terça-feira, 28 de outubro de 2025

Terceiro lugar

Antes que o título possa de alguma forma remeter a conquistas esportivas, adianto que o texto aborda um conceito de marketing que tem sido bastante adotado no varejo. 
A origem da nomenclatura visa “hierarquizar” o varejo no terceiro lugar como ambiente social, onde as pessoas podem se reunir e interagir. A casa é considerada o primeiro lugar, seguida pelo trabalho.
O racional do conceito sugere que o estabelecimento varejista precisa oferecer atrações aos que lá frequentam, de modo a atrair públicos com interesses similares e assim propiciar uma sensação de pertencimento aos que participam dessas “atrações”.
A título de exemplos da iniciativa, podemos citar a Apple através do Today at Apple, no qual as lojas dedicam espaço para aprendizado, e a Lululemon, que oferece aulas de yoga em suas instalações. Obviamente, todas essas atividades proporcionam a possibilidade de interação entre as pessoas.
No segmento esportivo, temos a Bandit Running que, além de comercializar produtos para a modalidade, organiza treinos e reúne praticantes. No ciclismo, A Rapha, marca inglesa especializada em ciclismo faz algo similar.
No Brasil, o varejo ainda está bem atrasado no que tange ao conceito, fato que tem entre as causas, o perfil do nosso consumidor que privilegia o preço à experiência. Essa característica acaba fazendo com que os varejistas não invistam no conceito para não terem que repassar os custos para o preço dos produtos. A argumentação de que “boas experiências” atraem mais público é correta, a dúvida que paira diz respeito ao tempo necessário para a conversão dos frequentadores em consumidores. Deve também ser acrescentado que a concentração no varejo brasileiro deixa as marcas, digamos, mais acomodadas do que em países em que haja maior competição pelo mercado.
Apesar dessas dificuldades conjunturais do país, o conceito do “terceiro lugar” não deveria ser ignorado, visto a crescente necessidade de as pessoas buscarem conviver e pertencer a todo momento. Ilustra esse quadro, a proliferação das assessorias esportivas, grupos que treinam principalmente corrida e ciclismo sob a supervisão de treinadores. 
Nessas, vemos amizades e casais serem formados, fotos das atividades registradas e até a realização de treinamentos propriamente ditos, ainda que, aparentemente, esse não seja o objetivo principal.
Vale relatar que as assessorias esportivas, muitas sem essa denominação, começaram a surgir no final da década de 80, só que na época, a relação de motivação era inversa da atual - ou seja, treinar era o objetivo precípuo – e o número de praticantes menor.
É muito bom acompanhar esse movimento e constatar que mais pessoas estão praticando atividades físicas, além de poder ver as assessorias adotando o conceito do “terceiro lugar”, mesmo que nunca tenham lido artigos ou livros do sociólogo Ray Oldenburg, talvez a maior autoridade sobre o tema.
Por outro lado, a massificação também preocupa, já que aumenta o risco de o esporte ser desvirtuado tamanha a incidência de treinadores e “alunos” que não dignificam os valores do esporte. 
A prática de atividades não condizentes com os melhores hábitos de saudabilidade e discursos que preconizam métodos de treinamento claramente enganosos são ofensores do esporte.
Jamais podemos ignorar que o treinador é, antes de tudo, um profissional de educação e, como tal, precisa colocar os princípios nobres do esporte à frente dos interesses financeiros e do egocentrismo.




terça-feira, 21 de outubro de 2025

O marketing "genérico" assola o mercado

Recentemente li um excelente artigo no Meio & Mensagem, o qual foi escrito pelo fundador da Fort Consulting e tinha como título “O futebol precisa de mais marketing”. Título cirúrgico e conteúdo perfeito para explicitar a importância do posicionamento quando se quer trabalhar efetivamente com marketing.
No texto, o autor cita vários exemplos de clubes que entenderam a necessidade de se posicionar, tais como o Forest Green Rovers da Inglaterra, o Paris St. Germain, o Como da Itália e o Athletic Bilbao, que aqui já foi tema em 2013, vide https://halfen-mktsport.blogspot.com/2013/01/athletic-bilbao-um-case-de-uma-causa.html.
A título, puramente, de atualização, informo que o Fluminense poderia fazer parte do seleto grupo que o texto do Meio & Mensagem retrata, pois, no passado, sua equipe de marketing desenvolveu um trabalho de posicionamento mercadológico, no qual se chegou ao “Nós somos a história”. 
Infelizmente, como o artigo “O futebol precisa de marketing” enfatiza, a falta de visão de marketing levou o clube a não explorar fortemente o conceito.
Hoje, o “Nós somos a história” vive dos residuais de postagens aleatórias em redes sociais e de um vídeo produzido internamente que, vez por outra, surge em alguns grupos de tricolores no WhatsApp.
Uma pena...
As causas dessa “pouca atenção” ao marketing estão diretamente ligadas ao desconhecimento do que efetivamente vem a ser marketing, costumeiramente confundido com comunicação e vendas.
Embora estejamos focando o futebol, é preciso registrar que muitas confederações de esportes olímpicos, comitês e até marcas, em tese consolidadas, denotam ignorância sobre o tema e também negligenciam a importância do posicionamento.
A situação se agrava em função da ansiedade por espaço na mídia e por engajamento, o que contribui  por uma quase cristalização disforme do marketing.
O processo de propagação da incompreensão é bastante curioso: os CEOs/presidentes, ao não terem o juízo correto sobre os benefícios do marketing e para o contemplarem no organograma, estabelecem como objetivos a captação de patrocínio, o engajamento e o número de seguidores, entre outros de cunho tático, preterindo, deste jeito, o aspecto estratégico que é sua essência.
Consequentemente, o recrutamento para se ocupar as posições deste departamento acaba sendo voltado para profissionais de comunicação e vendas.
Pronto, está criada a cultura de “marquetingue” naquelas organizações, desperdiçando assim um terreno fértil que poderia proporcionar ganhos muito maiores no longo prazo.
Será que não passa pela cabeça dos gestores das organizações que as marcas estão ávidas para se associarem a valores que são abundantes no esporte?
Será que não enxergam que o mercado de “patrocináveis” é imenso e que os valores do esporte são ferramentas de vantagem competitiva que poucos concorrentes possuem.
Pois é, parafraseando o autor do artigo no Meio & Mensagem, o esporte de forma geral precisa de mais marketing, mas marketing mesmo, não o genérico.



terça-feira, 14 de outubro de 2025

Economia da nostalgia

Frequentemente surgem expressões para a descrição de conceitos de marketing que, mesmo facilmente identificáveis, acabam passando despercebidos aos olhos da maioria das pessoas. Basta, no entanto, ganharem uma "denominação" para serem notados e até adotados por algumas marcas.
Agora está em voga a "economia da nostalgia". Ela visa explorar as emoções provocadas por ligações afetivas do passado, seja com produtos, trilhas musicais e demais formas de lembranças.
A Netflix, ao produzir o  filme Strangers Things, apostou numa ambientação dos anos 80 através de vestuários, músicas e produtos, fazendo até com que alguns, como o Eggo Waffles,  tivessem expressivo aumento de vendas. 
Continuando na seara cultural, os remakes de novelas como Vale Tudo e as turnês de grupos musicais ajudam a ilustrar o conceito.
No esporte, a Adidas com o lançamento do tênis retrô Stan Smith e a Nike, através do Air Jordan 1 em que manteve o design, mas com materiais e cores diferentes, também obtiveram sucesso com a estratégia.
Os relançamentos das câmeras Polaroid e de modelos clássicos de celulares da Nokia são outros exemplos da estratégia “nostálgica”, assim como a volta dos tênis Bamba e dos chocolates Surpresa da Nestlé, nos quais os cards colecionáveis vêm em versões digitais.
Pelo prisma do incremento das vendas e engajamento, a explicação para o sucesso da estratégia está relacionada ao aumento de expectativa de vida da população e o provável maior poder de compra da geração que, na época áurea desses produtos, os consumia com o dinheiro da mesada e/ou o dos pais. 
Pelo lado emocional, considera-se também a reconexão com a memória afetiva dos bons sentimentos vividos na infância e adolescência.
Espera-se com isso que a gratidão pelo respeito às suas memórias, se traduza em fidelidade e propagação.
Expectativas legítimas, sem dúvida, porém, se bem trabalhada, a "nostalgia" tem ainda o poder de servir como elo entre gerações.
Filhos e netos, ao se depararem com histórias ou mesmo se lembrarem de produtos usados pelos pais e avós, podem se tornar novos consumidores, mantendo assim a perenidade da marca.
No segmento de luxo, a Antonio Bernardo aposta nessa estratégia ao lançar uma pulseira e um colar chamados New Wish, que nada mais são do que as versões em prata dos tradicionais produtos Wish em ouro - objetos de desejo de toda uma geração.
Tal ação, além de trabalhar a "economia de nostalgia", traz para o mercado de joias, uma nova geração que, talvez, não o priorizasse em sua escala de desejos.
Evidentemente, há outras maneiras de se trabalhar a construção de vínculos emocionais entre marcas e consumidores, porém, em termos de investimento e tempo, elas certamente demandariam mais do que a "economia da nostalgia".





terça-feira, 7 de outubro de 2025

Educação vem de berço!

Alguns fatos, independentemente do período em que ocorrem, possuem o dom da atemporalidade, ou seja, passam anos e continuam atuais quando divulgados.
Através das redes sociais, tal característica fica ainda mais evidente, além do que, pela quantidade de informações que nos “bombardeiam” diariamente, muitas postagens e notícias antigas acabam passando despercebidas.
Pois bem, semana passada recebi um vídeo que mostrava uma cafeteria, onde um mesmo café recebia três precificações, as quais se baseavam na forma de se solicitar a bebida. Quando o cliente pedia “um café”, o preço era 7 €, se falasse “um café, por favor”, caía para 4,25 € e dizendo “bom dia, um café, por favor”, pagava 1,40 €.
Pesquisando sobre a ação, descobri que ela se deu em 2013 numa cafeteria chamada La Petite Syrah em Nice, na França 
Na prática, mesmo para os mal-educados, o valor cobrado foi sempre o mais baixo, visto que o objetivo principal era chamar a atenção para a importância da gentileza de forma divertida.
Alguns estabelecimentos, inclusive fora da França, adotaram ações similares. 
Marcas consolidadas também realizam ações de fomento aos bons modos.
Uma delas, a Southwest Airlines, costuma ter iniciativas reforçando que o bom humor e a gentileza melhoram a experiência do vôo. Na  campanha “Abra a Felicidade” da Coca-Cola, máquinas automáticas liberavam produtos mediante ao recebimento de abraços.
Apesar de citarmos poucas marcas, muitas outras adotam a educação, a gentileza, a solidariedade e a empatia como diferenciais de marketing, pois, além de cumprirem assim um dever social, conseguem criar um vínculo emocional com os consumidores e geram mídia espontânea.
E como começamos o artigo falando de “atemporalidade”, é lamentável constatar que a “falta de educação” não se erradica, aliás, talvez esteja até aumentando ou, quem sabe, ficando mais visível, visto que os pontos de interação entre as pessoas aumentaram graças às ferramentas digitais.
O “bom dia” , o “por favor” e o “obrigado” que foram por muito tempo um bom balizador do grau de educação das pessoas, hoje recebem outras companhias.
O retorno - ou não - das ligações que recebe e não pode imediatamente atender e as respostas - ou não - às mensagens diretas no WhatsApp têm a capacidade de aferir com boa dose de assertividade o quão educada e interesseira a pessoa é. 
O mais encantador dessa análise é observar que educação não está associada ao poder aquisitivo, ao grau de instrução ou à hierarquia, ela está relacionada ao berço, ou seja, à criação recebida.
Diante desta conclusão, tenho duas notícias, uma ruim e uma boa para as marcas que investem em campanhas com cunho educativo: a ruim é que é bem provável que a mudança pretendida não ocorra, já a boa é que as peças publicitárias continuarão atemporais por muito tempo.