terça-feira, 16 de junho de 2020

Normal é normal

Ok, vou iniciar o texto admitindo que sou implicante com certas expressões, principalmente com aquelas que são frutos de modismos e não tenham um cunho de gíria. 
A da vez é o “novo normal”, a qual nos dará margem para discorrer aqui sobre o comportamento do consumidor, um tema sempre em voga no âmbito de marketing.
Primeiramente é preciso esclarecer que o mercado é dinâmico e está sempre em processo de mutação. O “normal” de hoje não será o de amanhã e nem por isso ouvimos diariamente sobre o “novo normal”. Sim, eu entendo que essa expressão surgiu em função de um marco histórico e que tende a mudar hábitos e práticas, mas não entendo porque uma situação que tenha alterado o modo de viver das pessoas durante, sei lá, seis meses, um ano, será mais forte do que um processo evolutivo de mais de 2000 anos - no mínimo.
Negar que mudanças existirão não é a pretensão do artigo, afinal elas acontecem a cada dia e, nesse caso, o impacto foi imenso. Além do que, as situações pelas quais a população está passando proporcionaram experiências inéditas e até convenientes para boa parte. 
Se não fosse uma experimentação motivada pela pandemia, poderíamos, guardadas as devidas proporções, compará-la com as ações das empresas de bens de consumo que colocam promotoras nos pontos de vendas para proporcionarem gratuitamente a degustação de um produto e assim fazer com que um potencial cliente experimente uma marca que, pelas mais variadas razões, dificilmente seria comprada. Acrescente-se a essa iniciativa as licenças trials de softwares e aplicativos, os test drives de automóveis e as amostras de produtos que são incorporadas como brindes em packs, entre outros.
Vale esclarecer que muitas vezes esse tipo de ação não consegue ser convertido em vendas efetivas e as causas são as mais diversas, vão desde a aceitação do produto até sua avaliação em termos de custo-benefício, passando pela facilidade/conveniência em utilizá-lo, pela fidelidade à outra marca, etc.
Diante disso, beira às raias da irresponsabilidade garantir, por exemplo, que um percentual X de pessoas permanecerá usando o e-commerce e demais serviços de entrega ao final do período da pandemia. Ainda que eu acredite que haverá sim um residual considerável de transações que possam vir a ser feitas dessa forma, não podemos ignorar que existem hábitos arraigados por muito tempo e, como tal, não são extintos tão facilmente de forma significativa.
Alguém por acaso acha que as pessoas que passaram a se exercitar dentro de casa continuarão a fazê-lo ao fim da quarentena? Pode até ser que, num dia com muita chuva ou com algum outro tipo de empecilho isso passe a ser uma possibilidade, mas certamente não será uma constante para todos ou para a maioria. Isso porque o comportamento transcende a um único atributo, havendo nele inserido uma série de motivações que, muitas vezes, nem são conscientemente percebidas pela própria pessoa.
A questão que se coloca é que estimar a magnitude dessas mudanças com números e afirmações taxativas não parece ser adequado, até porque a origem do problema foi um fato que, tomando como base o histórico de pandemias, não deve acontecer com frequência.
Para os profetas que preconizam e estabelecem números para as mudanças, a oportunidade é ótima, já que ganham espaço na mídia protegidos pela memória ruim da população, contudo para aqueles que acreditarem piamente nesses futurólogos e resolverem investir baseados nessas projeções, a consequência pode ser pior do que a da própria pandemia. Voltando à alusão feita anteriormente às ações de degustação executada pelas empresas de bens de consumo, seria como se essas resolvessem aumentar substancialmente seus estoques por achar que a iniciativa adotada traria impactos imediatos e perenes aos hábitos de consumo.
O que não faz sentido.




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