terça-feira, 13 de agosto de 2019

Precisa-se de parentes?


A indicação de um dos filhos do presidente da república para o cargo de embaixador acendeu fortes discussões sobre o tema, porém, em função da falta de conhecimentos mais abalizados sobre os processos internos que envolvem as questões diplomáticas, optaremos por focar aqui situações semelhantes que costumam ocorrer no mercado corporativo, mais precisamente nas empresas familiares - aquelas cuja governança tem os parentes como principais executivos/controladores -, essa análise, talvez, ajude na avaliação sobre o trinômio: presidente, embaixada e seu filho.
Primeiramente é preciso que fique claro que a "relação de parentesco" jamais pode ser associada à qualificação ou à falta dela, ou seja, qualquer julgamento sobre profissionais deve transcender sobrenomes e laços. Contudo, é preciso se ter a consciência de que a experiência ajuda a compor o atributo “qualificação”.
Sendo importante deixar pontuado que a possibilidade de se adquirir experiência na própria empresa familiar pode ser um inibidor de desenvolvimento se esta não possuir um grau de profissionalização avançado. Receber ensinamentos apenas dos que estão ali por longos períodos não permite novos aprendizados, já que o mercado é dinâmico e como tal precisa de interpretações que fujam da linha “sempre foi feito assim e assim deu certo”.
Para se precaver desse tipo de situação, algumas empresas bem estruturadas colocam como condicionante para o ingresso de parentes a atuação prévia em outras corporações por certo período de tempo. 
Particularmente acho a medida bastante inteligente, visto que além de proporcionar outra perspectiva ao "parente", também o tira da zona de conforto causada pela suposta certeza de emprego na empresa da família.
O atributo “qualificação” tem extrema importância não apenas no que tange ao futuro da empresa como também na própria preservação do “parente não qualificado” que, mesmo com a estabilidade oriunda dos laços sanguíneos, não fica imune aos deboches e críticas. Muitas vezes é mais proveitoso dedicar uma mesada perpétua para alguém ficar em casa sem atrapalhar a operação, do que correr o risco deste - ou desta - se meter na gestão e levar a empresa para abismos colossais.
Por mais que pareça duro aos ouvidos dos patriarcas, eles precisam acreditar que a eternidade, pelo menos no plano terrestre, não existe. Daí a necessidade de se pensar num processo de sucessão que privilegie o futuro da empresa e não a vaidade e a empregabilidade dos parentes. 
Dessa forma, um fator que deve receber máxima atenção é a transparência no planejamento sucessório, afim de que se previnam os eventuais conflitos nas gerações vindouras ou até mesmo nas atuais em função do que pode vir a acontecer no futuro. 
Que se esclareça que os conflitos fazem parte de qualquer modelo de governança. É normal a desavença e a divergência de ideias, porém, em empresas familiares, as brigas costumam ter um poder devastador, já que os ataques na maioria das vezes são velados entre eles, tendo sim como alvos os profissionais que não são parentes, mas que, supostamente, têm a simpatia e respaldo do parente a ser bombardeado. Esse quadro fragiliza os processos de profissionalização, atrapalha a continuidade do mesmo e prejudica a atratividade da empresa aos olhos do mercado de executivos. 
Ainda que os pontos colocados deixem claro que não se deve cultivar nenhum tipo de preconceito contra “parentesco”, deve ser contemplado na análise que a falta de uma estrutura eficaz de governança é o que dá margem a contratações, promoções e nomeações insensatas.
Nessa linha, não creio ser razoável contratar/indicar alguém sem a devida qualificação, o que se agrava em casos que existe parentesco, afinal só devemos admitir aquele que poderemos demitir, o que é mais complicado em uma relação familiar.










2 comentários:

  1. Conciso, objetivo e com informações relevantes: parabéns pelo ótimo e oportuno texto.
    Nosso Presidente não é o dono da empresa e se não der certo ele sai e curtirá seus dois ou três salários integrais de aposentado com menos de 40 anos de contribuição com direito a algumas mordomias do cargo de ex-presidente.

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    1. Obrigado pelo comentário, Mestre!
      Entendo perfeitamente a diferença em relação ao mercado corporativo. Optei em explorar este último pelo fato de minha vivência se resumir a ele e achar que é possível desenvolver algumas analogias.
      Forte abraço

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