A Specialized, uma das melhores e mais conhecidas marcas de bicicleta do mundo, anunciou recentemente que passaria a vender diretamente aos consumidores, o que significa dizer que suas lojas, hoje operadas por terceiros, teriam ela como concorrente ou seriam por ela adquiridas.
Esse novo modelo de negócios tem suscitado boas discussões, cujas reflexões ajudam a entender melhor o varejo e o setor de bikes.
Operando através do comércio eletrônico, a marca se torna um forte concorrente das lojas físicas não apenas pela maior disponibilidade de produtos, mas principalmente pelos custos reduzidos com aluguéis e mão de obra relacionada às vendas, além de reduzir os riscos relacionados ao giro dos produtos. Por outro lado, deixa de oferecer a experiência com o produto físico e os serviços de manutenção, fato que, além de provocar problemas no bom uso, propicia que o cliente procure outras lojas para o serviço e assim tenha maior contato com a concorrência.
Aqui cabem questionamentos acerca da capacidade de uma empresa eminentemente industrial atuar como varejista, afinal o relacionamento com os clientes no ponto de vendas, a definição do mix e a gestão de estoques e de recursos humanos são fatores fundamentais para se obter bons resultados. Deve ainda ser lembrado que a bicicleta comporta componentes que a Specialized não fabrica, o que faz com que ela precise adquiri-los para manuntenção e reparos, deixando a operação ainda mais complexa.
Evidentemente há a possibilidade de a empresa manter como funcionário o proprietário da loja, mas será que a Specialized tem condições de arcar com uma remuneração que o satisfaça sem impactar custos e respectivas margens? Será que o empresário estará disposto a mudar uma condição de maior “liberdade” por outra em que tenha que responder com “obrigações” até então “administráveis”?
Outro ponto que vale ser ponderado é o que diz respeito à capacidade de investimento da marca na aquisição de lojas e o quanto isso impactará no seu caixa e no seu grau de endividamento, o que, certamente, resultará na adoção de um processo de priorização, que deixará de fora algumas lojas, enquanto outras poderão se mexer em busca de alternativas.
Há ainda que se considerar que as marcas concorrentes não adotaram o mesmo modelo, ou seja, se mostram como opções para os varejistas insatisfeitos.
Por mais que a Specialized seja uma das melhores marcas de bicicletas, lembramos que o conceito “melhor” dá margem para a valorização dos mais diversos atributos, tais como conforto, custo, estética, performance e atendimento, os quais, ao contrário de outros setores, ainda não estão solidamente associados a nenhuma marca.
Mesmo com tantos indícios de se tratar de uma decisão arriscada, é prematuro afirmar que o modelo está fadado ao fracasso, afinal não temos acessos aos números envolvidos nem às devidas projeções. Todavia, baseado no que vemos em outras indústrias, soa como um equívoco ver a indústria se propor a assumir o papel de um canal do qual não tem expertise, se posicionando como concorrente – e não complemento – de um dos principais elos da cadeia de consumo.
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