terça-feira, 30 de maio de 2023

As marcas e o racismo

Vamos falar de racismo, mas não pelo prisma da covardia, da ignorância, da falta de empatia, isso já foi bastante abordado e de formas muito mais eficazes e interessantes do que eu seria capaz de fazer.
Vamos falar de marketing e de patrocínio, mais especificamente das marcas que investem nos clubes envolvidos em casos de racismo e da LaLiga - liga que rege o campeonato espanhol de primeira divisão.
Primeiramente devemos procurar entender a motivação de uma marca para se investir no patrocínio esportivo. Se for visando uma mera exposição, ok, a ação até pode ser efetiva, embora não aproveite todo o potencial do investimento e incorra no risco de estar associada a algo nocivo.
Derivamos esse raciocínio para um segundo questionamento: as marcas devem buscar a boa aceitação de todos, mesmo que nesse universo estejam os racistas, ou focar apenas naqueles que valorizam e praticam o respeito?
Será que passa pela cabeça dos gestores das marcas que investem no esporte, que essa atividade traz em sua essência valores nobres e que, sendo um agente também de formação educacional, deve ser protegido de qualquer ameaça que possa por em risco seus valores.
Pois bem, ainda que haja uma série de obstáculos jurídicos para a rescisão de contratos, seria fundamental, tanto para o combate ao racismo como para a própria saúde das marcas que essa possibilidade fosse considerada. A hipótese de o racismo ser algo cultural, por mais que possa ser real - vide as declarações iniciais do presidente da LaLiga e de outras reações “benevolentes” de parte da população -, não pode redundar em conformismos que deixem a situação parecer normal.
Nesse contexto, o marketing tem muito a contribuir!
Por mais que os clubes espanhóis tenham parte significativa de suas receitas advindas dos direitos de transmissão, essas já não possuem a significância de outrora. Na temporada de 2006/2007, por exemplo, o faturamento com broadcasting do Barcelona cresceu 135% enquanto o obtido com marketing evoluiu 200%. No Real Madrid, desde 2012/13, o faturamento com marketing é o de maior peso entre as receitas recorrentes.
São números que nos permitem refletir sobre até que ponto os clubes e a liga espanhola conseguem sobreviver sem as marcas.
Claro que existe também a possibilidade de boicotes às marcas que se posicionarem contra o racismo, caso seja algo realmente cultural.
Há, no entanto, dois contra argumentos para esse ponto: 
(i) o conceito de ESG  - Environmental, Social and Governance - torna-se de forma exponencial cada vez mais importante para as empresas, inclusive no que tange o mercado;
(ii) toda empresa recebe diariamente dezenas propostas de patrocínio, as quais, mesmo que não proporcionem em um primeiro momento o mesmo retorno do futebol, podem de alguma forma contribuir para o processo de valorização da marca, ou seja, o futebol não é a única opção, tampouco o único esporte.
Não creio que as coisas devam chegar aos pontos de rompimentos e rescisões, seria muito radicalismo, a intenção do texto é mostrar que as marcas têm um poder transformador muito mais forte do que se imagina, basta serem geridas por profissionais que entendam que a sustentabilidade, inclusive a dos resultados, devem fazer parte dos seus objetivos profissionais e pessoais.






terça-feira, 23 de maio de 2023

Ativismo de marca

Após um período de licença, a Vice-Presidente de marketing da Bud Light e seu chefe foram desligados sob a alegação de que a empresa precisava simplificar sua estrutura de marketing focando no seu core business: produzir ótimas cervejas.
Ainda que o comunicado seja aceitável - afinal nenhuma empresa pode esquecer/ignorar seu core - e traga a verdadeira razão nas entrelinhas, o enredo do ocorrido traz ótimos ingredientes para uma análise de marketing.
Tudo começou quando foi lançada uma campanha que tinha como um de seus objetivos, reverter a perda de mercado que a empresa estava sofrendo junto aos consumidores, ditos mais liberais.
Nessa ação, a Bud Light usou a influenciadora Dylan Mulvaney, uma transgênero, fato que desagradou o público mais conservador que, através das redes sociais, promoveu um boicote ao produto. 
Políticos do partido republicano surfaram na onda para atacar a iniciativa, democratas para defender, enquanto as vendas caíram 17% na semana do lançamento da campanha em relação ao mesmo período do ano anterior.
Vou resistir à tentação de dar minha opinião sobre a utilização de pautas de costume por parte de políticos, principalmente quando se aproveitam de uma campanha de marketing de produtos. Prefiro focar na iniciativa em si.
Embora o conceito de ESG (Environmental, Social and Governance - sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) esteja se tornando um alvo de preocupação para todas as empresas, é preciso avaliar bem as iniciativas a serem implantadas, de forma que não se gere problemas em outras áreas.
Não se preconiza com a fala anterior um banimento às ações que venham a dar voz a ações de ativismo, óbvio que não. Podemos evocar aqui a Ben & Jerry’s, marca de sorvete norte-americana que, mesmo com ações de defesa à igualdade racial e de gênero, mudança climática, e direitos de refugiados e imigrantes, entre outros, consegue atrair e manter clientes de todos os espectros políticos
O problema no caso da Bud Light ocorreu devido ao fato de ela não ter esse tipo de identidade e, de forma abrupta, querer contemplar uma nova linha de comunicação.
Na verdade, não havia razão para entrar num terreno polarizado e minado, todavia, talvez pior do que a adoção da campanha sem ter feito uma avaliação mais criteriosa das eventuais consequências, foi a reação da empresa ao boicote. 
Aqui não se discute o afastamento dos executivos, caso essa avaliação contemple os resultados por eles entregues diante das expectativas, porém, o cancelamento da campanha pode vir a denotar que a empresa é frágil no que diz respeito às suas convicções e suscetível a pressões. Isso sem falar na rejeição que causou naqueles que defendiam a campanha.
Espero sinceramente que as marcas não abandonem as pautas de ativismo, contudo, é mandatório que esses movimentos se deem de forma planejada e não venham com expectativas de geração de receitas de curto prazo.







terça-feira, 16 de maio de 2023

Quer apostar?


Antes de desenvolvermos o artigo sobre o recente escândalo das apostas esportivas, é preciso esclarecer que esse tipo de má conduta não é uma exclusividade do Brasil.
No campeonato italiano da temporada 1980-81, por exemplo, jogadores e dirigentes de times como Lazio e Milan se envolveram em manipulações de resultados para se beneficiarem na loteria esportiva. Ambos os clubes foram punidos com o rebaixamento.
Suspeitas desse tipo de prática também ocorreram em 2009, envolvendo cerca de duzentas partidas, inclusive da Champions League. A lista é longa...
Nesse contexto, o questionamento que se pode fazer sobre o ocorrido especificamente no Brasil se resume a um suposto processo de educação mais frágil. Aqui não me refiro simplesmente às escolas, mas também aos lares, independentemente de classe social. Isso talvez explique algumas permissividades.
Atos como fraudar documentos, dirigir pelo acostamento, além de receber e dar propinas, entre outros, sāo tolerados e vistos como faltas pouco graves, ou pior, normais.
Também deve ser esclarecido que a manipulação de apostas não se restringe ao futebol. Há escândalos famosos que renderam inclusive obras culturais, tais como o filme “Eight Men Out” - que narra ações de suborno na principal liga de baseball nos EUA – e a série “The Hansie Cronje Story”, que conta a história do capitão da seleção de cricket  da África do Sul, também envolvido em operações escusas. A lista é longa...
Voltando ao atual escândalo no Brasil e analisando a situação pelo prisma de marketing, não há como negar que se trata de uma atitude deplorável, que mancha a imagem e a credibilidade da modalidade envolvida e de todos os seus stakeholders.
As consequências, nós só saberemos adiante, mas não custa lembrar que a decadência do turfe teve como uma de suas causas, as suspeitas de manipulação de apostas.
Será que o torcedor continuará acreditando na idoneidade dos atletas?
Como serão interpretados os próximos cartões amarelos e demais ações individuais prejudiciais ao próprio time?
Será que alguns árbitros também fazem parte do esquema?
Será que os atores citados acima terāo a devida tranquilidade para exercerem suas funções?
Não podemos negar que a paixão tem o poder de fazer com que se releve essas suspeitas, mas como fica a "razão" que deve permear os investimentos dos patrocinadores?
Será que eles acharāo interessante associar suas marcas a clubes e demais organizações esportivas que abrigam eventuais focos de corrupção?
As próprias empresas de apostas que patrocinam o futebol deveriam repensar se essa associação não é conflitante no presente momento.
Há os que simploriamente acham que basta regulamentar o jogo que o problema estará resolvido! Mas o que se entende por regulamentar? Simplesmente taxar, adequar à legislação local e cobrar melhores práticas de compliance?
Nāo sejam ingênuos, por favor! Não ignorem a economia paralela e informal, essa nunca acabará.
Ainda que a regulamentação seja necessária - já vislumbro a criação de uma agência regulatória com a devida criação de cargos com indicações políticas -, penso que a diminuição desse tipo de crime passe obrigatoriamente pela proibição de apostas que envolvam as ações dos jogadores de forma individual e na punição extremamente severa dos criminosos – corruptor e corrompido –, após um julgamento justo, sejam esses que forem.
Isso se faz urgente!







terça-feira, 9 de maio de 2023

Setecentos é a marca



São quase catorze anos escrevendo e publicando semanalmente algum artigo sobre marketing.
No início aplicando o marketing ao esporte e lutando para esclarecer sua real função. Com o passar do tempo, o esporte começou a ter a companhia de bens de consumo e varejo, entre outros, mas a luta pelo esclarecimento continua. E o pior, sem perspectivas de vitória, afinal a confusão acerca do que é marketing não para de crescer.
Contudo, não há como negar que a atividade de escrever e se atualizar sobre marketing provoca enorme prazer, ainda que exija muita disciplina.
Disciplina para não publicar antes de terça-feira algum artigo já pronto, mesmo correndo o risco de deixá-lo menos atual.
Disciplina para, mesmo sem inspiração, buscar até o último minuto algum tema afim ao propósito do blog e que não seja repetitivo.
Disciplina para não se exceder agressivamente nos textos contra doping, corrupção e ações que denotem desvios de caráter e princípios.
Disciplina para não desanimar com a distorção a respeito do que vem a ser marketing.
E por fim, o mais difícil: disciplina para não fazer do blog uma ode de amor ao Fluminense.
Além desses desafios, ainda há o de tomar o máximo de cuidado para não imprimir um tom professoral aos textos, afinal, o objetivo é provocar reflexões sobre os temas.
Definitivamente é uma experiência muito positiva, pois, além já ter rendido um livro sobre marketing – quem sabe não vem o segundo - força a atualização e o permanente aprendizado.
Nunca imaginei chegar a 700 textos, não mesmo!
Questiono-me até onde quero chegar e de que forma. Será que a frequência deve continuar a ser semanal? Toda terça? Sempre publicar alguma hora e 42 minutos?
E se parar, como será? Vou parar de escrever para sempre?
Não tenho nem indício das respostas, mas confesso que a vontade de parar por vezes se faz presente.
Não será desta vez, pelo menos no que depender de mim.
E antes que reclamem pelo texto não ter abordado nada de marketing, adianto que a escolha da linha editorial do blog foi baseada no posicionamento que decidi adotar após a aplicação de alguns exercícios para esse fim: “marketing é muito mais”.
O formato também considerou a importância de se ter algo frequente para gerar um hábito, a distribuição contemplou estudos sobre canais e a atuação dos outros conteúdos que concorrem pela atenção do leitor.
A gratuidade como forma de precificação tem como intuito atender o propósito de levar esclarecimento a todos que o queiram e não a quem pode, reforça esse propósito, o fato de nunca ter aceitado nenhum tipo de anúncio na plataforma.
O público-alvo são vocês que me brindam com sua leitura, a quem agradeço juntamente com os que me incentivaram a iniciar o blog, aos que sugerem temas e aos que comentam enriquecendo o conteúdo.
Muito obrigado!








terça-feira, 2 de maio de 2023

Paixão e gestão


"A razão e a paixão são o timão e a vela da nossa alma navegante" - Khalil Gibram
Creio que ninguém colocará em dúvida a importância do binômio razão-paixão para a condução de tudo em nossa vida, a grande questão que se faz presente é acerca da dosimetria de ambas, até porque a cada situação a calibragem precisa ser alterada.
Por mais que se preconize, por exemplo, que uma boa gestão corporativa deva ser exercida apenas com a razão, na verdade, a paixão precisa existir, pois é ela que aditiva a motivação e a superação, ressalvando que de modo algum pode vir a superar a razão.
Os que acompanham o futebol devem ter visto recentemente um desentendimento entre o CEO da marca de moda Reserva e o presidente do Fluminense Football Club. Sabe-se lá por qual razão, o CEO da empresa usou suas redes sociais para criticar uma atitude do clube e, para isso, se utilizou de fatos mentirosos tentando correlacionar a centenária instituição a atos de racismo, demonstrando um completo desconhecimento sobre a história dessa agremiação.
O clube imediatamente desmentiu as acusações e seu presidente rescindiu um contrato que tinha com a marca de roupas do citado CEO, abortando ainda outra negociação que estava em andamento com a mesma empresa.
Festival de paixões!
O CEO, por mais que tenha o total direito de expressar suas opiniões como cidadão precisa considerar que a separação entre pessoa física e jurídica é extremamente difícil e que eventuais interpretações equivocadas podem redundar em problemas que impactem os resultados e consequentemente afetem os acionistas e os colaboradores da empresa. Quando apela para mentiras, então, a situação se torna ainda muito mais grave.
É preciso entender que certos cargos deixam os ocupantes mais expostos e que eventuais opiniões pessoais podem respingar nas instituições que representam, principalmente em assuntos nos quais a racionalidade não costuma passar muito perto e numa sociedade onde as redes sociais agem como tribunais.
Vale registrar que o CEO da Reserva ao ser alertado do teor mentiroso de suas palavras se retratou dignamente.
Já o presidente do bicampeão carioca, ao decidir romper o contrato em função desta declaração, agiu de forma similar ao desprezar a razão que o levou a firmar compromisso, em tese, benéfico para o clube, para mostrar sua revolta com a atitude do CEO.
Mesmo reconhecendo que a paixão ainda faz parte do universo dos gestores de futebol, há que se encontrar um equilíbrio entre a defesa institucional do clube e sua saúde financeira.