terça-feira, 6 de maio de 2025

A cor da nação



Entre os temas que tomaram conta do noticiário da semana passada, um particularmente provocou enorme engajamento: a suposta cor da nova camisa da seleção brasileira. 
A Nike é comunista! O presidente Lula pressionou a empresa norte-americana! Vermelho não faz parte das cores da nossa bandeira!
De todas as três afirmações, a única que é verdadeira diz respeito às cores da bandeira. 
Porém, não custa lembrar, entre outros fatos, que a seleção italiana e a japonesa usam camisas azuis, a holandesa veste laranja e que a própria seleção brasileira já teve recentemente uma na cor preta. A relação de uniformes com cores divergentes é maior, principalmente com o advento das terceiras camisas, mas para não me estender muito, finalizo com a informação de que a utilização de camisa vermelha por parte da nossa seleção não seria inédita, tendo ocorrido em 1917 e 1936. 
Faz-se, no entanto, imperioso esclarecer que não se tratava de um uniforme oficial, e sim uma improvisação em função de os adversários estarem com camisas nas mesmas cores da brasileira. Todavia, se formos considerar o uniforme de goleiro, veremos que nossa seleção teve o vermelho em 2011 e 2014 de forma oficial.
Cumpre lembrar que vários clubes tiveram camisas em cores diferentes da sua bandeira. A “laranja” do Fluminense é um ótimo exemplo, pois, apesar do sucesso comercial, foi muito criticada pelos “tradicionalistas”. Faz parte!
Geralmente, os clubes e seus fornecedores de material esportivo lançam uma coleção por temporada, a qual, além de contemplar uma considerável gama de peças com variadas cores e modelos para treinos e viagens, vem com três camisas de jogo: a home - utilizada nas partidas em que se tem o mando de campo – a away para os jogos na casa do adversário e a terceira camisa, que não costuma ter a mesma frequência de uso das demais.
Particularmente, gosto da ideia da utilização de outras cores no terceiro uniforme, só faço a ressalva quanto aos cuidados para que o modelo não traga matizes que remetam a rivais tradicionais.
Esclarecimentos feitos e opinião dada, podemos focar no vermelho.
Historicamente, é fato que a cor esteve/está associada à esquerda, contudo, imputar ideologia às cores não me parece razoável. Seria a Coca-Cola de esquerda? E o iFood? Quem sabe o Santander? 
Se formos enveredar para esse tipo de associação, há o risco de aparecer gente questionando se a camisa preta da seleção – modelo 23/24 – tinha relação com o fascismo, visto a utilização de camisas dessa cor por parte dos apoiadores de Mussolini, os camisas negras (camicie nere). 
Pelo prisma de marketing, acho errado ter uma camisa com as cores diferentes das que constam na bandeira como a número 1 (home) ou 2 (away), exceto nos casos onde a tradição já tenha consolidada a tal cor, como é o caso, por exemplo, da Azurra italiana. Por outro lado, reitero que gosto da possibilidade de outras cores para o terceiro uniforme, desde que se respeite as restrições estatutárias e estéticas - aqui a subjetividade se faz presente, admito.
Sobre branding, consta que a camisa que gerou a discussão deve vir sob a marca Jordan, a qual pertence à Nike e está presente em um dos uniformes do Paris St. Germain. Trata-se, caso efetivamente aconteça, de uma estratégia que visa modernizar a imagem da seleção e atrair um público mais jovem e conectado à cultura urbana, de forma a aumentar o alcance da equipe para fora do universo do futebol, colocando-a como um ícone de lifestyle.
A propósito, essa estratégia, que podemos chamar de “colaboração”, já aconteceu no Real Madrid com adidas e Y-3 e no Arsenal com a mesma adidas e a 424.
Voltando ao tema que originou a polêmica, as informações mais acuradas dão conta que a cor da camisa seria uma espécie de magenta, e não vermelha, a confirmar. Entretanto, o ponto que, no meu modo de ver, deveria ser debatido se refere à utilização de símbolos do esporte na política. Nessa linha de raciocínio, considero que o uso da camisa amarela da seleção deveria ficar restrita às manifestações do esporte, assim como a vermelha, caso ela realmente viesse a existir. 
Afinal, os princípios e valores do esporte são definitivamente diferentes dos da política e, dessa forma, deveriam ser preservados. 
Acorda nação!
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terça-feira, 29 de abril de 2025

Troca de CEOs

A transferência de um jogador ou de um treinador para times rivais costuma despertar sensações e reações bastante passionais. O fato de se tratar de uma atividade profissional é esquecida e julgamentos sobre aspectos pessoais passam a habitar as manifestações dos torcedores do time “rejeitado’, enquanto que os do time que o receberá ficam divididos entre a desconfiança e a perspectiva de bom desempenho.
Natural!
E qual será a reação quando isso acontece com um gestor como o CEO, por exemplo?
Bom, até pelo fato de o gestor não ficar em muita evidência, tampouco ter seus feitos avaliados sob a emoção das vitórias e derrotas, não creio que desperte maiores arroubos.
Agora mesmo, no início de abril, foi anunciado que o novo CEO do Tottenham será Vinai Venkatesham que, apesar de possuir um belo currículo em gestão esportiva, era mais conhecido por ter sido CEO do arqui-rival Arsenal. Essa rivalidade até mereceria um espaço maior no artigo, visto envolver questões territoriais, posicionamentos na 2ª guerra e, não menos impactante, a transferência de dois jogadores: Emmanuel Adebayor, fazendo o mesmo caminho de Vinal e Sol Campbell, o inverso.
No Brasil, talvez até pelo fato de o cargo ser recente no futebol, há alguns casos similares.
Já no mundo corporativo, ainda que muitos contratos contemplem cláusulas de "nom compete" - (não trabalhar no competidor imediatamente quando sai), há inúmeras mudanças para a concorrência, fato que pode ser explicado pela maior familiaridade do executivo com o setor, o que demanda uma curva de aprendizado menor. Somado a isso, a base de clientes e relacionamentos adquirida torna-se um ativo de extrema valia, isso sem entrar no mérito da inteligência competitiva, pois, por mais ético que se queira ser, é impossível não se utilizar de informações do antigo empregador.
Claro que nem tudo são flores, a possibilidade de um choque cultural existe, o que pode dificultar a adaptação. Dúvidas sobre a lealdade do novo CEO também acontecem, tal qual a relativa ao jogador rival que vem para o seu time.
Embora muitos citem problemas concernentes à resistência interna pelo fato de a empresa não aproveitar algum executivo “da casa”, penso que isso aconteceria, independentemente de o novo CEO vir da concorrência ou não. Concordo, no entanto, que a questão salarial pode interferir nesse contexto, pois, muito provavelmente, o salário para atrair um executivo do “competidor” costuma ser mais alto. Na lista de riscos, valem também ser incluídos os relativos à imagem, já que a busca externa pode vir a denotar alguma fragilidade na formação de talentos.
A propósito, na mesma época do anúncio a respeito da contratação do CEO do Tottenham, a Puma comunicou o nome do seu novo CEO: Arthur Hoeld, ex-diretor de vendas da rival adidas. Cumpre relatar que dois anos antes, em 2023, a adidas contratou para essa posição Bjorn Gulden, que ocupava o mesmo cargo na Puma.







segunda-feira, 21 de abril de 2025

Um Papa chamado Francisco

Escrever sobre o Papa num blog que tem como intuito falar sobre marketing, gestão e esporte poder ser considerado uma tarefa complicada, ainda mais logo após seu falecimento que muito tristeza nos traz.
Porém, se tratando de Francisco, posso garantir que é bem fácil.
Antes de abordarmos os três tópicos que regem a linha editorial do blog, vale relatar que a adoção do nome Francisco, já que o nome original de batismo é Jorge Bergoglio, foi fruto de uma escolha que tem como referência São Francisco de Assis, Santo que viveu entre o final do século 11 e início do século 12, cuja humildade, simplicidade e amor aos animais eram algumas das suas características marcantes.
Como quase todos os argentinos, o Papa era um amante do futebol e torcedor fervoroso do San Lorenzo de Almagro, clube de Buenos Aires que possui forte relação com as camadas mais populares. Campeão da Libertadores em 2004, é considerado um símbolo de resistência e identidade com a cultura portenha. A luta de sua torcida para voltar ao bairro de Boedo, é digna de toda admiração, pois seu estádio, o Gasómetro*, havia sido desapropriado pela ditadura militar.
Ainda sobre o esporte, algumas curiosidades: o jogador Narciso Doval, artilheiro do Fluminense, foi revelado no clube de Almagro. E por falar em artilheiro, o primeiro gol de Germán Cano como profissional ocorreu quando jogava pelo Lanús justamente contra o San Lorenzo. 
Quanto ao marketing, podemos citar as diversas ações promovidas pelo clube tendo o sumo pontífice como figura central. 
Camisas com mensagens do tipo "Papa Francisco: Rezamos por ti, reza por nós", a visita dos jogadores ao Vaticano gerando assim visibilidade e imagem positiva e as viagens do ônibus do clube, o cuervomovil, para percorrer o país visando a captação de novos sócios são algumas das ações que, aproveitando a simpatia e o carisma do Papa, ajudaram o clube tanto em termos de incremento de receitas, como de popularização e fortalecimento da marca.
Já no que tange à gestão, muitos dos seus feitos não tiveram a devida divulgação, dentre esses chamo a atenção para a recuperação econômica e financeira que teve como base a reforma das estruturas da Cúria e o fechamento de mais de 5.000 contas suspeitas no banco do Vaticano, visando combater a lavagem de dinheiro.
A busca por trazer fiéis e resgatar os que abandonaram a igreja católica em função de tabus radicais que não acompanharam a evolução da sociedade e os que se decepcionaram com os atos abomináveis de alguns padres, foram a tônica de seu “mandato”, juntamente com o combate à pobreza.
Muito mais poderia ser feito, alegam os críticos, talvez se esquecendo que reformas exigem tempo e negociação.
Uma de suas frases sobre a Igreja, retrata perfeitamente sua visão sobre o papel dela: A igreja é um hospital de campanha, não um posto alfandegário, que separa os bons e maus cristãos.
As sementes das suas ações estão plantadas.
Adeus, Francisco!


* Em 2014 escrevi um texto sobre o estádio do San Lorenzo, cujo link segue aqui: https://halfen-mktsport.blogspot.com/2014/09/a-fe-remove-ate-carrefour.html

terça-feira, 15 de abril de 2025

A Páscoa e o varejo



A chegada da Páscoa, além de toda essência e cunho religioso que transmite, também nos traz boas lições relativas ao marketing, as quais não se restringem à geração de demanda por produtos sazonais como bacalhau e ovos de chocolate.
Além deste consumo, digamos, extraordinário, há uma série de ações que, provavelmente, para muitos passam despercebidas, entre as quais destaco:
i – a antecedência que o varejo adota na criação da atmosfera da data, através da decoração das lojas como forma de comunicar aos clientes que a Páscoa está chegando e que precisam fazer suas compras;
ii – o aproveitamento de um espaço para abrigar os ovos de chocolate no ponto de vendas, que normalmente não é utilizado para a exposição de produtos, já que ficam suspensos.
Essa arrumação tem o poder de transformar as lojas em ambientes festivos que, além de reforçar a lembrança do evento, não prejudicam o layout e, portanto, não tiram o espaço dos demais produtos, cujo giro é certo e constante.
O que quero dizer é que, muito provavelmente, as vendas de ovos só ocorrerão mais perto da Páscoa, o que faz com que no período compreendido entre o início da decoração até às vésperas da data, o consumo seja inferior ao de outras categorias, as quais, em tese, se tivessem mais espaço para exposição seriam mais vendidas. Todavia, como a área “suspensa” não comporta outros produtos, não há desperdício de espaço e faturamento.
Aliás, consta que a ideia para aproveitamento desse espaço surgiu de um executivo da indústria de chocolate numa negociação com o varejo, o qual utilizava como justificativa para não fazer pedidos maiores a limitação das áreas de estoque e de vendas.
O caso me remete a uma situação que vivenciei nas lojas de conveniência ao estudar a rentabilidade das diversas categorias que compunham seu sortimento.
Nesse processo foi identificado que o cigarro, além de propiciar uma margem menor do que as demais para os varejistas, tinha um índice de perdas bastante elevado. Foi avaliado também que o cross selling – venda de produtos complementares – era inexpressivo. Só não foi avaliado se, pelo fato de comercializar cigarro, as lojas passavam a ser uma opção usual de compras de outros produtos mesmo que nessa ocasião não houvesse a aquisição do item em análise.
Diante das conclusões obtidas, a decisão por tirar a categoria de linha foi tomada e comunicada ao fornecedor do produto que, mesmo descontente, não se deu por vencido e solicitou duas semanas para preparar um estudo para, quem sabe, reverter a resolução,
Pois bem, a indústria preparou um material no qual comparava as margens e as receitas das diversas categorias por metro quadrado e cúbico, e como o cigarro ficava suspenso sem tirar espaço de outros produtos, era notório que se tratava de um produto rentável.
Até hoje o produto é encontrado nas lojas de conveniência, ocupando o mesmo espaço, ainda que o consumo da população tenha diminuído.
O que se tira de conclusão desses dois casos é que há sempre espaço, sem trocadilho, para se questionar o, até então, convencional.

terça-feira, 8 de abril de 2025

A colaboração do marketing

 

A 800ª publicação deste blog nos brinda com a possibilidade de discorrer sobre uma ação de marketing ocorrida na França no final de 2024, na qual dois concorrentes se uniram em uma campanha bastante interessante. Aumenta a motivação para escrever sobre o tema, o atual cenário econômico mundial, onde os países estão deflagrando uma verdadeira guerra de tarifas sobre importação.
Na referida ação de marketing, as marcas KFC e Burger King se aliaram para o lançamento do sanduíche BFF Burger, que na primeira rede vinha na versão de frango crocante e na outra na versão de carne grelhada.
Pouco antes do lançamento, na fase que chamamos de teaser, era possível encontrar baldes do KFC nas lojas do Burger King e copos do Burger King nas do KFC, o que certamente gerou curiosidade na mente dos consumidores.
Ainda foram produzidos anúncios nos quais apareciam colaboradores das duas marcas dançando juntos ao som da música “Why Can’t We Be Friends?” – Por que não podemos ser amigos?
Vale ainda atentar para o nome do produto BFF –  (melhores amigos para sempre).
O sucesso da campanha não se resumiu à atenção despertada e, consequentemente, na maior divulgação espontânea, a qual, por sua vez, tem influência no aumento do desejo da experimentação dos produtos. 
Além dos aspectos comerciais, as marcas certamente tiveram suas imagens fortalecidas ao explicitarem que ser rival não significa ser inimigo e que collabs entre marcas – para usar um termo da moda - se bem construídas, podem se transformar em excelentes alianças estratégicas.
É fato que alianças já costumam ocorrer com relativa frequência, aqui podemos, entre outras, citar: a da Uber com a Spotfy (que permite ao cliente conectar suas contas de forma a escolher as músicas que tocarão durante suas viagens), a da adidas com a Continental Pneus (focada no desenvolvimento de solados de borracha de alto desempenho para calçados, visando aderência e durabilidade) e a da Taco Bell com a T-Mobile (aqui os clientes da operadora de telecomunicação recebiam tacos gratuitos ao participarem do programa T-Mobile Tuesdays).
O que chama a atenção na "união" da KFC com o BK é o fato de serem concorrentes diretos.
A propósito, lembramos que a própria Burger King tem um histórico de se utilizar da rivalidade em algumas ações de marketing, vide as criativas campanhas em que provoca o rival Mc Donalds.
Embora a iniciativa possa parecer simples, é necessário enfatizar que para a obtenção do sucesso esperado, inúmeros estudos e negociações precisam ser realizados, os quais passam por avaliações financeiras envolvendo custos com logística, treinamento, comunicação etc., ou seja, não basta simplesmente ter a ideia e colocá-la operacionalmente em prática sem o envolvimento prévio de diversas áreas.
Como parte desse processo responsável, a ação, antes de se expandir para outros países, ficou restrita ao território francês, o que permite testar os resultados sem despender investimentos mais vultosos.
Enfim, é gratificante constatar que o marketing foi capaz de promover uma ação de colaboração mútua de sucesso não apenas comercial, mas, sobretudo, de valorização da união, em um momento que nos deparamos com países se digladiando através da imposição de taxações com enorme potencial para um desastre econômico.

PS: Ao chegar à publicação de # 800 do blog, gostaria de registrar meus sinceros agradecimentos a todos vocês.