terça-feira, 2 de setembro de 2025

Conflito de interesses

A expressão que dá título ao artigo é uma das mais negligenciadas e ignoradas no mercado corporativo.
Ainda que negligência e ignorância possam parecer sinônimos, a ideia da utilização de ambas no texto é diferenciar simploriamente algo feito em “não conformidade” com os códigos de ética - um de forma consciente, o outro impensada.
Não saberia dizer qual das situações é mais preocupante, pois, se a negligência atesta negativamente o caráter de quem comete atos imorais de forma proposital, a ignorância evidencia uma sociedade pouco aculturada com princípios e valores dignos.
No que tange à ignorância, é preciso reconhecer que existem linhas tênues de interpretação sobre certas situações, muitas delas “normalizadas” pela frequência com que ocorrem, daí a importância da existência de códigos de conduta bem elaborados, divulgados e acessíveis.
Preâmbulo concluído, lanço a pergunta:
O que vocês acham de um time ter como patrocinador a mesma marca que patrocina o campeonato que ele disputa?
Para evitar elocubrações, rechaço veementemente qualquer “tese” que venha lançar suspeitas sobre influências na arbitragem, elaborações de tabelas mais favoráveis ou quaisquer outras teorias que venham colocar em discussão a lisura da competição. Claro que numa sociedade tolerante a fake news e recheada de teóricos conspiratórios, as postagens sobre fatos que justifiquem as infundadas suspeitas serão, infelizmente, viralizadas, o que é ruim para a marca e para a própria competição, independentemente de as suposições não passarem de mentiras torpes.
Meu ponto é outro, ele diz respeito a um dos conceitos que rege o esporte, no qual se preconiza a igualdade de condições de oportunidades para que as competições sejam mais justas e, consequentemente, mais atrativas.
Evoluindo nessa premissa, quando vemos uma marca patrocinar um clube aportando valores extremamente superiores ao que os concorrentes recebem de seus patrocinadores, poderíamos, de alguma forma, alegar que tal investimento contribui para o desequilíbrio da competição. 
Visto de forma isolada, tal alegação não faz o menor sentido, afinal, cabe aos demais clubes desenvolverem estratégias para se tornarem mais valorizados aos olhos dos potenciais patrocinadores. 
Evidentemente, essa busca pela “maior atratividade” deveria considerar os benefícios e malefícios em termos de branding da associação da marca do clube com a da empresa patrocinadora, porém, o atual grau de maturidade da indústria do esporte faz com que os clubes foquem principalmente a busca por receitas de curto prazo, enquanto as marcas priorizam a mera exposição.
Há, no entanto, uma faixa que deveria servir de limite para que a busca pela divulgação não venha trazer reflexos negativos à marca, que é o que pode acontecer quando se está em duas propriedades como o patrocínio ao clube e o title sponsor da competição que o clube disputa de forma simultânea.
Então quer dizer que as confederações não deveriam comercializar o title sponsor de suas competições? 
Quando se tratar de confederações/ligas com boa saúde financeira, tendo a responder que "não deveriam", pois, além de dar margem a ataques contra a credibilidade do campeonato,  o title sponsor desvaloriza as propriedades patrocináveis dos clubes, vide a desproporção no volume de exposição. Ressalto que a Premier League, desde a temporada 2016-17, não tem patrocinador intitulando seu campeonato, mesmo diante de propostas milionárias para tal.
Responsabilizar os gestores de marcas e das confederações/ligas pelos possíveis conflitos de interesse não me parece o mais adequado.  No meu modo de ver, esses problemas poderiam ser mitigados através da adoção de um código de conduta que seja elaborado sob as óticas de compliance, planejamento estratégico e marketing.
Por fim, cabe esclarecer que a coincidência de patrocínios não se dá exclusivamente no Brasil.







 

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Maturidade do LinkedIn?

No segmento de bens de consumo é bastante comum e perceptível o conceito conhecido no marketing como “ciclo de vida do produto”, o qual descreve as fases que um bem percorre durante a sua existência: introdução, crescimento, maturidade e declínio.
Para exemplificar o processo, podemos citar o caso do Bombril, palha de aço usada para a limpeza, cujo crescimento se deu fortemente nas décadas de 80 e 90. No período de maturidade, tornou-se sinônimo de categoria e as vendas tornaram-se estáveis, até que a fase de declínio chegou em função da proliferação de utensílios antiaderentes e de produtos de limpeza multiuso, que impactaram a sua demanda.
Havia algo a fazer para evitar tal desenlace? Talvez! 
A existência do tal “ciclo” não significa que o fim certamente chegará, vide as recuperações de produtos como Danoninho, Omo Líquido e o emblemático case das Havaianas, entre outros, que conseguiram reverter o declínio.
As redes sociais também expressam bem o citado processo. Grande parte delas surge focada em nichos, vai crescendo organicamente atingindo outros públicos, passa a atrair geradores de conteúdo e anunciantes até se tornar uma plataforma de dimensão universal. A maturidade acontece com a estabilização da base de inscritos, da monetização intensa e da adoção de algoritmos que priorizam a geração de receitas.
Essa mudança de algoritmos, associada à saturação de anúncios e ao surgimento de novas redes concorrentes fatalmente contribuem para o início do declínio.
A título de ilustração, lembremos que o Orkut foi substituído pelo Facebook que, voltado ao público das universidades em seu início, cresceu globalmente entre 2006 e 2012, porém, a partir de 2019, sofreu com o envelhecimento da base e da preeminência em publicidade. 
O Instagram, cuja origem data de 2010 e foco inicial em fotógrafos, cresceu bastante graças ao advento de filtros, stories, reels e e-commerce, mas tem sofrido com a saturação que redunda na queda do engajamento orgânico e na concorrência do TikTok.
Nessa relação, poderíamos incluir o Twitter/X e até mesmo o Snapchat, mas para não nos estendermos, vamos passar para o LinkedIn.
Criado no início dos anos 2000, a plataforma arregimentou um milhão de membros no seu primeiro ano. A expectativa de crescimento veio se concretizando até que em 2011, ao alcançar 100 milhões de inscritos, abriu seu capital. Em 2016, a Microsoft o adquiriu por US$ 26,2 bilhões, o que contribuiu para um crescimento ainda maior: 500 milhões em 2017 e 1 bilhão em 2024. 
Mas em que fase do ciclo o LinkedIn se encontra?
Bem, não é difícil constatar que nesse período a plataforma já teve várias "utilidades": “buscador de emprego”, rede de conteúdos, fonte de recrutamento, marketing B2B...
Será que a maturidade chegou?
Em relação ao público, diria que não, vide o seu crescimento entre os zoomers, que buscam na plataforma a construção de sua primeira rede de contatos profissionais e a oportunidade de tomar ciência sobre o mercado de trabalho. Por outro lado, o ambiente mudou muito em relação aos primórdios, e para pior.
A autopromoção excessiva de grande parte dos usuários e os conteúdos superficiais, muitos deles até gerados por inteligência artificial saturaram a rede com posts irrelevantes, que só contribuem para a queda do alcance orgânico e para desvirtuar o conceito original em prol do “eu me amo”.
Vaticinar que a plataforma já entrou na fase de declínio seria exagerado, até porque ainda não surgiram concorrentes fortes que favorecessem o êxodo, mas, certamente, a maturidade chegou e o mais curioso: tendo como causa a imaturidade de certos usuários que, em busca da auto exaltação, deformaram o conceito da rede através de suas excessivas fotos em eventos, das frequentes mensagens comunicando estarem honrados com algo, dos inúmeros agradecimentos piegas, das incontáveis polêmicas de cunho político e dos demais conteúdos sem conteúdo.
Será que há como reverter?





terça-feira, 19 de agosto de 2025

Meu antecessor é...

Por mais que os processos de recrutamento e seleção sejam aprimorados, a perfeição sempre estará longe, visto a quantidade de variáveis envolvidas nesse tipo de avaliação.
Nem me refiro aqui aos hard skills, as habilidades técnicas, pois essas podem ser adquiridas com estudos, treinamentos e experiência. Meu ponto de preocupação está relacionado aos soft skills, à parte comportamental.
Uma situação bastante interessante e corriqueira acontece quando há a substituição de líderes e os que assumem adotam como discurso a crítica aos antecessores.
Insegurança, mesquinharia, burrice ou simplesmente falta de caráter estão entre as causas dessa postura, não descartando aqui o mix delas.
Óbvio que existe a possibilidade de a gestão anterior ter falhas, aliás, é certo que elas existem, assim como as próximas também terão. Além do que, gestão não é uma ciência exata e, como tal, permite visões diferentes, fazendo com que o conceito do que é certo ou errado seja relativo.
O que não se admite discussão é quanto à postura de criticar publicamente os antecessores, por mais que esses tenham performado mal. Por sinal, performance pode ser outro conceito relativo, visto sofrer a influência da conjuntura do momento, da situação herdada e das metas objetivadas.
Reforço aqui que me refiro às críticas públicas de cunho pejorativo, já as que são feitas internamente tanto para si próprio quanto para as pessoas que compõem o círculo de confiança são bem-vindas, pois ajudam a reforçar as convicções e as linhas de atuação.
Abro aqui, mesmo contrariado, uma exceção à política, já que as críticas aos adversários se tornaram plataformas de campanha e armas de defesa.
Meu foco no artigo são os gestores de empresas e de organizações envolvidos num ecossistema, onde stakeholders como fornecedores e clientes estão a todo momento avaliando seus parceiros, principalmente com o advento das redes sociais, onde a exposição chega a níveis alarmantes.
Como justificativas para essas infelizes declarações, as de que o cargo subiu à cabeça e que é difícil resistir à tentação dos holofotes são umas das mais exaltadas. Elas, talvez, até possam fazer algum sentido a título de explicação, mas não justificam, afinal, se tais situações são capazes de influenciar a postura de um líder, esse, definitivamente, não é um líder.
Será que em sã consciência tais sujeitos acreditam que, agindo dessa forma, conseguirão a admiração da equipe ou mesmo acordos comerciais nos quais os parceiros focarão negociações justas e de longo prazo? O pior é que acreditam que sim, tamanha a miopia e o despreparo, só lamento informar – ou não – que estão redondamente enganados.
Para finalizar, fica a reflexão: como alguém pode escolher figuras dessa estirpe para liderar algo?






terça-feira, 12 de agosto de 2025

Os novos donos

A quantidade de casos de jogadores de futebol adquirindo participação em times da modalidade começa a atingir índices dignos de observação. Nesse movimento podemos citar: David Beckham (Inter Miami), Zlatan Ibrahimovic (Hammarby, clube sueco), Mbappé (SM Caen, da segunda divisão francesa), Kanté (Royal Excelsior Virton, da terceira divisão belga), Fabregas e Henry (Como da Itália) e Piqué (FC Andorra), entre outros.
Não vamos aqui entrar no mérito da participação acionária deles, pois, entendemos que tão ou mais importante do que isso, é a governança a ser implantada.
Mas o que será que leva ex-jogadores a investirem em clubes de futebol?
A resposta para essa indagação passa inicialmente pelo fato de a carreira de jogador ser relativamente curta, além de facultar para alguns a oportunidade de amealhar uma boa reserva financeira. Esse cenário propicia a possibilidade de se aplicar tais recursos numa atividade que, em tese, dominam, unindo-a com o “prazer” de poder continuar no ambiente que lhes proporcionou sucesso. 
Não são raros os casos de ex-jogadores que, após a aposentadoria, tentam carreiras que lhes permitam se manter, digamos, atuantes. Parte assume cargos em comissões técnicas, parte vira empresário, enquanto outra vai para a imprensa comentar sobre o esporte. Já o número de jogadores que se tornam gestores não é tão grande e o de proprietários de equipes é ainda menor.
Aqui me vejo na obrigação de explicar a razão pela qual utilizei o “em tese” quando me referi ao domínio da atividade. Meu ponto é que não basta ter vivido em uma função para se tornar apto acerca de tudo o que ela envolve, isto é, o fato de ter sido um bom jogador, não transfere automaticamente a capacidade de gerir um clube, da mesma forma que um bom gestor não vai se tornar um bom jogador pelo fato de ter experiência gerindo times de futebol.
Embora tenha citado o futebol, o movimento de ex-atletas que adquirirem participações em equipes ocorre em outras modalidades, como ilustra a aquisição do Charlotte Hornets pelo Michael Jordan em 2010 (vendeu em 2023) e da tenista Serena Williams, que se tornou sócia do Toronto Tempo da WNBA.
A discussão que se faz urgente é sobre a importância em se ter uma boa gestão numa atividade que, apesar de não ser nova, passa por um processo de mudança nos controles acionários e faz com que o desempenho esportivo - cobrado pelos torcedores - fique cada vez mais dependente dos resultados financeiros, os quais, por sua vez, são cobrados por acionistas como forma de renumerar os investimentos alocados.
Na verdade, o mesmo questionamento sobre a capacidade de um ex-atleta gerir um clube, ou mesmo uma confederação, se estende aos neófitos na atividade que acabam entrando nesse mercado por variadas razões, entre as quais, o provável conhecimento esportivo e/ou "popularidade".
Muitas vezes, parecem ignorar que ter conhecimentos sólidos de administração, finanças, planejamento estratégico, recursos humanos e marketing é fundamental, assim como, evidentemente, da parte esportiva. 
Dessa forma, tendo a concluir que um dos grandes desafios da gestão esportiva é estabelecer uma governança capaz de determinar responsabilidades e objetivos para as organizações que atuam numa indústria com características bastante peculiares e pouca similaridade com qualquer outra. Cumprindo tal etapa, o processo de formação de equipe fica muito mais assertivo.
Infelizmente não é o que temos visto no Brasil.


terça-feira, 5 de agosto de 2025

Qual o "tamanho" da torcida?


A recente pesquisa realizada pelo O GLOBO/Ipsos-Ipec acerca do perfil e tamanho das torcidas dos clubes brasileiros, apesar de conceitualmente interessante para o esporte, deve ser observada com restrições em função da metodologia utilizada e às interpretações distorcidas que ela pode provocar.
“Você só está criticando porque a torcida do seu time apareceu com uma participação percentual pequena”!
Certamente tal frase passará pela cabeça de alguns leitores, mas posso garantir que a quantidade em si pouco me importa, afinal, quantos provedores de conteúdo possuem milhares de seguidores, sem que isso caracterize qualidade? Quantos países têm populações gigantescas e nem por isso atraem imigrantes, turistas, tampouco são desenvolvidos em termos econômicos, esportivos e educacionais? Pois é...
“E a maior atratividade para se obter patrocinadores por parte dos clubes com, supostamente, mais torcedores, não conta”?
Boa provocação, porém, tal réplica só reforça o meu receio quanto às interpretações equivocadas.
Primeiramente, é preciso entender que a pesquisa apresentada busca  estimar o "market share" de torcedores, entretanto, vale salientar que quantidade de pessoas não necessariamente está correlacionada a consumo, já que esse é sensível à capacidade financeira e à oferta de produtos/serviços que gerem demanda. Portanto, diante do que foi divulgado, fica claro que a pesquisa em referência não permite que se infira o potencial de consumo.
Há ainda dois grandes pontos que fragilizam o material:
1 - O tamanho da amostra utilizada é insuficiente para pesquisas que contemplem uma grande quantidade de clubes/opções, fato que se agrava em função da complexidade de se estratificar geograficamente amostras representativas em um país como o Brasil.
No caso das quatro maiores torcidas, esse problema é até mitigado, pois a amostra obtida consegue oferecer significância para algumas análises segmentadas. Todavia, no caso dos demais isso se torna impossível.
Peguemos, por exemplo, o caso do Fluminense - quarto colocado na Copa do Mundo de Clubes e melhor time entre todos das Américas na competição -, que aparece com 0,9% do total de 2.000 entrevistados, o equivalente a 18 torcedores, quantidade que deixa irrelevante qualquer observação sobre o perfil de sua torcida.
Dessa forma, não há como se concluir que seus fãs têm mais ou menos chances de consumir dado produto/serviço do que os de outros times. 
2Por mais que a pesquisa tenha tentado de alguma maneira segmentar o torcedor por, digamos, níveis de fanatismo, essa classificação considerou prioritariamente a autoanálise do respondente, ou seja, bastava o entrevistado dizer o quão fanático era numa escala de 1 a 10 para se categorizar.
No estudo encontramos torcedores se intitulando como fanáticos na escala máxima, mas ao serem questionados sobre os hábitos em relação ao time não passam de meros “simpatizantes”.
A propósito, até a categoria "simpatizantes" pode ser questionada, visto que o "share of mind" (participação na lembrança) e modismos podem interferir na resposta.
Talvez a "categorização" ficasse mais fidedigna se fosse aplicado um pequeno pré-questionário sobre hábitos e até conhecimento a respeito do time. Lembro que em pesquisas de mercado, a classificação socioeconômica de cada respondente costuma se dar tendo como base perguntas filtro que, dependendo do critério, contemplam indagações sobre posse de alguns bens, renda, nível de escolaridade e ocupação, entre outras.
Reafirmo, no entanto, que uma amostra mais robusta é imperioso para que pesquisas possam vir a embasar projetos relacionados ao marketing. 
Além disso, o cruzamento com dados secundários, tais como receitas advindas de sócio torcedor, presença de público, seguidores e assinaturas de pay-per-view, mesmo enviesados por questões relacionadas à capacidade financeira, contribuem para a análise, principalmente quando se busca a estimativa de consumo.
Qualquer coisa diferente disso será mero casuísmo ou um provedor de infantis argumentos para zoações em grupos de WhatsApp e/ou mesas de bar.