terça-feira, 27 de agosto de 2024

Tá tudo muito bem, mas...

Os números sobre o desempenho esportivo do Brasil nos Jogos de Paris têm suscitado os mais diversos tipos de análises. Comparativos com outros países, confrontos com índices relacionados à população e fatores econômicos e outras parametrizações que nem vale mencionar. O cardápio é farto.
Há bastante coisa legal, mas muitas besteiras. Falta, na maioria das vezes, o conhecimento sobre a estrutura do esporte, suas fontes de receitas, requisitos para recebê-las etc. Daqui a pouco para... até 2028.
Entre tantos levantamentos, um me despertou grande atenção: o referente às redes sociais do Time Brasil, que chegou a 2,6 milhões de seguidores e que é, entre todos os comitês olímpicos nacionais, o que tem o Instagram com mais seguidores. Um trabalho muito bem feito, que teve a presença de embaixadores fora do ramo esportivo como um dos alavancadores para esse sucesso.
Mas não custa refletir sobre uma questão: o que isso traz de benefício para o esporte? 
Mais patrocinadores? Provavelmente sim, principalmente das empresas cujos diretores de marketing precisam de números "digitais" para justificar seus investimentos.
Mais pessoas acompanhando o esporte? Num primeiro momento, sim, depois, provavelmente não, até porque o apelo dos grandes eventos diminui naturalmente. Ainda assim, um residual é esperado.
Mais atletas? Mais pessoas iniciando e/ou praticando esporte? Não sei dizer, há chances que sim, mas sem a certeza que eu gostaria de ter. 
Mais conhecimento da marca? Talvez, mas com que objetivo? Voltamos assim à pergunta inicial: o que isso traz de benefício para o esporte? Melhor cessar os questionamentos para não ingressarmos num looping.
Minha provocação aqui é similar às que faço em relação à atuação das empresas no que diz respeito às redes sociais. Vejo muito esforço e competência para aumento do engajamento, porém, poucas vezes vejo tal crescimento fazendo parte de uma estratégia voltada aos objetivos de resultados operacionais.
A busca por números e métricas que “mostrem” o retorno de algum investimento, seja esse direto em algum tipo de ação ou mesmo na contratação/manutenção de uma equipe de colaboradores e fornecedores está presente em todas as áreas, independentemente do nível hierárquico. O problema é que muitas vezes os resultados isolados não contribuem para o todo. 
Claro que muitas vezes o “todo” não é atingido porque outras áreas não executaram bem suas atribuições, mas o ponto que quero levantar é outro: a necessidade de integração da função da área com o objetivo-fim da organização, se é que este foi realmente definido e bem comunicado.
A “indústria” dos KPIs e OKRs prontos e tradicionais por área para embasar alguma metodologia de score é até interessante a título de avaliação, mas muitas vezes os indicadores estão desgarrados do macro, e pior, sem um acompanhamento frequente que permita correções de navegação e de rumo.
Muitas vezes fico com a impressão de estar vendo um jogo de xadrez em que a busca pelo xeque-mate é mera retórica, sendo, talvez, mais importante aos olhos desses executivos comer as peças do adversário, fazer cara de inteligente para os "espectadores" ou simplesmente passar o tempo. 







terça-feira, 20 de agosto de 2024

Inovar e posicionar

 
Como vem sendo feito desde os Jogos Olímpicos do Rio, a Jambo Sport Business publicou um estudo quantitativo acerca dos equipamentos - no caso bicicletas e calçados de corrida – utilizados pelos 110 triathletas que participaram da competição em Paris 2024. Além da segmentação por gêneros e da tentativa de identificar alguma correlação a respeito desses equipamentos com os resultados esportivos, a análise traçou um comparativo da participação de mercado das marcas junto a essa amostra que contempla grande parte dos melhores do mundo da modalidade.
Pelo fato desses triathletas não possuírem em parte das vezes o patrocínio das marcas dos equipamentos que utilizam, uma eventual conclusão sobre os investimentos de tais marcas fica comprometido, todavia, não pode ser descartado que as eventuais ações de patrocínio junto a alguns atletas influenciam de alguma forma a escolha do equipamento por parte daqueles que não possuam patrocinadores, visto a provável percepção de qualidade.
Esse racional reforça a convicção de que os investimentos em marketing não devem se restringir à divulgação das marcas, mas também ao desenvolvimento de produtos inovadores e à propagação desses diferenciais relativos à qualidade, sendo o atleta uma ótima plataforma para a citada propagação. A pesquisa apresentada no estudo, corrobora para a solidificação dessa condição, principalmente quando tomamos como base a parte relativa à utilização de calçados. 
Sabe-se lá por qual razão, mas é notório que no meio do Triathlon, os tênis da Asics sempre tiveram uma certa predileção. Tal condição pode ser atestada através dos dados da pesquisa realizada pela Jambo referente aos Jogos de 2016, quando a marca japonesa foi utilizada por 32 dos 110 triathletas (29,1%), seguida pela Adidas com 14,6% e pela Nike com 12,8%. 
Já na edição de Tokyo, esse quadro sofreu uma abrupta mudança: a Nike de forma avassaladora passou a ser a líder ao calçar 56 triathletas (50,9%), fazendo com que a Asics caísse para a 2ª posição com 24,6%. A explicação para tal crescimento está ligada ao pioneirismo da marca no desenvolvimento dos tênis com placas de carbono, os quais revolucionaram o segmento running para atletas de alto rendimento.
Em qualquer mercado, o pioneirismo tem um peso significativo tanto pelo fortalecimento da imagem em termos desse atributo, como também pelo desempenho comercial num primeiro momento. Por outro lado, a concorrência passa a reproduzir produtos similares e algumas vezes até mais aperfeiçoados.
E foi o que aconteceu no mercado running, onde todas as principais marcas passaram a ter os tênis com placas de carbono em seus respectivos portfólios. O resultado dessa reação é visto na pesquisa que tomou como base os triathletas que competiram em Paris 2024, onde 53 deles correram com Asics (48,2%), enquanto a Nike calçou apenas 18,2%, uma queda de 32,7 pontos percentuais em relação a Tokyo.
Esse cenário, expurgando eventuais ações de patrocínio, fornece aos gestores de marketing uma excelente lição sobre a importância vital de inovar, assim como a de se posicionar. 
Um bom posicionamento, assim como o da Asics é, sem dúvida, importantíssimo, mas sem produtos inovadores, pode não ser o bastante – e não foi. Por outro lado, a inovação sem um posicionamento bem estabelecido pode não ser o suficiente para conquistar de forma sustentável o público-alvo.
Embora o artigo tenha focado o mercado de calçados por ele estar provavelmente mais popularizado e, dessa forma, facilitar a reflexão sobre posicionamento e inovação, o estudo mostra também o mercado de bicicletas, no qual a Specialized vem dominando. 








terça-feira, 13 de agosto de 2024

Seguidores a qualquer preço

Ao fim de mais um ciclo olímpico, pouca coisa mudou. Os críticos quadrienais continuam aparecendo municiados de artigos para atacar a estrutura do esporte brasileiro, isso sem falar no complexo de vira-lata de achar que tudo aqui é pior. Sem dúvida, muitas dessas manifestações abrigam pontos interessantes, porém, a grande maioria carece de embasamento sobre o modelo brasileiro, seus entes, suas responsabilidades e toda a complexidade de gerir algo que sofre a influência da economia, da educação e da cultura do país. Ainda assim, é válido o debate, desde que sem tons professorais e dissertações com fórmulas mágicas para resolver todos os problemas.
Feito o desabafo, quero abordar um ponto que efetivamente mudou muito: a comunicação. Vimos, entre outras coisas, uma remodelagem na linguagem dos canais oficiais que, no intuito de ficarem cada vez mais populares, passaram a adotar posturas que, no meu modo de ver, fogem da essência da atividade esportiva.
Uma postagem feita pelo  Comitê Olímpico do Brasil exemplifica bem essa mudança. Ela ocorreu após a vitória do surfista Gabriel Medina sobre o japonês Kanoa Igarashi e trouxe a frase “Chora q tou feliz! Hehehehe” (sic), postada no twitter (x) reeditando a publicação do atleta do Japão, na ocasião em que venceu o brasileiro nos Jogos de Tokyo.
Publicações bem infelizes de ambas as partes, afinal, saber ganhar e perder reforça os valores do esporte. Essa crença fica ainda mais evidente diante da atitude da maior ginasta norte-americana de todos os tempos, Simone Biles, ao exaltar a brasileira Rebeca Andrade no pódio, minutos após ter sido por ela derrotada. 
Ainda que a postagem do COB possa ter como explicação a reação à provocação do japonês, penso que não cabe por parte da instituição nenhum tipo de resposta. Valendo alertar que as eventuais intenções rancorosas de alguns dirigentes jamais podem ser extravasadas colocando as instituições que representam como escudo para a covardia. 
Admito que a iniciativa teve o poder de criar repercussão e trazer um público que talvez nem se interessasse por esporte olímpico. Ok, mas queremos simplesmente engajar, seja de que forma for?
Mais uma vez, o marketing é distorcido, nesse caso ao se utilizar o esporte como uma simples plataforma de atração de "fãs" e crescer sem identidade e posicionamento. Deixam assim de aproveitar os atributos incutidos na atividade e no olimpismo, os quais certamente pavimentariam um caminho mais sustentável para atração de fãs e patrocinadores.
Nem vou entrar no mérito das questões hierárquicas, que preconizam que respostas devem ser dadas a pares, meu ponto aqui é realmente o respeito ao esporte.
É fato que o futebol já vem adotando esse tipo de iniciativa ao reproduzir o comportamento dos torcedores em seus canais oficiais, o que também me incomoda, todavia, como os atributos envolvidos nessa modalidade vêm sendo contaminados por violência e outras demonstrações de falta de fair-play ao longo do tempo, creio que só resta lamentar e torcer para que os dirigentes cessem com essa prática provocativa.
Temo, e muito, que o esporte seja visto como zoação. Desculpem, mas esporte é coisa séria, é o trabalho de muitas pessoas, as quais abdicam da vida social, para viver com dores e incertezas, buscando constantemente a excelência de forma, espero eu, limpa.
O respeito a essa dedicação deve ser preservado. Uma coisa é zoar em grupo de WhatsApp, brincar entre si após uma competição - ou até durante - mas publicamente isso não combina com os princípios do esporte.
Aos gestores de marketing, apelo que olhem para figuras como Simone Biles,  Roger Federer, LeBron James, Michael Phelps e muitos outros que conquistaram admiração, seguidores e engajamento sem ter que apelar para ações que jogariam fumaça sobre o que eles têm de melhor:  talento, dedicação e respeito aos adversários. 





terça-feira, 6 de agosto de 2024

"Sena" de descaso

A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, como quase tudo atualmente, provocou inúmeras reações, as quais versaram sobre a duração do evento, a infraestrutura para os espectadores que ficaram expostos à chuva e, principalmente, ao conteúdo.
Eventos são atividades sujeitas a inúmeros problemas, tamanha a quantidade de variáveis a serem contempladas, além da necessidade do equacionamento de recursos. Já sobre o conteúdo, se cai numa questão de gosto pessoal, porém, nesse caso, para não fugir da polarização que habita o cotidiano, envolveu até pautas de costume.
Que o atleta deve ser o protagonista dos Jogos Olímpicos, não se discute. Devem ser incluídos na cerimônia? Com a devida parcimônia, sim, mas não nos esqueçamos que eles estão lá para performar e que eventuais participações em algo que não esteja relacionado a competir, treinar, descansar e se alimentar, deve ser bem avaliado. Além disso, os espectadores anseiam por uma cerimônia de entretenimento, afinal, os atletas mostrarão o melhor deles nas competições. Diante desse quadro, vem a pergunta: qual a dose de entretenimento a ser “ministrada” nesse tipo de evento, sem que os princípios do olimpismo sejam afetados e que atletas participem sem prejuízo das respectivas preparações?
Independentemente de predileções individuais, não podemos jamais negligenciar que a atratividade perante outros públicos, além daqueles que já são fãs do esporte, deve ser buscada, pois isso impacta na capacidade de geração de receitas advindas da criação de novos “consumidores”. Todavia, há que se ter a devida consciência de que estamos falando de Jogos Olímpicos e não de concertos, shows ou desfiles de escola de samba.
Enfim, como não tenho a pretensão de encontrar aqui a fórmula ideal, fica o apelo para os que se propõem a discutir o tema,  que o façam de forma bem intencionada, ou seja, sem politizarem.
Prefiro usar o espaço para focar num ponto que guardasse, sim, relação com a organização dos Jogos, porém, voltado diretamente ao esporte, a quem deve caber o protagonismo das Olimpíadas.
Falarei da competição de Triathlon, cujo local escolhido, ainda que bonito e emblemático, colocou em risco a realização da prova e a integridade dos atletas. Nem vou explorar a perna de ciclismo que contemplou 27% em chão de paralelepípedo, tampouco da corrida com 25% sobre esse piso. 
Quero focar a natação, realizada no Rio Sena, opção que colocou em risco a realização da prova, que poderia ter sido transformada em um duathlon terrestre (corrida-ciclismo-corrida) caso as análises indicassem a insalubridade da água,  o que seria péssimo por várias razões, dentre as quais destaco a preparação dos atletas e a descaracterização da modalidade, aqui com o agravante de ser um esporte relativamente novo, principalmente em termos olímpicos, e que precisa se popularizar sem ter suas características distorcidas. O adiamento da prova masculina e o impedimento dos atletas fazerem o reconhecimento do percurso também prejudicaram bastante a preparação.
A alegação de que o evento precisaria ocorrer em Paris é legítima, afinal, supostamente, as autoridades locais tinham, enfim, conseguido despoluir o rio Sena e isso precisava ser mostrado. 
Não discordo da intenção de levar o esporte para pontos turísticos, até para o Triathlon é ótimo estar nos grandes centros, porém, avaliar riscos faz parte de qualquer projeto, sendo que talvez valesse mais ter a prova em localidades menos “charmosas” do que tê-la disforme e colocando em risco a saúde dos atletas. Lembro que as competições de surf, além de outras como vela e tiro ocorrem em outras cidades distantes de Paris.
Resta, por fim, lamentar que grande parte dos que postaram críticas à cerimônia de abertura, abdicaram dos textos veementes em defesa do esporte e dos atletas, que são a essência do olimpismo.