terça-feira, 25 de março de 2025

O ciclo chinês

Quando vimos o futebol árabe iniciar sua política de investir fortemente na contratação de expoentes do futebol mundial, certamente nos lembramos do futebol chinês que passou por um movimento similar na década passada.
Sob a influência do presidente Xi Jinping e dos Jogos Olímpicos realizados em Beijing em 2008, o governo da China resolveu apostar no desenvolvimento do futebol e para isso elaborou um planejamento visando se tornar uma potência até 2050.
Os chineses projetaram criar 50 mil escolas de futebol no intervalo de dez anos, porém, não se atentaram para uma questão: como fazer com que mais crianças se envolvessem como praticantes e não apenas como torcedores, afinal, o futebol não faz parte da cultura do país. Não vamos entrar aqui nos problemas relacionados à má gestão e corrupção.
Paralelamente, algumas academias privadas foram criadas, valendo destacar a do Guangzhou com 50 campos de futebol, construída em dez meses ao custo de £ 140 milhões.
Resolvidos os problemas estruturais, faltava convencer os pais de que o futebol poderia proporcionar um bom futuro para os filhos, para isso as academias operaram em formato de internato, propiciando também educação, o que remetia de alguma forma ao modelo norte-americano.
Como parte do processo de fomento, grandes corporações, principalmente as do setor de real estate, compraram equipes, visando, entre outros objetivos, estreitarem o relacionamento com o governo.
Diante dessa maior capacidade de investimentos, contratações caríssimas foram feitas, atraindo tanto técnicos como jogadores, ainda que parte destes estivessem no ciclo final de suas carreiras, como foi o caso do argentino Tevez. Posteriormente, num movimento parecido com o da MLS, a liga chinesa passou a atrair profissionais desejados pelas grandes equipes do mundo, Hulk, por exemplo, custou £ 48 milhões, já o Oscar, com 25 anos, foi adquirido por £ 60 milhões. 
A presença de público nos estádios chineses, que era de 10 mil pessoas em 2006, cresceu para 24 mil em 2018, uma média muito boa, superior aos campeonatos português e holandês, por exemplo. Os direitos de TV, que em 2015 foram comercializados por £ 6 milhões, chegaram a £ 195 milhões anuais no contrato assinado em 2016 com a duração de cinco anos.
Apesar dos expressivos números, a seleção local - vetor importante para solidificação da modalidade -, não conseguia deslanchar mesmo com a naturalização de alguns jogadores, o que levou a associação chinesa de futebol (CFA) a adotar medidas que restringiram o número de estrangeiros, inclusive taxando em 100% a contratação deles cujos valores fossem superiores a £ 5 milhões. Além dessa iniciativa, incentivavam a utilização de jogadores locais com idade inferior a 23 anos e instruíram os clubes a adotarem um teto salarial para as novas contratações.
Como consequência dessas medidas, a audiência baixou a níveis que levaram os valores dos direitos de transmissão à casa dos £ 8 milhões por temporada em 2021, uma queda de 95,8%.
Mas não parou por aí, a CFA determinou ainda que os clubes não poderiam mais ostentar o nome do seu patrocinador, ou seja, de uma hora para outra o Guangzhou Evergrande se tornou o Guangzhou FC, por exemplo. Tal fato, evidentemente, afastou os patrocinadores que também sofriam com o efeito da pandemia, visto que o segmento de real estate foi um dos mais atingidos, o que fez com que as dívidas se avolumassem, contratos com jogadores foram rescindidos e muitos times fossem descontinuados.
Tentei ser bem sucinto no artigo, mas recomendo aos que gostam e acompanham gestão esportiva pesquisarem e lerem sobre todo o ciclo chinês.
As lições que podem ser extraídas são ricas, mas para finalizar vou assinalar duas situações que podem ser derivadas para inúmeras situações.
1 – O esporte, de forma geral, precisa ser visto de forma macro, para daí trabalhar todas as componentes, sendo que a dependência entre elas jamais deve ser desprezada. Um campeonato forte, não necessariamente redunda numa seleção forte, sendo que essa tem bastante importância para a atração de praticantes, fãs e, consequentemente, para a sustentabilidade da modalidade.
2 – Sem o correto entendimento dos benefícios do esporte como ferramental de marketing, a atração de patrocínios ficará dependente à mera exposição da marca ou de interesses políticos. No primeiro caso, passam a ter os veículos de comunicação como concorrentes e no segundo ficam à mercê da conjuntura política.





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