terça-feira, 8 de março de 2022

Marketing de escassez


O final de todo grande evento desperta nos espectadores o desejo de que a próxima edição aconteça logo, aliás, tal desejo serve também como indicador de avaliação quanto à atratividade do acontecimento.
Todavia, por mais que a vontade nos direcione a verbalizar que gostaríamos de um intervalo menor entre as edições, não podemos desprezar que a realização de forma mais frequente poderia diminuir a atratividade do evento.
Este fenômeno tem forte relação com o que chamamos de marketing de escassez - scarcity marketing - , que vem a ser uma estratégia baseada na possibilidade de escassez de algum produto ou serviço para gerar um senso de urgência e aumentar as vendas de forma mais rápida.
Evidentemente que, no caso de grandes eventos, a menção relativa a vendas só faz sentido quando falamos de ingressos, porém, o que queremos mostrar é que o fato de o evento não estar sempre disponível aumenta o desejo de se estar presente.
Quantas vezes já não nos deparamos com anúncios explicitando que uma promoção é por tempo limitado ou até quando durar o estoque, o que nos deixa tentados a comprar imediatamente, muitas vezes sem ponderar acerca da efetiva necessidade, do preço ou mesmo do tamanho do estoque. 
Isto acontece porque nosso cérebro, de forma inconsciente, tende a relacionar a escassez de algo ao seu valor.
Para ilustrar o conceito, peguemos a Adidas que tem focado em lançamentos de peças com edição limitada e alguns sites de e-commerce que permitem que o comprador visualize o número de produtos disponíveis. Os primeiros lançamentos do iphone servem também como exemplo quando nos lembrarmos das filas que se formavam nas portas das lojas da Apple, assim como os sanduíches "sazonais" do McDonald's.
Passemos então para o tema que nos motivou a desenvolver o artigo: a intenção da FIFA em diminuir o intervalo entre as edições da Copa do Mundo de quatro para dois anos.
Além de ir contra o conceito do marketing de escassez que narramos acima, a iniciativa mexe com todo o calendário de grandes eventos, tais como Jogos Olímpicos, copas continentais e campeonatos mundiais de outras modalidades esportivas, entre outros.
Há ainda o problema de desfalcar os times que têm jogadores “selecionáveis” numa frequência ainda maior do que a atual, o que pode levar os clubes a mudarem suas políticas de contratações e, quem sabe, restringir o mercado, fazendo com que a indústria do futebol seja abalada.
Por mais interessante que seja a Copa do Mundo, a paixão que move este esporte tem sua base fortemente atrelada aos clubes e, qualquer movimento que venha a enfraquecê-los certamente se refletirá nas competições entre seleções.
Não parece razoável qualquer tese que defenda que a “entrada” e retenção de torcedores apaixonados se deem através da seleção e não pelos clubes, que estão mais ao alcance do torcedor que pode assistir uma quantidade significativa de jogos in loco, sem falar na rivalidade do dia a dia. Ainda que existam rivalidades entre países, não há o convívio diário com o torcedor adversário, alvo e vetor de gozações que dão subsídios para discussões que alimentam a paixão.
A FIFA, ao acenar com esta possibilidade, demonstra uma visão não apenas de curto prazo, mas também distorcida ao não entender que tanto clubes como outras modalidades são de vital importância para a cadeia esportiva.
É preciso ter em mente que torcedores de clubes são potenciais torcedores de seleções, que fãs de outras modalidades esportivas são mais propensos a acompanhar as demais, e que assistir sempre um tipo de competição tende a gerar desinteresse.




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