terça-feira, 25 de junho de 2024

Não, obrigado!


Se você estivesse trabalhando numa boa empresa e fosse convidado para assumir o mesmo cargo em uma empresa que seja referência na sua área de atuação, você aceitaria? Depende, né?
E se essa empresa "referência" oferecesse também um contrato maior tanto em termos de compensação financeira como de duração? Difícil recusar, não é mesmo?
E se a capacitação técnica dos colaboradores que você liderará nessa “nova” empresa for superior à dos atuais? 
Pois bem, situação similar aconteceu recentemente com Dan Hurley. Quem???? Explico: Hurley é o atual técnico da equipe de basquete da UConn – University of Connecticut – e recebeu um convite para ser o treinador do Los Angeles Lakers, franquia que tem entre seus jogadores ninguém menos do que LeBron James. A proposta girava em torno de US$ 70 milhões por seis anos, o que equivale a um pouco mais do que o dobro do contrato com a UConn.
Ainda que comandar a equipe campeã da NCAA  - National Collegiate Athletics Association, o campeonato universitário dos EUA -, seja algo extremamente atrativo, não há, em tese, como comparar com a oportunidade de dirigir uma das equipes mais vitoriosas da liga de basquete mais rica e popular do mundo, tendo, consequentemente, a oportunidade de conviver com os melhores jogadores de basquete do planeta.
Diante de todo esse enredo, os leitores devem estar ávidos para saber quando ele assume o Lakers e, provavelmente, fazendo algum prognóstico quanto ao sucesso, ou não, do treinador.
Podem parar! Hurley recusou a proposta.
As causas, nunca é uma só, estão ligadas às raízes que ele tem em Connecticut junto à família, além, talvez, de um certo receio de assumir a responsabilidade de fazer um time de estrelas, sem resultados expressivos no momento, virar a chave e triunfar.
Analisando a decisão, é certo que não teremos unanimidade. As opiniões variarão em função do jeito de ser de cada um, dos anseios, dos valores, do momento de vida e da necessidade econômica, entre outros fatores. Não há decisão certa ou errada antes de tomá-la.
Todavia, mesmo reconhecendo que há motivos coerentes para a recusa, cabe ao Lakers refletir a respeito do ocorrido, pois, se uma proposta é recusada, a responsabilidade pode não ser apenas da parte que a rejeita, principalmente em situações recorrentes. É preciso, sobretudo, entender o que vem acontecendo tanto em termos de resultados como de atratividade de talentos, os quais podem até estar interligados.
Todo esse relato que tem o esporte como pano de fundo pode, e deve, ser replicado ao mundo corporativo. Entender a razão pela qual as pessoas não aceitam ofertas aparentemente boas, por exemplo, é fundamental para se gerir qualquer organização. Engana-se quem acha que os “bastidores” das corporações ficam restritos a elas. Hoje em dia, há até sites que trazem comentários e críticas de colaboradores sobre suas ex e atuais empresas, isso sem falar nas redes sociais que auxiliam na conexão entre pessoas, o que pode ajudar no esclarecimento de dúvidas sobre qualquer assunto, inclusive na vida dentro de alguma empresa.
Portanto, ainda que uma boa remuneração seja um fator de extrema relevância para avaliação de uma proposta, há pontos, muitos deles aparentemente sem importância, que nortearão o processo de decisão.




terça-feira, 18 de junho de 2024

Bens de consumo no futebol

 
A mudança do controle acionário da SAF do Cruzeiro de Minas Gerais trouxe na sua esteira a entrada de várias marcas de bens de consumo como patrocinadoras do clube. 
Será, então, que a indústria de bens de consumo “descobriu” que estar no futebol é uma excelente iniciativa? Lamento informar que não! O futebol já vem ao longo do tempo atraindo empresas desse setor, embora, excetuando uma fase em que a Coca-Cola patrocinou simultaneamente dez clubes brasileiros, as marcas desse segmento nunca “dominaram” o mercado da modalidade, tal como acontece agora com as empresas do setor de apostas ou no passado, quando as marcas do ramo de telecomunicação e do financeiro eram ostentadas nas camisas dos times.
Trata-se, na verdade, de uma situação provocada pelo fato de o atual dono da SAF do Cruzeiro ser proprietário também da 5ª maior rede de supermercados do Brasil, os Supermercados BH.
Podemos então inferir que o prestígio do proprietário foi responsável por atrair marcas como Unilever, Kodilar, Vilma Alimentos e outras que ainda podem chegar? Em tese sim! Afinal, um enorme e eficiente canal de vendas é interessante para as marcas, sendo importante para elas estar bem com o “dono”. É fato também que a negociação de patrocínio com o clube pode incluir, em função da "estreita" relação deste com o varejo, entregas que vão desde a garantia de sempre se ter produtos do patrocinador fazendo parte do sortimento das lojas, até posições privilegiadas no que tange à exposição, isso sem falar numa eventual pactuação de quantidade a ser comprada.
Falta acrescentar nessa análise a situação do supermercado, pois, ao contrário do que muitos pensam, há reflexos na sua operação. Não vou entrar no mérito de que a provável garantia de presença dos produtos dos patrocinadores pode vir a tirar o espaço de outros da mesma categoria com uma capacidade de rentabilidade maior. Prefiro partir da premissa que todas elas são marcas preferidas ou, na pior das hipóteses, sem rejeição. Todavia, não dá para ignorar que as habituais ações promocionais – trade, bonificação, publicidade, descontos, etc. do fornecedor/patrocinador - serão impactadas, o que pode vir a afetar a atratividade desses produtos na rede varejista. 
É preciso ter em mente que as áreas de marketing da indústria costumam elaborar o orçamento/planejamento, definindo um montante de verba que será dedicado individualmente aos principais varejistas e que a hipótese de aumentá-la é bastante remota. 
Vale lembrar que essa forma de operação de patrocínio não é inédita. Um caso emblemático ocorreu na Fórmula 1, mais precisamente com o piloto Pedro Paulo Diniz, filho do Abílio Diniz que era o principal acionista do Pão de Açúcar. Basta olhar uma foto do carro do piloto para perceber a presença de várias marcas de bens de consumo, as quais agiam da forma narrada acima.
Previamente mensurar as consequências dessa condição para a rede é impossível, mesmo porque, ela também pode se beneficiar do fato de as marcas estarem mais divulgadas, atreladas ao esporte e, quem sabe, ter um incremento de venda em função disso, daí não caber nenhum tipo de crítica à iniciativa.  
O que se pretende com o artigo é alertar para o fato de que as marcas de bens de consumo não passaram a ver o futebol como um espaço perfeito para se investir, elas apenas aproveitaram a oportunidade de alocar suas verbas de forma diferente do convencional.






terça-feira, 11 de junho de 2024

Mercado tropical


O processo de expansão costuma ser um dos mais sensíveis quando se fala em gestão. Embora, a “expansão” seja na maior parte das vezes associada à abertura de novos pontos de vendas, é importante esclarecer que não se resume a isso, pois vai desde o aumento da quantidade de produtos e categorias por parte das marcas até a questões geográficas, e é sobre isso que versará o artigo.
Se uma simples mudança de bairro já é capaz de demandar esforço, imaginem uma mudança de cidade, estado e/ou de país.
Nos casos de expansão no âmbito nacional, ainda que existam problemas relacionados às diferenças culturais, perfil do público e complexidades ligadas à distribuição, a situação é um pouco menos complicada do que a que ocorre nas expansões internacionais, nas quais, além dos obstáculos citados anteriormente, há o aspecto da adaptação. Por viver no Brasil, chamo esse processo de tropicalização, o qual nada mais é do que a adequação de algo de sucesso em outros países às características brasileiras.
E quando me refiro a características, incluo as instabilidades provenientes da legislação tributária e trabalhista, da política e, não menos importante, do entendimento do mercado - hábitos/costumes dos consumidores e concorrência, além dos canais que muitas vezes não são usuais em outras partes do mundo.
É fato que grande parte dos fracassos ocorre em função de se seguir uma espécie de “receita de bolo”, talvez exitosa em outras regiões, mas, quem sabe, desconectada da realidade local. Tal situação acaba se agravando pelo receio de se questionar ou mesmo propor “adaptações” à matriz.
Questões relacionadas à nomenclatura são cruciais, visto serem importantes tanto no que diz respeito à pronúncia, como também em relação a propiciar uma associação melhor ao produto.
A própria definição do mix de produtos, no caso do varejo, nos fornece lições interessantes. Quando o Walmart veio para o Brasil era possível encontrar tacos de golfe sendo ofertados na área de vendas. O mesmo varejista, ao incorporar postos de serviço, tentou implantar o sistema de self-service, o qual já tinha sido testado por aqui anos antes pelas distribuidoras tradicionais e reprovado.
Por outro lado, vimos no mercado de marcas de luxo, as joalherias Tiffany e Cartier, passando a aceitar pagamentos parcelados, o que não acontecia em outros países. Aliás, o mesmo ocorreu no comércio eletrônico.
Eximir a responsabilidade da matriz nos casos de fracassos não seria totalmente justo, afinal, muitas vezes as orientações de lá advindas não permitem qualquer tipo de contestação, provavelmente têm a certeza absoluta de que o que deu certo em alguns países dará certo aqui.
Não podemos, no entanto, ignorar que há situações em que o “country manager”, seja pela pouca experiência corporativa, seja pelo receio de confrontar seus superiores, acaba adotando as orientações como verdades absolutas e incorporando as diretrizes ao dia a dia da empresa.
Ser visto como contestador, de fato, não é das melhores imagens a se ter, porém, deixar o barco afundar em função desse receio é uma situação muito pior.



terça-feira, 4 de junho de 2024

Um novo público-alvo

No último final de semana ocorreu mais uma edição da Maratona do Rio, um evento que, além da própria prova de 42 km, abrigou em dias diferentes competições de 5 km, 10 km e 21 km.
Ao observarmos o perfil dos corredores, as ações das marcas patrocinadoras e as iniciativas dos organizadores do evento, podemos concluir que houve uma significativa mudança quando comparamos com o período em que esse tipo de prova surgiu no nosso cotidiano.
Se no passado, grande parte dos praticantes tinha como objetivo principal a performance e a superação de limites agressivos - o que era bastante desafiador visto que os métodos de treinamentos, os equipamentos e a alimentação não eram tão avançados -, hoje vemos um público mais preocupado com a saúde e estilo de vida, ainda que, evidentemente, queiram melhorar seus recordes pessoais.
A própria concessão de medalhas talvez ilustre com propriedade essa mudança. Se antes só os vencedores eram premiados, temos agora medalhas para todos que concluírem as provas.
As redes sociais, por sua vez, também ajudaram essa metamorfose ao guiarem as diretrizes mercadológicas das marcas. Tempos excelentes, supostamente, são menos interessantes para as marcas do que número de seguidores, os quais são cultivados graças, entre outras coisas, ao exemplo proporcionado por pessoas “normais” no que tange à adoção da disciplina e hábitos saudáveis.
No vácuo desse processo, novos serviços vão sendo incorporados ao dia a a dia, como é o caso dos fotógrafos que passam horas nos locais de treinamento registrando os “momentos”, vendendo os produtos “instagramáveis” e fazendo com que o lado fashion seja parte integrante da atividade esportiva.
Interessa a uma marca de material esportivo ou alimentos, por exemplo, ter mais embaixadores que sejam pessoas "copiáveis" e inspiradoras para a  maioria da população, do que atletas com performances que poucos conseguem chegar perto. Esse quadro não significa que o aspecto “aspiracional” deva ser abandonado como argumento dos gestores de marketing, mas sim que a aspiração tem limite e esse passou a ser melhor mensurado quando se decide pela prática de uma atividade e/ou pelo consumo dos produtos inerentes a ela.
Os próprios organizadores de provas, reconhecendo esse novo público, passaram a oferecer “benefícios” aos que se propõem a pagar mais caro pelo preço da inscrição. São kits diferenciados em termos de produtos, direito a largadas "mais confortáveis" etc, tal qual uma companhia aérea faz em relação à segmentação de assentos e até ao direito à escolha desses. Conseguem, grosso modo falando, transformar uma commodity em produto.
Quer dizer que a performance está sendo relegada a um plano inferior? Por um lado, sim, já que a lucratividade é o combustível para a saúde das marcas e dos organizadores, daí a busca por um público disposto a pagar. Porém, não podemos desprezar que parte dessa rentabilidade é reinvestida no esporte, o que pode propiciar o surgimento de mais e melhores atletas.
Embora a Maratona do Rio tenha servido como inspiração para o presente artigo, é fato que o novo boom das corridas é um fenômeno mundial. Um estudo do rastreador de exercícios Strava nos mostra que a proporção de corredores que competiram em maratonas quase dobrou em sua plataforma em 2022 quando comparado com o ano anterior.
Mais do que uma competição de atletismo, as corridas de rua se transformaram também num espaço de diversão e relacionamento, que abriga pessoas com interesses em comum. No centro de Londres, o Friday Night Lights, um clube de corrida, se posiciona como uma “noitada”, na qual grupos percorrem os percursos ao som de música e sinalizadores coloridos.
Todas essas iniciativas corroboram para que a modalidade atraia cada vez mais um público jovem. Em 2019, apenas 15% das pessoas que terminaram a Maratona de Nova Iorque tinham 20 anos, em 2023, essa percentagem atingiu 19%. Na Maratona de Los Angeles, esse índice passou de 21% para 28% no mesmo período.
Para os que viveram os primórdios das corridas, tais mudanças soam um pouco estranhas, todavia, contanto que leve as pessoas à prática do esporte e a uma vida realmente saudável, tá valendo. Há espaço para todos!