terça-feira, 5 de agosto de 2025

Qual o "tamanho" da torcida?


A recente pesquisa realizada pelo O GLOBO/Ipsos-Ipec acerca do perfil e tamanho das torcidas dos clubes brasileiros, apesar de conceitualmente interessante para o esporte, deve ser observada com restrições em função da metodologia utilizada e às interpretações distorcidas que ela pode provocar.
“Você só está criticando porque a torcida do seu time apareceu com uma participação percentual pequena”!
Certamente tal frase passará pela cabeça de alguns leitores, mas posso garantir que a quantidade em si pouco me importa, afinal, quantos provedores de conteúdo possuem milhares de seguidores, sem que isso caracterize qualidade? Quantos países têm populações gigantescas e nem por isso atraem imigrantes, turistas, tampouco são desenvolvidos em termos econômicos, esportivos e educacionais? Pois é...
“E a maior atratividade para se obter patrocinadores por parte dos clubes com, supostamente, mais torcedores, não conta”?
Boa provocação, porém, tal réplica só reforça o meu receio quanto às interpretações equivocadas.
Primeiramente, é preciso entender que a pesquisa apresentada busca  estimar o "market share" de torcedores, entretanto, vale salientar que quantidade de pessoas não necessariamente está correlacionada a consumo, já que esse é sensível à capacidade financeira e à oferta de produtos/serviços que gerem demanda. Portanto, diante do que foi divulgado, fica claro que a pesquisa em referência não permite que se infira o potencial de consumo.
Há ainda dois grandes pontos que fragilizam o material:
1 - O tamanho da amostra utilizada é insuficiente para pesquisas que contemplem uma grande quantidade de clubes/opções, fato que se agrava em função da complexidade de se estratificar geograficamente amostras representativas em um país como o Brasil.
No caso das quatro maiores torcidas, esse problema é até mitigado, pois a amostra obtida consegue oferecer significância para algumas análises segmentadas. Todavia, no caso dos demais isso se torna impossível.
Peguemos, por exemplo, o caso do Fluminense - quarto colocado na Copa do Mundo de Clubes e melhor time entre todos das Américas na competição -, que aparece com 0,9% do total de 2.000 entrevistados, o equivalente a 18 torcedores, quantidade que deixa irrelevante qualquer observação sobre o perfil de sua torcida.
Dessa forma, não há como se concluir que seus fãs têm mais ou menos chances de consumir dado produto/serviço do que os de outros times. 
2Por mais que a pesquisa tenha tentado de alguma maneira segmentar o torcedor por, digamos, níveis de fanatismo, essa classificação considerou prioritariamente a autoanálise do respondente, ou seja, bastava o entrevistado dizer o quão fanático era numa escala de 1 a 10 para se categorizar.
No estudo encontramos torcedores se intitulando como fanáticos na escala máxima, mas ao serem questionados sobre os hábitos em relação ao time não passam de meros “simpatizantes”.
A propósito, até a categoria "simpatizantes" pode ser questionada, visto que o "share of mind" (participação na lembrança) e modismos podem interferir na resposta.
Talvez a "categorização" ficasse mais fidedigna se fosse aplicado um pequeno pré-questionário sobre hábitos e até conhecimento a respeito do time. Lembro que em pesquisas de mercado, a classificação socioeconômica de cada respondente costuma se dar tendo como base perguntas filtro que, dependendo do critério, contemplam indagações sobre posse de alguns bens, renda, nível de escolaridade e ocupação, entre outras.
Reafirmo, no entanto, que uma amostra mais robusta é imperioso para que pesquisas possam vir a embasar projetos relacionados ao marketing. 
Além disso, o cruzamento com dados secundários, tais como receitas advindas de sócio torcedor, presença de público, seguidores e assinaturas de pay-per-view, mesmo enviesados por questões relacionadas à capacidade financeira, contribuem para a análise, principalmente quando se busca a estimativa de consumo.
Qualquer coisa diferente disso será mero casuísmo ou um provedor de infantis argumentos para zoações em grupos de WhatsApp e/ou mesas de bar.