudesse usar suas redes sociais ou mesmo responder a questões sobre política nos órgãos de imprensa.
Já as menções ao patrocínio do Banco do Brasil, uma empresa que muitos citam como estatal, mas que na verdade é de economia mista, podem vir a fazer algum sentido pelo lado de associar a marca à política, o que não seria interessante para qualquer empresa, independentemente da composição acionária.
Mas volto a dizer que o principal problema está ligado ao ambush marketing, pois nada garante que numa próxima vez algum atleta não possa pegar o microfone para gritar o nome de uma marca ou fazer algum gestual. A propósito, não nos esqueçamos das continências feitas pelos atletas militares nos pódios. 
Reforço que o presente texto não tem como intuito julgar a atleta, tampouco as preferências sobre a permanência ou não do presidente, a ideia do artigo é meramente chamar a atenção para o marketing de emboscada, que se constitui num perigoso ofensor à entrada das marcas no esporte.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

A contratação é sua, a marca é minha

Repatriar jogadores que foram ídolos em seus times vem se tornando uma constante no futebol, isso acontece quase sempre quando a carreira já está chegando ao seu final e, talvez, numa espécie de gratidão vale-se a máxima: “o bom filho à casa torna”. 
Bastante frequente no Brasil, essa prática permite que o jogador prolongue um pouco seu ciclo de vida produtivo em função do nível mais baixo de exigência, tanto no que essa diz respeito à competição quanto às expectativas dos torcedores, certamente mais tolerantes em função dos serviços prestados no passado. 
Ainda que muitas vezes frustrantes já que o “herói” do passado não consegue colocar mais em ação seus antigos "super poderes",  trata-se de uma iniciativa interessante, pois contribui para uma espécie de resgate de memória do torcedor. Pelo lado do marketing, a ação também tem aspectos positivos, entre os quais destaco o fortalecimento da fidelidade dos mais novos em relação ao clube, ou para ficar no âmbito de gestão, à marca. Esse fenômeno acontece por propiciar aos torcedores, que só conheciam o ídolo de "ouvir falar" e ver vídeos no You Tube, a experiência tê-lo ao vivo.
E já que derivamos para o lado do marketing, vamos discutir agora a contratação do jogador Robinho pelo Santos, a qual, pelo prisma que analisamos acima, aparenta estar totalmente dentro da normalidade. Contudo, essa, especificamente, tem um componente que a difere das demais com esse perfil: o jogador tem uma condenação em primeira instância por um "suposto" estupro cometido quando jogava na Itália. 
Embora seja tentador discutir o lado hediondo do ato, os aspectos relativos às condenações e suas instâncias, assim como o direito de o condenado exercer a profissão após quitação da dívida com a sociedade, isso não será feito, já que o blog tem como objetivo falar de “gestão”. Há, no entanto, uma derivação sobre o episódio que vai ao encontro da linha editorial: como ficam os patrocinadores diante dessa situação? 
Sempre achei que não cabe ao patrocinador a interferência no que diz respeito a contratações, mesmo ciente de que a verba oriunda do patrocínio contribui para o equilíbrio – ou tentativa de equilíbrio – das finanças dos clubes. Isso porque não faz o menor sentido que se dê o direito a esse tipo de decisão a alguém que não tenha os predicados necessários para avaliar o que é melhor em termos técnicos, afinal esse direito não está à venda. 
Por outro lado, não é salutar que o patrocinador deixe sua marca atrelada a algo que possa prejudicá-lo, visto ser isso que acontece quando surgem na mídia menções a atos e comportamentos criminosos ilustrados com a foto do jogador trajando o uniforme repleto de marcas. 
Para colocar ainda mais tempero na discussão, vamos lembrar que o patrocínio a um clube de futebol tem o âmbito coletivo, ou seja, o que um jogador faz ou deixa de fazer não costuma estar contemplado nas relações clube/patrocinador. 
Uma solução para esse tipo de problema talvez passe pela concessão aos patrocinadores do direito ao veto nas contratações por questões estritamente comportamentais, cabendo aqui definir a ponderação desses direitos, já que hoje em dia um time tem várias marcas nos uniformes, as quais investem valores diferentes, assim como são os prazos dos contratos.
O caso em si é muito ruim para o esporte, pois o seu papel como agente de educação se arranha ao ter um ídolo envolvido em crimes dessa natureza. Já para o marketing, a reação dos patrocinadores parece apontar para uma expressiva - e tardia - mudança de comportamento ao demonstrarem preocupação com o que a sua marca está associada e não apenas quantas vezes esta aparece na mídia.






terça-feira, 13 de outubro de 2020

Naming Rights nos EUA - 2020

A Jambo Sport Business publicou recentemente um estudo sobre os naming rights nas arenas dos Estados Unidos, o qual pode ser acessado através do link https://pt.slideshare.net/jambosb/arenas-e-naming-rights-eua-2020
A amostra para a análise contemplou todas as instalações usadas pelas 161 equipes que disputam as seis principais ligas de esportes coletivos nos EUA: MLB (Major League Baseball), MLS (Major League Soccer), NBA (National Basketball Association), NFL (National Football League), NHL (National Hockey League) e WNBA (Women National Basketball Association), o que totalizou 139 instalações. A divergência de números entre equipes e arenas se dá em função de muitas delas abrigarem mais de um time. O Staples Center, por exemplo, recebe os jogos de duas equipes da NBA: o Los Angeles Lakers e o Clippers, além do Sparks da WNBA e do Kings na NHL.
Desse total, 81,3% têm os direitos do nome negociados, um aumento de 7,4 pontos percentuais em relação ao estudo similar feito em 2012.
Já o número de marcas que são detentoras de naming rights ficou em 99 no recente estudo, visto que muita delas dão nome a mais de uma arena, o que é o caso da Rogers Communications com o Rogers Centre, Rogers Arena e Rogers Place.
O trabalho teve como principais focos: (i) identificar os objetivos mercadológicos dos detentores dos naming rights e (ii) os eventuais atributos que poderiam ter correlação com a definição dos valores pagos, tomando como base os contratos que têm seus números revelados ou, ao menos, especulados pela imprensa. Aqui deve ser ressalvado que algumas negociações não são divulgadas e, mesmas as que são, na maioria das vezes, não elencam todas as contrapartidas incluídas no compromisso.
Uma maior duração do tempo do contrato implicaria em cifras mais altas, visto assim se precaver contra uma eventual inflação? Teriam os contratos mais recentes valores mais altos do que os feitos no passado? Há algum tipo de correlação entre o número de assentos e os valores? Seria o número de equipes que usam a instalação um balizador? A atratividade da cidade para turismo e negócios tem algum tipo de influência?
Há ainda que se considerar que muitas dessas instalações também são utilizadas para espetáculos musicais e demais eventos culturais, os quais, muitas vezes, têm um apelo até maior para os patrocinadores. 
Após diversos cruzamentos não foi detectada nenhuma correlação significativa entre os valores dos contratos e os fatores quantitativos citados acima. Todavia, foi possível perceber que elementos qualitativos como status e credibilidade parecem estar norteando o interesse das marcas, ou seja, ainda que se consiga auferir algum tipo de receita com ativações nos locais, os aspectos intangíveis têm forte poder de atração.
O estudo mostra também que há uma forte concentração de empresas do setor financeiro como detentores de naming rights (39,4%), seguidas de longe pelas de bens de consumo com 10,1% de participação.
Outro dado bem interessante diz respeito à grande incidência de empresas que adquirem esses direitos nos estados (56,6%) e cidades (32,7%) onde estão localizadas suas sedes.
Essa característica reforça a conclusão de que as motivações qualitativas exercem forte influência na decisão quanto a esse tipo de investimento, que privilegia, entre outros, uma espécie de marcação de território e a imagem de ser “dono” de uma instalação onde são realizados eventos que movimentam a população da região, incluindo as partidas dos times da cidade.
Há inúmeras outras informações, as quais, por falta de espaço aqui não puderam ser mencionadas, daí sugerirmos a leitura do estudo que, certamente, ajudará a ter uma ideia melhor desse mercado, tão pouco explorado no Brasil.

PS: Estarei falando sobre esse estudo no II Encontro Nacional de Marketing Esportivo no dia 27 de outubro às 10 h. As inscrições para o evento são gratuitas e devem ser feitas pelo site sportxp.com.br


terça-feira, 6 de outubro de 2020

Assassinato de reputações

O massivo uso das redes sociais tem sido responsável pelo aparecimento de uma situação bastante complicada, cuja expressão que dá título ao artigo traduz bem o que se pretende explorar. Não se faz referência aqui apenas às “fake news”, mas sim ao caráter opinativo e multiplicador que elas exercem.
Qualquer pessoa que se torne um pouco popular em qualquer atividade, logo será questionada, não importando aqui sua real capacidade, tampouco à dos que a criticam.
O que no passado se restringia às rodas de conversas que, “embasadas” por notícias divulgadas na imprensa, geravam discussões, agora, aditivadas pelo alcance das redes sociais se reproduzem acrescidas de pontos de vistas pessoais, a maioria sem base, até se formar um contingente considerável de críticos do que ouviram falar.
Peguemos as avaliações sobre técnicos de futebol. Quem nunca teceu algum comentário sobre a incapacidade de um treinador, citando inclusive qual teria sido o erro cometido e decretando uma conclusão definitiva, coincidentemente: a sua opinião. Sabe-se lá por qual razão, esquecem que o técnico possui muito mais conhecimento do que está acontecendo no ambiente – como têm sido os treinos, os problemas médicos, os aspectos emocionais, etc. – do que seus críticos, isso sem falar da maior experiência e sucesso na função.
Embora não sejam posturas muito razoáveis, podemos até entendê-las ao evocar a paixão incutida no esporte, a qual muitas vezes não nos deixa ver o quão possivelmente injustos e presunçosos estamos sendo nessas situações. 
O problema fica ainda maior quando esse tipo de comportamento transcende para áreas onde a emoção não deveria se manifestar. Talvez o paralelo feito acima com o esporte explique com perfeição a causa desse, digamos, “fenômeno” do crescimento desordenado de especialistas.
Decisões do judiciário são julgadas como boas ou ruins, simplesmente pelo fato de coincidirem ou não com o que estamos torcendo. Isso mesmo, se queremos que alguém seja preso, não importa o que diz a lei, qualificaremos o decisor em função da coincidência ou não da nossa “torcida”
Ah, mas nem mesmo os profissionais da área são unânimes na sua interpretação, portanto, é possível sim, questionar a decisão. Verdade, mas atentem que nesta argumentação foi incluída a expressão “profissionais da área”, ou seja, pessoas que, em tese, estudam e têm experiência no tema. 
Os dois exemplos citados já seriam suficientes para sintetizar o problema, porém, infelizmente, a quantidade de áreas que são alvos de críticas por parte de quem não conhece é enorme: médicos passaram a ser avaliados em função da prescrição de certos remédios, economistas em função das reformas, profissionais de marketing por pessoas que nem sabem o que isso significa, e por aí vai.
Na verdade, basta ter um mínimo de projeção junto à opinião pública que o processo de desconstrução se inicia.
É óbvio que todos podem, e devem ter opiniões, mas o grau de certeza quanto às mesmas e a forma de se expressar precisam ser calibrados em função do que efetivamente se conhece sobre o tema.
Daí se origina a menção às redes sociais como cúmplices dos “assassinatos de reputações”, visto terem se tornado um terreno seguro para covardes que encontram semelhantes e ignorantes para aplaudirem e reverberarem suas tolices agressivas.