terça-feira, 6 de outubro de 2020

Assassinato de reputações

O massivo uso das redes sociais tem sido responsável pelo aparecimento de uma situação bastante complicada, cuja expressão que dá título ao artigo traduz bem o que se pretende explorar. Não se faz referência aqui apenas às “fake news”, mas sim ao caráter opinativo e multiplicador que elas exercem.
Qualquer pessoa que se torne um pouco popular em qualquer atividade, logo será questionada, não importando aqui sua real capacidade, tampouco à dos que a criticam.
O que no passado se restringia às rodas de conversas que, “embasadas” por notícias divulgadas na imprensa, geravam discussões, agora, aditivadas pelo alcance das redes sociais se reproduzem acrescidas de pontos de vistas pessoais, a maioria sem base, até se formar um contingente considerável de críticos do que ouviram falar.
Peguemos as avaliações sobre técnicos de futebol. Quem nunca teceu algum comentário sobre a incapacidade de um treinador, citando inclusive qual teria sido o erro cometido e decretando uma conclusão definitiva, coincidentemente: a sua opinião. Sabe-se lá por qual razão, esquecem que o técnico possui muito mais conhecimento do que está acontecendo no ambiente – como têm sido os treinos, os problemas médicos, os aspectos emocionais, etc. – do que seus críticos, isso sem falar da maior experiência e sucesso na função.
Embora não sejam posturas muito razoáveis, podemos até entendê-las ao evocar a paixão incutida no esporte, a qual muitas vezes não nos deixa ver o quão possivelmente injustos e presunçosos estamos sendo nessas situações. 
O problema fica ainda maior quando esse tipo de comportamento transcende para áreas onde a emoção não deveria se manifestar. Talvez o paralelo feito acima com o esporte explique com perfeição a causa desse, digamos, “fenômeno” do crescimento desordenado de especialistas.
Decisões do judiciário são julgadas como boas ou ruins, simplesmente pelo fato de coincidirem ou não com o que estamos torcendo. Isso mesmo, se queremos que alguém seja preso, não importa o que diz a lei, qualificaremos o decisor em função da coincidência ou não da nossa “torcida”
Ah, mas nem mesmo os profissionais da área são unânimes na sua interpretação, portanto, é possível sim, questionar a decisão. Verdade, mas atentem que nesta argumentação foi incluída a expressão “profissionais da área”, ou seja, pessoas que, em tese, estudam e têm experiência no tema. 
Os dois exemplos citados já seriam suficientes para sintetizar o problema, porém, infelizmente, a quantidade de áreas que são alvos de críticas por parte de quem não conhece é enorme: médicos passaram a ser avaliados em função da prescrição de certos remédios, economistas em função das reformas, profissionais de marketing por pessoas que nem sabem o que isso significa, e por aí vai.
Na verdade, basta ter um mínimo de projeção junto à opinião pública que o processo de desconstrução se inicia.
É óbvio que todos podem, e devem ter opiniões, mas o grau de certeza quanto às mesmas e a forma de se expressar precisam ser calibrados em função do que efetivamente se conhece sobre o tema.
Daí se origina a menção às redes sociais como cúmplices dos “assassinatos de reputações”, visto terem se tornado um terreno seguro para covardes que encontram semelhantes e ignorantes para aplaudirem e reverberarem suas tolices agressivas.




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