terça-feira, 4 de junho de 2024

Um novo público-alvo

No último final de semana ocorreu mais uma edição da Maratona do Rio, um evento que, além da própria prova de 42 km, abrigou em dias diferentes competições de 5 km, 10 km e 21 km.
Ao observarmos o perfil dos corredores, as ações das marcas patrocinadoras e as iniciativas dos organizadores do evento, podemos concluir que houve uma significativa mudança quando comparamos com o período em que esse tipo de prova surgiu no nosso cotidiano.
Se no passado, grande parte dos praticantes tinha como objetivo principal a performance e a superação de limites agressivos - o que era bastante desafiador visto que os métodos de treinamentos, os equipamentos e a alimentação não eram tão avançados -, hoje vemos um público mais preocupado com a saúde e estilo de vida, ainda que, evidentemente, queiram melhorar seus recordes pessoais.
A própria concessão de medalhas talvez ilustre com propriedade essa mudança. Se antes só os vencedores eram premiados, temos agora medalhas para todos que concluírem as provas.
As redes sociais, por sua vez, também ajudaram essa metamorfose ao guiarem as diretrizes mercadológicas das marcas. Tempos excelentes, supostamente, são menos interessantes para as marcas do que número de seguidores, os quais são cultivados graças, entre outras coisas, ao exemplo proporcionado por pessoas “normais” no que tange à adoção da disciplina e hábitos saudáveis.
No vácuo desse processo, novos serviços vão sendo incorporados ao dia a a dia, como é o caso dos fotógrafos que passam horas nos locais de treinamento registrando os “momentos”, vendendo os produtos “instagramáveis” e fazendo com que o lado fashion seja parte integrante da atividade esportiva.
Interessa a uma marca de material esportivo ou alimentos, por exemplo, ter mais embaixadores que sejam pessoas "copiáveis" e inspiradoras para a  maioria da população, do que atletas com performances que poucos conseguem chegar perto. Esse quadro não significa que o aspecto “aspiracional” deva ser abandonado como argumento dos gestores de marketing, mas sim que a aspiração tem limite e esse passou a ser melhor mensurado quando se decide pela prática de uma atividade e/ou pelo consumo dos produtos inerentes a ela.
Os próprios organizadores de provas, reconhecendo esse novo público, passaram a oferecer “benefícios” aos que se propõem a pagar mais caro pelo preço da inscrição. São kits diferenciados em termos de produtos, direito a largadas "mais confortáveis" etc, tal qual uma companhia aérea faz em relação à segmentação de assentos e até ao direito à escolha desses. Conseguem, grosso modo falando, transformar uma commodity em produto.
Quer dizer que a performance está sendo relegada a um plano inferior? Por um lado, sim, já que a lucratividade é o combustível para a saúde das marcas e dos organizadores, daí a busca por um público disposto a pagar. Porém, não podemos desprezar que parte dessa rentabilidade é reinvestida no esporte, o que pode propiciar o surgimento de mais e melhores atletas.
Embora a Maratona do Rio tenha servido como inspiração para o presente artigo, é fato que o novo boom das corridas é um fenômeno mundial. Um estudo do rastreador de exercícios Strava nos mostra que a proporção de corredores que competiram em maratonas quase dobrou em sua plataforma em 2022 quando comparado com o ano anterior.
Mais do que uma competição de atletismo, as corridas de rua se transformaram também num espaço de diversão e relacionamento, que abriga pessoas com interesses em comum. No centro de Londres, o Friday Night Lights, um clube de corrida, se posiciona como uma “noitada”, na qual grupos percorrem os percursos ao som de música e sinalizadores coloridos.
Todas essas iniciativas corroboram para que a modalidade atraia cada vez mais um público jovem. Em 2019, apenas 15% das pessoas que terminaram a Maratona de Nova Iorque tinham 20 anos, em 2023, essa percentagem atingiu 19%. Na Maratona de Los Angeles, esse índice passou de 21% para 28% no mesmo período.
Para os que viveram os primórdios das corridas, tais mudanças soam um pouco estranhas, todavia, contanto que leve as pessoas à prática do esporte e a uma vida realmente saudável, tá valendo. Há espaço para todos!








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