terça-feira, 25 de julho de 2017

Licenciamento - pode parecer simples, mas...

Aos olhos dos que não conhecem muito bem o mercado de licenciamento, os clubes de futebol do Brasil - e até algumas confederações que se arriscam nesses projetos - não conseguem resultados satisfatórios por não “saberem trabalhar” essa atividade.
Não entrarei aqui no mérito de julgar os “acusados”. Acho mais produtivo explicar o processo sob a ótica de mercado para que o próprio leitor tire suas conclusões.
Primeiramente é preciso entender que não basta ter ideias acerca de quais categorias de produtos poderiam ser licenciadas com a marca de um time de futebol ou de uma confederação. Isso qualquer um tem, mesmo porque essas ideias, na maioria das vezes, se baseiam nos próprios anseios ou em observações sem qualquer análise científica.
O mais importante antes do desenvolvimento do produto – deixando claro que a avaliação quanto à idoneidade e qualidade do licenciador já esteja satisfeita – é analisar o potencial de vendas, o qual passa pela intenção de compra tanto do consumidor final quanto do varejista. Valendo ressaltar que intenção de compra não significa efetivamente compra.
É fundamental também entender que o varejo, em sua decisão para ter os produtos em seu portfólio, precisa negociar condições relacionadas a valores e prazos de pagamento, além de ter que definir a quantidade de cada produto e time. A mesma dúvida quanto à previsão de vendas respinga sobre o processo de fabricação, o qual envolve ações como compra de insumos, armazenamento desses e planejamento de produção.
Há ainda que se considerar nessa lista de “desafios”, a concorrência que o varejista e o próprio licenciado oficial enfrentam por parte dos produtos piratas.
Em relação a essa concorrência, precisamos admitir que os próprios clubes, na ânsia de auferirem receitas, têm sua dose de responsabilidade, pois à medida que permitem o licenciamento de uma mesma categoria de produto para vários licenciados, provoca uma competição entre esses que, diante de um mercado pouco maduro, podem acabar apelando para práticas, digamos, menos formais para remunerarem seus investimentos.
Somado a isso, quanto maior o número de produtos de uma mesma categoria, maior é o risco de pirataria, o que prejudica toda cadeia, a saber:

  • Licenciados, que passam a enfrentar concorrentes com preços e "capilaridades melhores", pois esses não arcam com grande parte dos custos com impostos.
  • Clubes, que deixam de receber os royalties - já que a venda informal não permite o controle -, e passam a ter suas marcas em peças fora do padrão de qualidade requerido e vendidas em locais cuja associação ao clube é maléfica.
  • Varejistas que, ao terem que competir com ambulantes que não pagam impostos, não obtêm o giro necessário dessas mercadorias e assim preferem tirá-las de linha.
  • Torcedores que, ao comprarem e usarem produtos piratas, deixam de ajudar o clube de coração e disseminam uma imagem ruim da marca do clube, visto tais produtos não oferecerem a qualidade e estética exigida.
Como podemos ver, o processo não é tão simples quanto os “especialistas” gostam de sugerir em redes sociais, afinal de contas, desenvolver mercado e criar cultura de consumo são atividades que necessitam de investimento e tempo.
Muito provavelmente, os tais “especialistas” mais enfatuados não darão o braço a torcer mesmo depois desses argumentos e, provavelmente citarão as receitas dos clubes europeus advindas dessa atividade na ânsia de terem razão, ocorrerão, no entanto, no erro de esquecer que o patrocínio de material esportivo entra como licenciamento e que a variedade de produtos fabricados por essas marcas têm valor agregado maior e uma capacidade de distribuição mais abrangente. Não obstante a essa característica, os demais bens ajudam a complementar o portfólio e  fortalecer o conceito.
Os mais teimosos poderão ainda alegar que algumas empresas de bens de consumo e de serviços adotam o licenciamento como ferramenta para promover e/ou posicionar seus produtos. É verdade, só que tais empresas, além de serem licenciados e não licenciantes como os clubes, já vendiam e distribuíam para os principais varejistas seus outros produtos antes do licenciamento. 
Diante desse cenário, é possível concluir que o mercado brasileiro de licenciamento no esporte está muito abaixo do efetivo potencial, o que pode ser revertido.
O modelo adotado pela NBA poderia ser um bom exemplo a ser seguido. Nesse, a liga fica responsável pelas negociações com os potenciais licenciados e partilha os resultados entre as franquias, ressalvando que essa conduta parte da premissa que quanto maior o grau de competitividade no esporte, maior sua atratividade, ou seja, o equilíbrio orçamentário entre as equipes é condição básica para seu fortalecimento.
Contudo, ciente de que a constituição de uma liga é um processo demorado, surge como solução paliativa a união dos clubes para a gestão do licenciamento, o que resolveria parte dos problemas relacionados à seleção de produtos e de empresas licenciadas, assim como os de distribuição de mercadoria e controle dos royalties.
Sonhar não custa, quem sabe chegaremos no dia em que todos os clubes acreditarão que a competição deve ficar restrita ao campo.


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